A importância de reconhecer os sinais e sintomas do autismo

Tempo de leitura: 11 minutos

Dra. Silvana Krüger Frizzo
Coordenadora Médica da Equipe de
Neuropediatria do Hospital Sepaco

Introdução
O autismo, ou transtorno do espectro
autista (TEA), é um transtorno do
desenvolvimento heterogêneo e
altamente hereditário que tem
características cognitivas subjacentes
e, comumente, ocorre associado a
outras condições. Ele é definido
pelo comprometimento de dois
domínios centrais do desenvolvimento:
1) dificuldades na comunicação
e interação social e 2) padrões
repetitivos e restritos de
comportamento, interesses
ou atividades que variam de
indivíduo para indivíduo em
um continuum de gravidade (1, 2, 3).

O diagnóstico pode ser realizado
precocemente, a partir dos 18 meses,
pois é ao redor dessa idade que os
sintomas característicos do TEA
podem ser distinguidos do que é
esperado no desenvolvimento normal
e de sinais e sintomas de outros
atrasos do desenvolvimento (1, 2).
As manifestações clínicas do transtorno
do espectro autista incluem prejuízos
na comunicação e interação social,
alterações sensoriais, comportamentos
repetitivos, e graus variáveis de deficiência
intelectual. Junto com esses sintomas
centrais, comorbidades psiquiátricas e
neurológicas são comuns, como transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH), ansiedade, depressão e epilepsia (3).

Prevalência
Recentemente, a comunidade internacional
tem testemunhado um aumento enorme
na conscientização e nas medidas de
saúde pública para o autismo.
O reconhecimento precoce tem
contribuído para o aumento na
prevalência ao longo dos anos. Um estudo
britânico indicou que a prevalência estimada
de 0.51% na população é menor que
o sugerido por pesquisas populacionais
e estudos de coorte. O número de novos
diagnósticos de autismo sofreu um aumento
maior que 150%, de 2008 a 2016, com
uma tendência de um número maior de
diagnósticos em pessoas acima de 35 anos.
Houve também, um aumento de 8 vezes
no diagnóstico em mulheres,
no período de 2000 a 2016 (4).
Esse estudo reporta que, em 2001,
a incidência anual era de 0.188/1000
pessoas, e subiu para 0.644/1000
pessoas, em 2016, o que corresponde
a um aumento de 3,4 vezes (4).

Diagnóstico e triagem
O diagnóstico do transtorno do espectro
autista é realizado com base na
apresentação comportamental, ou seja,
um conjunto de características centrais
presentes no relato dos pais e cuidadores
e na observação durante a consulta.

Para auxiliar o diagnóstico, entrevistas
estruturadas e escalas podem ser utilizadas.
As escalas Autism Diagnostic Interview-Revised
(ADI-R) e Autism Diagnostic Observation
Schedule-2nd Edition (ADOS-2) estão
validadas e são os melhores instrumentos
de avaliação no momento, mas, o padrão
outro continua sendo a avaliação
clínica de um profissional experiente (3).

Não há a indicação de realizar exames
complementares como eletroencefalograma
(EEG) nem exames de imagem como
ressonância de encéfalo ou tomografia
de crânio (3).

A identificação precoce é uma ferramenta
importante, pois quanto antes se inicia
as intervenções, melhor o prognóstico.
As escalas M-CHAT (Modified Checklist
for Autism in Toddlers) e a ESAT
(Early Screening of Autistic Traits),
são respondidas pelos pais e permitem
a triagem de risco para desenvolver
o autismo em crianças entre 14 e 24 meses (3).

O diagnóstico e a triagem em adultos
constituem um desafio, pois a maioria
dos instrumentos de avalição foi desenvolvida
para a faixa etária pediátrica. Desta forma,
os profissionais se baseiam nas informações
da infância desses indivíduos, que nem
sempre são facilmente obtidas. A escala
ADOS Modulo 4 tem sido utilizada em
adultos, tem se sugerido ampliação na
avaliação psicopatológica de adultos,
para incluir não apenas depressão,
ansiedade e psicose, mas também os
sinais e sintomas de autismo (3).

Para o diagnóstico, o reconhecimento dos
sinais de alerta é fundamental. A seguir,
alguns exemplos de comprometimento do
desenvolvimento da comunicação
social nos primeiros anos de vida que
são sinais de alerta (2):

  1. Ausência de vocalização aos 6 meses de vida;
  2. Ausência de balbucio de sílabas com
    consoantes aos 12 meses de idade
    (por exemplo, “papá” “mamã”);
  3. Ausência de comunicação por gestos
    aos 12 meses de idade (por exemplo,
    a criança não aponta para um objeto
    desejado nem olha para o indicador
    de outra pessoa);
  4. A fala não inclui palavras simples,
    além de “mamã” e “papá”, ditas
    espontaneamente aos 16 meses de idade;
  5. A fala não inclui frases de duas palavras
    aos 24 meses de idade ou de três ou
    mais palavras aos 36 meses de idade;
  6. Regressão ou estagnação dos marcos
    do desenvolvimento a partir da perda
    de habilidades da comunicação verbal
    e não verbal (2).

    Não dar tchau nem mandar beijo, não
    olhar ao chamado do próprio nome,
    nem compartilhar interesses (mostrar
    algo que encontrou para os pais)
    também são sinais de alerta.

