Plantão Psicológico, saúde mental e trabalho: cuidando de quem cuida

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Delma Nascimento dos Santos
Psicóloga Hospitalar no Hospital Sepaco

Patricia Lebensold Mekler
Coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospital Sepaco

Antes mesmo de falarmos sobre o trabalho desenvolvido no Plantão Psicológico, é importante desmitificar a associação do tratamento psiquiátrico arcaico ao trabalho desenvolvido pela Psicologia. Apesar de estarmos no século 21, com uma realidade totalmente diferenciada para os Cuidados da Saúde Mental, ainda há muito preconceito em buscar ajuda psicológica especializada devido à falta de informação e conhecimento.

Erroneamente, para uma boa parte da sociedade brasileira, o conceito de atendimento psicológico está atrelado ao atendimento psiquiátrico aprendido culturalmente até meados do final da década de 1970, momento trágico da história da saúde mental na Psiquiatria (1).

Nessa época, as instituições manicomiais destinadas para tratamento psiquiátrico recebiam qualquer tipo de pessoa considerada disfuncional socialmente. Pesquisas apontam que aproximadamente 70% dos pacientes não tinham diagnóstico psiquiátrico que justificassem a internação (2). Com o passar da linha histórica da saúde mental, percebemos que fatores como a falta da prática da avaliação psiquiátrica adequada, juntamente com o poder aquisitivo das famílias e o sistema governamental e social da época, colaboraram para que determinadas pessoas fossem internadas sem necessidade e sofressem danos cognitivos e mentais importantes (1,2).

Somente a partir do final da década de 1970, com o movimento de combate da segregação humana e com a solicitação emergencial do fechamento dos manicômios, mudanças começaram a ocorrer no sentido de buscar acabar com os tratamentos desumanos, reinserir o homem à sociedade e reformular todo o serviço de atendimento e tratamento no Sistema de Saúde Mental (2).

O fato é que, mesmo com o passar dos anos, ainda hoje as pessoas deixam de procurar os serviços de saúde mental por se pautarem nesse momento histórico. Muitos procuram esses serviços somente quando o estado de sofrimento psicológico se torna insustentável ou quando o familiar busca ajuda devido ao risco iminente de suicídio.

Cuidar da saúde mental é um processo difícil, mas que por muitas vezes se faz necessário. A Psicologia, enquanto ciência humana, permite conhecer o homem como ser existencial no mundo que o cerca e, através de escuta e observação, o psicólogo acolhe e valida a dor emocional do paciente. As intervenções terapêuticas realizadas durante atendimento têm como objetivo trabalhar emoções, sentimentos, inquietudes, questionamentos e demandas biopsicossociais adversas (3).

Saúde mental e trabalho
De acordo com a OMS, “Saúde mental é mais que a ausência de doenças mentais”. É definida como “um estado de bem-estar em que o indivíduo está ciente de suas próprias habilidades, pode enfrentar as tensões normais da vida, podendo trabalhar de forma produtiva e frutífera e é capaz de contribuir com a sua comunidade” (4).

Com a saúde mental em dia, o homem tem a possibilidade de aplicar suas habilidades e competências de forma produtiva, além de desenvolver condições emocionais para suportar os obstáculos e as situações de estresse que fazem parte do dia a dia e que estão presentes no ambiente de trabalho (5). O trabalho sempre foi o impulsionador da sociedade. Através do trabalho o homem obtém ganhos financeiros, o que cria nas pessoas o desejo pelo consumo.

Com a velocidade da evolução tecnológica, a exigência para a força de trabalho aponta a necessidade da qualificação profissional. O trabalhador de hoje precisa desenvolver em seu perfil profissional a capacidade de suportar as pressões, ser flexível e ser aberto para aceitar os desafios de que a organização necessita (6).

