Relato de Experiência: boas práticas no atendimento ao paciente cirúrgico no cenário de pandemia do novo coronavírus (SARS-Cov-2)
Eliane Clara Constante
Enfermeira Líder – Centro Cirúrgico
Ellen Reis Santana
Enfermeira – Centro Cirúrgico
Mércia Liberato Guedes
Gerente de Unidades Cirúrgicas
Mônica Alves Dias
Enfermeira Líder – Centro Cirúrgico
Resumo
Objetivo: descrever boas práticas no atendimento ao paciente cirúrgico no cenário de pandemia do novo coronavírus. Método: Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência, realizado no centro cirúrgico do Hospital SEPACO. Resultados: Este trabalho resultou na descrição do protocolo de atendimento ao paciente cirúrgico com infecção suspeita ou confirmada de COVID-19, seguindo as diretrizes baseadas nas evidências disponíveis até o momento. Conclusão: A padronização das diretrizes institucionais, através de protocolos e fluxos bem definidos para o atendimento ao paciente cirúrgico no cenário de pandemia do novo coronavírus, resultou em uma prática segura à medida em que os profissionais foram sendo treinados, com menor probabilidade de contaminação pela utilização correta dos EPIs, aumentando a segurança e confiabilidade dos profissionais que estão em linha de frente e conseguir preparar equipes para situações inesperadas.
Introdução
O cenário de pandemia do novo coronavírus trouxe muitas mudanças no mundo e grande impacto na área da saúde. Lidar com uma doença nova demonstrou um grande desafio na busca incessante por conhecimento, sendo fundamental a mobilização dos órgãos responsáveis pelas políticas de saúde pública, ensino e pesquisas, associações e sociedades de classe para o desenvolvimento de ações para conter a disseminação da infecção (1,2).
O novo coronavírus denominado de SARS-CoV-2 é um vírus que causa uma síndrome respiratória aguda grave que foi detectada pela primeira vez em dezembro de 2019 em Wuhan, na China. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em janeiro de 2020, declarou como um surto e em março de 2020 foi caracterizada como uma pandemia. Entre a descoberta do COVID-19 e o período atual, a pandemia resultou em um enorme impacto no sistema de saúde, econômico, social e no alto número de mortes (3-5).
Diante disso, as instituições de saúde tiveram que se reinventar e planejar novas estratégias de trabalho de acordo com as recomendações publicadas até o momento. Dentre elas, a restrição de procedimentos cirúrgicos eletivos foi uma importante ação para conter a disseminação do vírus e manter leitos hospitalares desocupados para o atendimento de casos mais graves. Assim como o desenvolvimento de fluxos de atendimento e treinamento das equipes sobre as medidas de prevenção de infecção e na utilização correta dos EPIs em cirurgias de urgências e emergências (6,7).
Vale ressaltar que o SARS-CoV-2 é transmitido através do contato com gotículas e aerossóis, apresenta estabilidade em superfícies, pode permanecer ativo em aerossóis por horas e possui alto poder de disseminação. Além disso, no centro cirúrgico, existem procedimentos rotineiros e específicos formadores de aerossóis, como a manipulação de vias aéreas, broncoscopias, cirurgias de tórax, abdominais e laparoscopias (5,6).
Com isso, inevitavelmente os profissionais da saúde se tornam mais suscetíveis ao risco de contrair a infecção e demonstram sentimento de insegurança, incerteza, ansiedade e medo relacionados aos riscos de contraírem a infecção, das complicações da doença, de transmitir para seus familiares e da morte (7,8).
Assim, o trabalho proposto teve como objetivo descrever boas práticas no atendimento ao paciente cirúrgico no cenário de pandemia do novo coronavírus, visando estabelecer e padronizar os procedimentos para organização do centro cirúrgico e centro obstétrico para o atendimento de pacientes com infecção suspeita ou confirmada de COVID-19.
É importante enfatizar que as recomendações e ações descritas até o momento estão em constante evolução e devem ser revisadas conforme novas evidências surgirem, como forma de garantir a segurança para os pacientes e colaboradores e assegurar a qualidade na assistência prestada.
Método
Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência, realizado no centro cirúrgico do hospital Sepaco, onde foram planejadas ações preventivas e definição de fluxos de atendimento no cenário de pandemia COVID-19 através de uma reunião presencial composta por membros da diretoria, serviço de controle de infecção hospitalar e centro cirúrgico.
Em seguida, foi realizado o levantamento e aquisição dos recursos necessários, dimensionamento de salas operatórias específicas para o atendimento de pacientes com infecção suspeita ou confirmada de COVID-19, descrição de fluxos de atendimento e elaboração do protocolo pautado em literatura atual.
Também foi realizado o treinamento das equipes, com conteúdos on-line disponibilizados continuamente na plataforma Conecta Sepaco e presencial com simulação de higienização das mãos, utilização adequada sobre o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e realização correta da paramentação e desparamentação.
Resultados
Em virtude da pandemia do COVID-19, no período de março a julho de 2020 houve uma mudança no perfil epidemiológico do centro cirúrgico, tendo como consequências a queda significativa do número de cirurgias eletivas e aumento dos procedimentos realizados em caráter de urgência e emergência, conforme mostra a figura 1.