    O padrão de comportamento, de interesses
    ou de atividades restritos e repetitivos
    também devem estar presentes e
    podem se manifestar como (2):
  1. Discurso repetitivo comum ou a repetição
    de perguntas feitas ao indivíduo
    (ecolalia) – pode ser imediata ou após
    a criança ter ouvido uma frase de televisão
    ou ter memorizado alguma conversa.
  2. Movimentos estereotipados, que ocorrem
    sempre que a criança está empolgada
    ou chateada, como: sacudir as mãos,
    bater palmas, correr sem um objetivo,
    balançar o tronco, pedalar, ranger os
    dentes, andar na ponta dos pés,
    assumir posturas desconfortáveis
    e estranhas, repetir ações como
    abrir e fechar a porta ou acender
    e apagar a luz, etc.
  3. Reação exagerada ou diminuída à
    dor ou temperatura.
  4. Interesse intenso por alguns estímulos
    ao redor, como luzes, padrões e
    movimentos.
  5. Rigidez extrema ou ritual relacionados
    com cheiros, texturas e aparência da
    comida são comuns e podem
    causar restrição alimentar excessiva.

    Esses sintomas, usualmente, são percebidos
    no primeiro ano de vida, mas existe
    a possibilidade de um desenvolvimento
    normal até 12-18 meses de idade, seguido
    de regressão da linguagem e/ou das
    habilidades sociais, o que ocorre em até
    30% dos casos. 2 O mais típico é
    acontecer uma parada no desenvolvimento
    após os 6 meses de idade, como
    um platô, ou ocorrer a desaceleração
    do desenvolvimento acompanhado
    de alguma perda das habilidades
    na comunicação social, como a
    atenção conjunta, afeto compartilhado
    e uso da linguagem (4).

    Tratamento
    A intervenção precoce é uma prioridade,
    pois as crianças pequenas com TEA têm
    muita dificuldade para se comunicar
    e interagir com outros, restringindo
    as oportunidades de aprender
    e impactando o relacionamento
    com os pais.
    Os resultados das intervenções
    mudarão a aptidão para aprender
    e aumentará a compreensão dos
    pais sobre como lidar com determinados
    comportamentos. Supõe-se que
    as intervenções na idade pré-escolar,
    em que existe uma maior plasticidade
    cerebral, trarão benefícios adicionais,
    mas essa teoria ainda não foi
    empiricamente embasada (3).

    A maioria das intervenções baseia-se
    na Análise do Comportamento
    Aplicada (Applied Behavioural
    Analysis, ABA). Entretanto, as estratégias
    e tarefas vêm assumindo um
    aspecto mais natural, iniciadas
    pelas crianças, ao invés de apenas
    depender de respostas a estímulos
    repetitivos determinados
    pelo terapeuta.

    Existe, também uma variação nos
    modelos de intervenção no que
    tange ao método de aplicação
    (mediado pelos pais X implementada
    pela terapeuta), duração (12 semanas
    X programas de 2 anos), intensidade
    (algumas horas por semana a 15 horas
    semanais) e o equilíbrio entre os
    componentes do desenvolvimento
    global versus comportamental (3).

    Muitos pais procuram terapias alterativas
    que ainda não foram amparadas
    cientificamente e que podem
    ser pe­rigosas (3).

    É importante ressaltar que, apesar da
    diferença entre as terapias aplicadas,
    a melhora individual é muito va­riável,
    e algumas crianças não evoluem,
    mesmo com as melhores intervenções.
    Como o autismo é uma condi­ção
    heterogênea, diferentes intervenções
    podem ser necessárias em diferentes
    etapas da vida, e diferentes indivíduos
    podem se beneficiar de diferentes tipos
    de intervenções (3).

    Crianças em idade escolar e adolescentes
    podem se beneficiar de programas e
    abordagens que focam nas dificuldades
    na comunicação social, como por
    exemplo, programas de treinamento
    de habilidades sociais. Para crianças
    não verbais, os sistemas de comunicação
    alternativa como o PECS – Picture
    Exchange Communication System,
    ou aplicativos que usam símbolos
    para gerar linguagem, possibilitam
    pedidos e escolhas (3).

    Conforme vão entrando na vida adulta,
    o foco da terapia muda do tratamento
    dos sintomas centrais do autismo
    para abordagem de sintomas ou
    comportamentos associados, de forma
    a promover independência. Entretanto,
    existem poucos estudos intervencionais
    para guiar as opções terapêuticas em
    adultos.

    As medicações são utilizadas mais para
    tratar os sintomas associados ou
    comorbidades, como TDAH, do que
    os sintomas centrais do autismo
    (como os prejuízos na comunicação
    e interação social ou comportamento
    repetitivo) (3). A risperidona e o
    aripiprazol (ambos ‘antipsicóticos
    atípicos’) são utilizados para tratar
    agressividade, irritabilidade e agitação.
    Para as comorbidades como o TDAH,
    metilfenidato, clonidina e guanfacina
    podem ser utilizados (3).

    Conclusão
    O aumento no reconhecimento dos
    sinais e sintomas do autismo levou
    ao aumento na incidência e prevalência,
    entretanto, ainda estamos investigando
    outros fatores que poderiam estar
    associados a esse aumento
    expressivo do número de diagnósticos.
    Apesar do aumento do número de
    pesquisas e estudos no assunto,
    ainda existe uma grande distância
    entre ciência e aplicação clínica,
    e o número de estudos que tentam
    abordar de forma prática os problemas
    sobre as pessoas com autismo
    e suas famílias permanece pequeno (3).

    O acesso às terapias, a divulgação
    de informação cientificamente
    embasada e o treinamento parental
    são ferramentas importantes para
    melhorar a qualidade de vida das
    pessoas com autismo e de seus
    cuidadores.

Referências bibliográficas

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Sobre o autor

  • - Coordernadora Médica da Equipe de Neuropediatria do Hospital Sepaco
    - Especialista em Neurologia Infantil pela Associação Brasileira de Neurologia - ABN
    - Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
    - Residência em Neurologia Infantil no Hospital das Clínicas
    - Residência em Pediatria no Instituto da Criança
    - Médica pela Universidade de Santo Amaro (UNISA)