A saúde mental dos profissionais de enfermagem frente à pandemia de covid-19

Tempo de leitura: 12 minutos

Ingrid Vilar da Costa
Enfermeira Assistencial da UTI Adulto do Hospital Sepaco

Joana d’arc Almeida dos Santos
Enfermeira Instrutora de Treinamento da UTI Adulto do Hospital Sepaco

Resumo
Trata-se de um relato a partir da percepção de duas enfermeiras de
UTI adulto que atuaram nesse setor durante toda a pandemia da
Covid-19. O tema do estudo foi escolhido frente à experiência das
autoras em campo na UTI adulto nesse período em que ganhou
destaque o sofrimento psicológico dos profissionais da enfermagem
que atuavam na linha de frente de atendimento às pessoas doentes.
Esse sofrimento decorre de diversas causas relacionadas diretamente
à pandemia: medo de se infectar e infectar outras pessoas, sobrecarga,
medo de possíveis faltas de equipamentos, medo de estar na linha de
frente por uma doença ainda sem cura e que gerou muitas mortes.
Espera-se, com esse artigo, dar visibilidade ao trabalho da equipe de
enfermagem durante um período tão desafiante e lançar luz sobre a
necessidade de implementar cuidados aos profissionais.

Palavra-chave: Pandemia COVID-19, Saúde mental, Unidades de
Terapia Intensiva, Enfermagem.


Introdução
O primeiro caso confirmado de Covid-19 foi noticiado em dezembro
de 2019, na província de Wuhan, na China. Em janeiro de 2020, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde
pública de importância internacional e, em março de 2020, decretou-se
oficialmente pandemia. Em 26 de fevereiro de 2020, foi confirmado o
primeiro caso de Covid-19 no Brasil, em São Paulo (1, 2).

Desde então, o mundo vem passando por transformações nos hábitos
pessoais e de saúde (3), somados ao medo e às perdas ocasionadas
pela necessidade de manutenção de distanciamento social para
a contenção da transmissão.

O aumento crescente e rápido da doença devido à alta
transmissibilidade do vírus ocasionou pânico na população
de todo o mundo e gerou uma grande sobrecarga nos serviços
de saúde. Devido ao colapso na saúde global, ganhou destaque
a atuação dos profissionais da saúde, especialmente da equipe
de enfermagem, que tem papel extremamente importante nos
serviços de saúde e compõe a maior parte da força de trabalho
(2, 4). O contato próximo e constante desses profissionais com
os pacientes pode ser um dos aspectos potencializadores do
adoecimento mental dessa equipe, principalmente durante a
pandemia por Covid-19.

Desde o início da pandemia, os profissionais de enfermagem
vêm enfrentando cada vez mais desafios profissionais e pessoais,
ocasionados pelo aumento da demanda de trabalho, da
complexidade dos cuidados, do medo de se infectar e infectar
outras pessoas, pelo luto, pelo esgotamento físico e mental,
entre outros, que levaram ao aumento de problemas relacionados
à saúde mental, como: angústia, depressão, ansiedade, síndrome
do esgotamento dos profissionais de saúde (4).

Esses desgastes manifestos como doenças ocupacionais
desencadearam afastamentos do trabalho e ainda mais
desgaste dos que permaneciam trabalhando, considerando
que nem sempre a equipe era reposta rapidamente (5, 6).

Diante do contexto descrito, esse relato de experiência objetiva
apresentar uma síntese da vivência da equipe de enfermagem
em uma unidade de terapia intensiva durante a pandemia de
Covid-19 (6, 7).

O relato descreve a vivência das autoras, duas enfermeiras
que atuavam na unidade de terapia intensiva adulto durante
a pandemia de Covid-19. Ambas iniciaram suas carreiras na
enfermagem na instituição como Técnicas de Enfermagem na
UTI em 2013 e 2017, sendo promovidas para enfermeiras
antes do início da pandemia, atualmente com cargos de
Enfermeira nível pleno e Enfermeira instrutora de treinamento.

A instituição é de grande porte (250 leitos), privada e filantrópica
localizada na zona sul da capital paulista, em um bairro de classe
média-alta, referência de controle de infecção hospitalar e
maternidade voltada para atendimentos de alta complexidade.