Figura 1: Indicador de caráter de atendimento
Na figura 2, podemos observar um aumento nos casos suspeitos, que são pacientes que apresentaram alguns sintomas gripais e um menor número de casos confirmados, porém, tanto os casos confirmados como suspeitos tiveram os protocolos abertos.

Figura 2: Casos COVID-19 – Suspeitos x Confirmados
Na figura 3, foram demonstradas as especialidades cirúrgicas afetadas no período, sendo em primeiro lugar a obstetrícia, seguida da geral, tórax e outras. Para o acolhimento desses casos foi definida uma sala exclusiva para o atendimento da obstetrícia e outra sala para o atendimento das demais especialidades.

Figura 3: Casos confirmados – COVID-19 x Especialidade
Orientações para montagem de sala
• Definição de salas operatórias (S0) exclusivas para pacientes suspeitos ou confirmados com COVID-19 sala A e sala G a fim de otimizar recursos humanos e equipamentos de proteção (5,6);
• Recomenda-se desligar o equipamento de ar condicionado da sala cirúrgica durante a realização de procedimento potencialmente geradores de aerossóis (pressão neutra) (5,6);
• Restringir o quantitativo de pessoal em SO durante a intubação orotraqueal. Os demais membros da equipe devem retornar a SO quando a equipe de anestesiologia tenha uma via aérea segura e adaptada ao aparelho de anestesia em sistema fechado (5,6,9);
• O acesso às vias aéreas é um momento crítico de dispersão viral. A equipe cirúrgica deve estar paramentada e fora da SO, para assim que terminar a intubação, o ato operatório possa ser iniciado sem atraso (5,6);
• Durante a intubação ou extubação traqueal, a equipe cirúrgica não deverá permanecer na SO ou, nesta impossibilidade, deve se manter afastada do paciente (5,6);
• Somente os profissionais considerados essenciais devem participar do procedimento cirúrgico e, a menos que haja emergência, não deve haver troca de profissionais da SO durante os procedimentos (5,6,10);
• Para evitar a saída do profissional circulante da SO durante o procedimento, recomenda-se disponibilizar um profissional da equipe fora da SO para providenciar materiais, equipamentos e insumos que sejam essenciais para o ato anestésico-cirúrgico (5,6,9);
• Reforçar as orientações de que os objetos pessoais (bolsas, carteira, chaves etc) não devem ser levados ao ambiente cirúrgico, com objetivo de minimizar a chance de levar contaminação ao centro cirúrgico, bem como de contaminar tais objetos e torná-los fômites fora do ambiente hospitalar (5,6);
• Salas com pressão negativa, salas com portas fechadas, com acesso de pessoal e material limitados (5,6,8);
• Aparelho de anestesia será protegido por um material plástico transparente que evita o acúmulo de secreções e sangue, na superfície da mesa de trabalho, botões de controle de fluxo, telas de monitores e outros componentes (5,6);
• No entanto, essa capa deve ser trocada a cada paciente, bem como as superfícies do equipamento devem ser limpas e desinfetadas (5,6);
• Tubos corrugados e conectores devem ser trocados a cada paciente (5,6,8);
• Os circuitos ventilatórios devem ser protegidos com filtros viral/bacteriano e tipo HMEF (um filtro tipo HMEF conectado entre o tubo traqueal e o conector Y dos tubos corrugados do aparelho de anestesia, um filtro bacteriano/viral conectado no ramo inspiratório e um filtro bacteriano/viral HEPA conectado no ramo expiratório (5,6);
• Quando o paciente vier em ventilação mecânica, será utilizado o mesmo filtro de entrada (5,6);
• Após o término de cada procedimento cirúrgico, é obrigatória a limpeza utilizando sabão e água, seguida por desinfecção das superfícies utilizando Desinfec Vital (quaternário de amônio). Ao final do dia, deverá ser realizado limpeza terminal (5,6);
• Não é necessário tempo de espera para reutilizar a sala após a limpeza (5,6);
• É recomendável que a quantidade de anestésicos e medicamentos sejam dimensionados para cada evento cirúrgico (5,6,10);
• Se utilizar a maleta, proceder à limpeza e desinfecção internamente e externamente (5,6);
• No transporte do paciente, realizar a troca do avental e luvas (5,6,9);
• No transporte de pacientes com ventilação mecânica, será utilizado o ventilador de transporte com filtro HEPA (5,6,10);
• Ventilação mecânica: alguns ventiladores micro processados têm filtros expiratórios N99 ou N100, com grande poder de filtragem dos aerossóis, no entanto, se o equipamento não dispuser desta tecnologia, adequar adaptando um filtro expiratório apropriado (5,6,10);
• Checar filtros expiratórios em uso.
Orientação de paramentação
Na parte externa da SO, realizar a identificação (figura 4) logo na entrada; deve ser organizada uma estação limpa de forma que seja colocada uma mesa de apoio com os seguintes equipamentos de proteção individual (EPI): avental comum de tecido (não estéril), avental impermeável, gorro, luva de procedimento (para colocação de máscara N95 reutilizada), proteção de pés “botinha” e coletor de resíduos infectantes.

