Como os modelos educacionais impactam nos resultados de treinamentos organizacionais?
Eloá Otrenti
Érika Mello Moreira Lagoa Dos Santos
Da redação da revista scientia
Valorizar e investir no desenvolvimento do capital humano é, sem dúvida,
um diferencial no mercado atual tão competitivo. Aprimorar conhecimentos,
habilidades e competências dos colaboradores não só atrai e retém novos
talentos como influencia e impacta diretamente nos resultados e no
desempenho organizacional.
Porém, ainda é um desafio mudar comportamentos, engajar e fazer com
que os colaboradores compreendam a necessidade de capacitações
individuais e da organização como um todo.
Dessa forma, entendendo que aprender é uma atividade complexa, para
obter êxito nessa missão e, consequentemente, resultados mais efetivos,
é fundamental compreender os modelos educacionais de aprendizagem
e como eles de fato impactam no desenvolvimento do profissional.
Compreender os modelos de educação contribui para desenhos instrucionais
mais assertivos e, consequentemente, para uma maior probabilidade
de atingir metas e resultados esperados.
Os modelos educacionais foram definidos a partir de observações do
processo de aprendizagem nas diferentes faixas etárias e metodologias,
analisando objetivos e resultados alcançados. Assim, são três modelos
educacionais: pedagogia, andragogia e heutagogia.
A pedagogia se refere à aprendizagem de crianças e adolescentes;
a andragogia diz respeito à aprendizagem de adultos e a heutagogia
trata da aprendizagem autônoma, independentemente de faixa etária.
Vale elucidar aspectos fundamentais de cada modelo e compreender
como cada um deles se adequa às práticas de ensino contemporâneas,
nas modalidades presenciais e on-line.
Pedagogia:
A palavra “Pedagogia” vem do grego “paidos”, que significa “criança”, e “agoge”,
que pode ser traduzido por “conduzir”, “educar”. Nesse modelo o aluno é sempre dependente, ficando sobre o professor a responsabilidade do ensino, a definição
de conteúdo, objetivos, tempo, metodologia, etc.; ou seja, o professor define o que,
quando e como o aluno aprende.
A bagagem que o aluno traz não é tão relevante; ele acaba percebendo o
aprendizado apenas como uma aquisição de conhecimentos, muitas vezes
sem entender a aplicabilidade do assunto que, por vezes, fará sentido
somente no futuro.
Apesar de a origem da palavra se referir a crianças, é comum encontrarmos
o termo se referindo ao ensino de adultos, sem as especificidades de um
modelo educacional. Isso porque Pedagogia também se refere à ciência que
tem como objeto de estudo a educação em geral.
Andragogia:
A palavra “Andragogia” vem do grego “andros”, que significa “adulto”, e
“agoge”, que significa “educar”, “conduzir”, ou seja, ensinar jovens e adultos.
O pai da andragogia, Malcom Knowles, definiu esse modelo baseando-se no
fato de que pessoas adultas já possuem uma experiência, e a motivação para
novos aprendizados surge por necessidades e interesses pessoais. Ou seja, o
adulto tem necessidade de aprender o que lhe pode ser útil, e seu conhecimento
prévio, sua experiência, deve ser reconhecida e utilizada como recurso no processo
ensino-aprendizagem.
Mas por que compreender a andragogia é tão importante para treinamentos
corporativos e educação continuada? Se educação continuada pode ser
definida como “processo de aquisição sequencial e acumulativa de informações
técnico-científicas pelo trabalhador” (1), é primordial adotar teorias de ensino
voltadas para adultos, considerando que todo trabalhador é adulto.
Ensinar adultos apresenta desafios particulares que envolvem aspectos
pessoais/individuais, familiares e estruturais. Portanto, auxiliá-lo a compreender
a matriz de conteúdos que a empresa considera essencial para seu desempenho
demanda estratégias e abordagens de ensino adequadas, para que, assim,
o resultado esperado seja alcançado.
Heutagogia:
A palavra “Heutagogia” vem do grego e “heutos” significa auto, próprio
e “agoge” significa “educar”, “conduzir”, ou algo que se aproxima de
aprendizagem autodeterminada. O termo foi proposto por Hase e Kenyon
em 2001 e surge ligado à ideia de que o ato de saber aprender é uma
habilidade fundamental, dados o ritmo da inovação e a estrutura em
mudança das comunidades e dos locais de trabalho (2).