A unidade de terapia intensiva, antes do início da pandemia, era
composta por 40 leitos; durante o período, esse número aumentou
para 70, a fim de responder ao aumento da demanda. Desses
novos leitos, 19 foram adaptados na unidade de clínica médica e
sete no centro cirúrgico.

A disposição dos leitos precisou ser repensada para acomodar o
máximo possível de pacientes com quadros respiratórios. Além
da reorganização estrutural, diversos protocolos e novas orientações
foram instituídos a fim de evitar contaminações e melhorar o processo
de cuidados oferecidos, porém, mesmo com essas medidas, muitos
colaboradores foram contaminados e afastados de suas funções,
gerando a necessidade de novas contratações emergenciais.

Com o agravamento do quadro clínico dos pacientes e a alta
demanda em todas as instituições hospitalares mundiais, foi
necessária a aquisição de novos equipamentos e materiais para
atender à crescente demanda de pacientes com quadros respiratórios
graves, no entanto, frequentemente, ocorreram falta desses produtos
no mercado mundial. Os colaboradores foram orientados quanto aos
cuidados não só para com os pacientes, mas também para evitar
a própria contaminação e quanto às lesões causadas pelo uso
constante dos equipamentos de proteção individual. A instituição
forneceu curativos para a prevenção de lesões por pressão e
aplicação de laserterapia quando já havia ferida. Relatos de medo
de contaminação no ambiente de trabalho eram constantes,
principalmente pela possibilidade de os profissionais de grupos
de risco adoecerem gravemente por Covid-19, alguns colaboradores
foram afastados pelos médicos que os acompanhavam anteriormente.

Outro medo que observamos foi o de contaminar pessoas próximas,
que acabou gerando mudança de hábitos pessoais: aumento da
higienização de objetos e ambientes, não entrar em contato com
indivíduos de grupos de risco, por exemplo, o que ocasionou o
afastamento de alguns profissionais de familiares, aumentando
ainda mais o isolamento social já bastante recorrente nesse período.

Com o aumento da demanda e da complexidade dos cuidados
prestados aos pacientes atendidos, também houve maior
demanda por trabalhadores, o que ocasionou escassez de
profissionais da enfermagem e sobrecarregou os que já
atuavam na área (8).

Por fim, outro medo digno de nota que impactou a saúde
mental dos trabalhadores diz respeito aos casos de agressão
a profissionais, reportados na mídia. Ainda que episódios
como esse não tenham sido reportados na instituição, a
insegurança pode provocar adoecimento e reações inadequadas,
conforme percebido pelas autoras.

Somando-se todos esses fatores – medo de se contaminar e
contaminar outros, aumento de demanda e complexidade,
mudanças intensas em protocolos institucionais, isolamento
social, medo de agressões, aumento da taxa de mortalidade
dos pacientes, esgotamento mental, evidenciou-se um aumento
significativo de afastamentos por demandas psicológicas e de
profissionais que buscaram ajuda psicológica após o início da
pandemia. Observaram-se por diversas vezes durante os plantões
profissionais que choravam, fragilizados e esgotados.

Estão em andamento no Brasil pesquisas (8, 9) sobre os impactos
na saúde mental dos profissionais de enfermagem nesse período.
Vale ressaltar que esse foi um momento muito frágil para todas as
pessoas, independentemente de pertencerem à equipe de enfermagem
ou não. Na opinião das autoras, os impactos na saúde mental de
todos os indivíduos que vivenciaram o período pandêmico ainda
serão sentidos por longos anos e demandarão medidas de amplo
espectro para minimizar ou reverter agravos.

O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (COREN-SP) tem
realizado sondagens com os profissionais para conhecer as condições
de saúde e de trabalho. Em relatório divulgado em maio de 2022 sobre
o sentimento de exaustão dos trabalhadores nos últimos seis meses,
70,2% destacam piora na qualidade de vida nos últimos seis meses.
Dos 13.267 respondentes, 94% sentiram exaustão nos últimos seis
meses e 95,5% perceberam os colegas exaustos. Relacionado a esse
sentimento, 17,9% dos participantes relataram aumento de salário,
38,5% deles relataram mais horas trabalhadas e 26,4% relataram piora
nas condições de trabalho.