A sociedade de consumo está longe de ser apenas relacionada a objetos como carros, sapatos e bolsas. Hoje compra-se competências, perfil profissional, experiência, prazer, felicidade e o ser e/ou pertencer a determinados grupos (5,6).

Nesse sentido, buscar o equilíbrio da saúde física, mental e social faz-se fundamental para garantir, além da saúde, o bem-estar e a produtividade. Com assistência e cuidados adequados, é possível minimizar e até mesmo conter o surgimento de diversas doenças relacionadas ao ambiente de trabalho. O quanto antes o problema for diagnosticado, mais eficiente será o tratamento. Segundo a OMS, as intervenções de saúde mental precisam ser entregues como parte de uma estratégia integrada de saúde e bem-estar que cubra prevenção, identificação precoce, apoio e reabilitação (4,5,6).

E foi pensando no Cuidado da Saúde Mental de quem cuida que foi implementado o Plantão Psicológico, projeto que surgiu para atender e cuidar dos aspectos emocionais dos colaboradores.

O atendimento psicológico do Sepaco está disponível a todos os colaboradores. O serviço abre um espaço de escuta responsável por promover cuidados psicológicos e reduzir impactos de problemas relacionados ao sofrimento psíquico.

O Plantão Psicológico
O Plantão Psicológico iniciou seu primeiro atendimento em 6 de fevereiro de 2020. A proposta consiste em três atendimentos no formato de Psicoterapia Breve e Focal, e, de acordo com a demanda do paciente, encaminhamentos são realizados para Avaliações Clínicas, Psiquiátricas e/ou continuidade de Psicoterapia Clínica Ambulatorial ou Particular. O projeto tem como objetivo promover ações preventivas para que o colaborador não entre em sofrimento emocional maior. Trabalhar na área da saúde requer do profissional muita responsabilidade, compromisso com a vida, estado de vigília constante, podendo a longo prazo ocasionar transtornos psicológicos.

Para Schmidt, o Plantão Psicológico é pensado e praticado como um modo de acolher e responder à demanda focal de curto prazo. Isso significa colocar à disposição dos pacientes um espaço de escuta aberto à diversidade de demandas, no qual o trabalho do psicólogo é pautado na garantia de sigilo e ética profissional exigida pelo CRP (7).

Na proposta de atuação realizada no Plantão Psicológico, manejamos os atendimentos de forma que um problema pontual não se transforme em uma desordem psíquica. O atendimento psicológico no formato breve e focal é indicado basicamente em situações de crise (que não necessitem de uma abordagem clínica de longa duração) e em situações de dificuldade de adaptação (5).

Quando a saúde mental está prejudicada, o corpo também pode adoecer. Não há como separarmos mente e corpo. Os sistemas funcionam como um todo coeso, e mudanças em uma das partes provoca mudanças no todo. Cuidar da saúde mental é tão necessário quanto cuidar de qualquer outra parte do corpo. Validar sintomas biopsicossociais e procurar ajuda psicológica é o primeiro passo para se ter qualidade de vida.

Logo que iniciamos os atendimentos através de Plantão Psicológico, fomos acometidos pela pandemia do novo coronavírus, que potencializou o adoecimento psicológico da sociedade como um todo. No setor hospitalar, que está na linha de frente do combate à COVID-19, todos os colaboradores estão vulneráveis física e emocionalmente. Nesse sentido, é importante promovermos cuidados psicológicos em todas as equipes, pois não há como quantificar sofrimento emocional relacionado ao medo, insegurança e incertezas dos tempos atuais.

Os colaboradores que procuraram o Plantão Psicológico nos períodos críticos da pandemia relataram, ao final dos atendimentos, os benefícios que obtiveram, como o resgate da qualidade de sono, a diminuição de sintomas de ansiedade, de estresse, e a melhora na alimentação (nos casos de compulsão alimentar). Os pensamentos disfuncionais, julgamentos e sentimentos de culpa deram espaço à reflexão sobre as próprias ações e sobre os próprios comportamentos.

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