Apesar de os desdobramentos da andragogia terem contribuído muito para
o processo de ensinar e aprender, Hase e Kenyo (3) explicam que é necessário
mudarmos da andragogia para um modelo de aprendizagem autodeterminado,
a heutagogia, que se baseia na teoria humanista. Os autores sugerem que
“a heutagogia seja adequada às necessidades de aprendizes no local de trabalho
no século XXI, particularmente no desenvolvimento da capacidade individual”
e que essa necessária mudança de modelo seja essencial em um contexto de
rápidas transformações e fundamental aprendizado constante.
A heutagogia é um modelo que se aplica tanto à Educação Presencial como
à Educação a Distância (EAD), porém acabou se disseminando de forma mais
expressiva com o crescimento de cursos on-line e vem se difundindo muito
rapidamente, modificando as práticas de ensino, alinhado com a velocidade
nas transformações contemporâneas.
Apesar de geralmente se relacionar a pessoas nascidas após 1980, que vivenciam
o mundo amplamente digital a maior parte de sua vida, a heutagogia trata de
características da natureza humana, adaptadas ao contexto contemporâneo e
pode, portanto, adaptar-se a qualquer geração.
Esse modelo instiga a refletir sobre as formas de ensinar e aprender, estimulando
estratégias mais interativas, rápidas, flexíveis, que visem à melhoria constante e
aplicabilidade imediata. O aluno pode aprender a qualquer hora e lugar que deseje
e muitas vezes o faz, já que sente necessidade no seu dia a dia e a fim de se manter
ativo em um mercado de trabalho tão competitivo. Essa possibilidade é facilmente
respondida com o acesso amplo à internet e a oferta de cursos de curta duração,
com foco em responder a demandas específicas.
Em propostas educativas fundamentadas na heutagogia, o aluno não é apenas
um agente passivo, receptor de conteúdo, mas também produz conhecimento
a ser compartilhado, alimentando uma rede de saberes que podem contribuir
para o aprendizado de outras pessoas, fisicamente distantes em contextos distintos.
Outro aspecto digno de nota da heutagogia é a intencionalidade de desenvolver
habilidades e conhecimentos para além de técnicas e procedimentos, enfatizando
um aprendizado completo que viabilize a interpretação crítica de seu papel social,
ampliando suas possibilidades de lidar com tais questões em contextos e situações
de pouca familiaridade. Ela busca adaptar e até mesmo modificar competências
adquiridas ao longo da vida que podem estar ou rapidamente se tornarem obsoletas.
Dito isso, adotar princípios alinhados à heutagogia, no mundo do trabalho, requer
partir da experiência de vida do aprendiz, interação social e educação transformadora
e reflexiva, com uso de metodologias de ensino adequadas às especificidades dos
adultos, mediadas por tecnologias da informação e comunicação, seja no contexto
presencial seja no on-line (4).
Independentemente da matriz teórica adotada para se referir a ações educativas
formais para trabalhadores, todas têm o objetivo de promover o desenvolvimento
pessoal e profissional e pressupõem um sistema dinâmico e permanente.
Ao compatibilizar os modelos educacionais aos treinamentos corporativos,
potencializam-se as oportunidades de aprendizado que impactam na qualidade
da assistência prestada ao paciente, finalidade principal das instituições de saúde.
Referências bibliográficas
- Brasil. Ministério da Saúde. Glossário temático: gestão do trabalho e da educação na saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2009.
- Araujo IL, Silva FCL, Nascimento APM, Barbosa KM. O pedagogo e os modelos educacionais: pedagogia, andragogia e heutagogia. Criar Educação. 2021;
10(1): 279. Fundação Educacional de Criciúma -FUCRI. - Hase S, Kenyon C. From andragogy to heutagogy. Melbourne, Austrália: Royal
Melbourne Institute of Technology, 2001. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/37357847_Moving_from_
andragogy_to_heutagogy_implications_for_VET. Acesso em: 25 maio 2022. - Almeida MEB (Org.). As teorias principais da andragogia e heutagogia. In: Litto FM, Formiga M. Educação a distância: o estado da arte. 8. ed. São Paulo: Pearson; 2009.
Cap. 15. 105-111.