Essa situação trouxe aos profissionais de enfermagem assistenciais
muitas adequações nos processos de trabalho e enormes desafios
para todos da equipe, a partir desse cenário, devemos propiciar um
ambiente adequado, com instituição de novos protocolos e orientações
visando sempre à melhor assistência para o paciente (10).

Conclusão

O presente relato aponta os inúmeros desafios estruturais, materiais,
de recursos humanos e assistenciais vivenciados pelos enfermeiros no
cuidado ao paciente com Covid-19 grave.

Diante dessa experiência, espera-se que os enfermeiros estejam atentos
às respostas dos pacientes, respaldem suas ações em protocolos
assistenciais e evidências científicas e fortaleçam as relações humanas
com a equipe e o paciente.

Estudos metodológicos, prospectivos e experimentais sobre a saúde
mental dos profissionais da saúde durante e após a pandemia podem
lançar luz sobre a complexidade do acolhimento e do cuidado que
precisa ser dispensado a esses indivíduos a fim de recuperar a saúde.

Pautas como piso salarial, jornada de 30 horas semanais e melhores
condições de trabalho, que poderiam favorecer a qualidade de vida
e sentimento de valorização da equipe, seguem em debate.

Espera-se, com esse artigo dar, visibilidade ao trabalho da equipe de
enfermagem durante um período tão desafiante e lançar luz sobre
a necessidade de implementar cuidados aos profissionais.

Texto revisado por : Dr. Luiz Felipe de Oliveira Costa – Médico Psiquiatra,
Coordenador da equipe de retaguarda e Ambulatório do Hospital Sepaco.


Referências bibliográficas

  1. Portugal JKA et al. Percepção do impacto emocional da equipe de
    enfermagem diante da pandemia de covid-19: relato de experiência.
    Revista eletrônica acervo saúde. 2020;46:E3794-e3794.
  2. De Humerez DC, Ohl RIB, Da Silva MCN. Saúde mental dos
    profissionais de enfermagem do Brasil no contexto da pandemia
    covid-19: ação do conselho federal de enfermagem. Cogitare
    enfermagem. 2020;25.
  3. Acioli DMN et al. Impactos da pandemia de covid-19 para a saúde
    de enfermeiros [impacts of the covid-19 pandemic on nurses’ health]
    [impactos de la pandemia de covid-19 em la salud de enfermeros].
    Revista enfermagem Uerj. 2022;30(1):63904.
  4. Duarte MLC, Silva DG, Bagatini MMC. Enfermagem e saúde mental:
    uma reflexão em meio à pandemia de coronavírus. Revista gaúcha
    de enfermagem. 2020;42.
  5. Ramos-Toescher AM et al. Saúde mental de profissionais de
    enfermagem durante a pandemia de covid-19: recu rsos de
    apoio. Escola Anna Nery. 2020;24.
  6. Souza NVDO et al. Trabalho de enfermagem na pandemia da
    covid-19 e repercussões para a saúde mental dos trabalhadores.
    Revista gaúcha de enfermagem. 2021;42.
  7. Souza N, Carvalho EC, Soares SSS, Varella TCMML, Pereira SRM,
    Andrade KBS. Trabalho de enfermagem na pandemia da covid-19
    e repercussões para a saúde mental dos trabalhadores. Revista
    gaúcha de enfermagem. 2021;42(esp):e20200225.
  8. Dantas ESO. Saúde mental dos profissionais de saúde no Brasil
    no contexto da pandemia por covid-19. Interface-comunicação,
    saúde, educação. 2021;25.
  9. Nunes MR. A atuação do enfermeiro em unidade de terapia
    intensiva na pandemia de covid-19: relato de experiência. Revista
    eletrônica acervo saúde. 2020;12(11):E4935-e4935.
  10. Ribeiro JF et al. Profissionais de enfermagem na uti e seu
    protagonismo na pandemia: legados da covid-19. Revista
    de enfermagem contemporânea. 2022;10(2):347-365.

Sobre os autores