Tabela 1: Descrição de EPI para equipe cirúrgica e anestésica

Sequência para colocação de EPIs
Antes de entrar na SO (estação limpa):
• Higiene das mãos;
• Avental comum não estéril
(ou avental impermeável + protetor de pés + higiene de mãos);
• Máscara N95 ou PFF2;
• Óculos de proteção:
• Gorro.
Ao entrar na SO:
• Higiene de mãos;
• Luvas.
Nota
Utilizar avental impermeável e proteção para os pés nos procedimentos cirúrgicos (laparotomia, RTU, curetagens, parto cesáreo) com derramamento de líquidos como: fluidos biológicos, irrigações e drenagens.
Cirurgias ou procedimentos com potencial de risco para aerossolização com partículas infectantes: intubação orotraqueal, cirurgias de cavidade oral, laringe e tórax, cirurgias abdominais abertas ou laparoscópicas. Observação: importante ressaltar que os conhecimentos disponíveis até o momento sobre a possibilidade de aerossolização são escassos e essa classificação foi realizada com embasamento na opinião de especialistas (5,6).
Fluxo de atendimento

Orientação para desparamentação
Na parte externa da SO, logo na sua entrada, deve ser organizada uma estação “suja” de forma que seja colocado uma mesa de apoio com uma bandeja para a colocação do material contaminado como óculos de proteção e máscara facial.
Sequência para retirada dos EPIs
Antes de sair da SO:
• Protetor de pés;
• Luvas;
• Higienizar as mãos;
• Aventais;
• Higienizar as mãos.
Após sair da SO:
• Gorro;
• Higienizar as mãos;
• Óculos ou protetor facial (realizar limpeza conforme técnica);
• Higienizar as mãos;
• Máscara N95/PFF2 (realizar a retirada e guarda conforme técnica).
Nota
Para o transporte do paciente da SO ao local de internação, o profissional deverá trocar avental e luvas, demais EPIs devem ser mantidos até que a ação tenha sido concluída; e o profissional tenha acessado local adequado para a desparamentação, dentro do centro cirúrgico (5,6).
Conclusão
A padronização das diretrizes institucionais, através de protocolos e fluxos bem definidos para o atendimento ao paciente cirúrgico no cenário de pandemia do novo coronavírus, resultou em uma prática segura à medida que os profissionais foram sendo treinados, com menor probabilidade de contaminação pela utilização correta dos EPIs, aumentou a segurança e confiabilidade dos profissionais que estão em linha de frente e preparou equipes para situações inesperadas.
Referências bibliográficas
- American College of Sugeons (ACS). COVID-19: Considerations for Optimum Surgeon Protection Before, During, and After Operation. 2020a. Disponível em: https://www.facs.org/covid-19/clinical-guidance/surgeon-protection.
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- NOTA TÉCNICA GVIMS/GGTES/ANVISA No 04/2020 – REVISADA EM 08/05/2020 [Internet]. [citado 7 de outubro de 2020]. Disponível em: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/alertas/item/nota-tecnica.
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