A importância de reconhecer os sinais e sintomas do autismo
Dra. Silvana Krüger Frizzo
Coordenadora Médica da Equipe de
Neuropediatria do Hospital Sepaco
Introdução
O autismo, ou transtorno do espectro
autista (TEA), é um transtorno do
desenvolvimento heterogêneo e
altamente hereditário que tem
características cognitivas subjacentes
e, comumente, ocorre associado a
outras condições. Ele é definido
pelo comprometimento de dois
domínios centrais do desenvolvimento:
1) dificuldades na comunicação
e interação social e 2) padrões
repetitivos e restritos de
comportamento, interesses
ou atividades que variam de
indivíduo para indivíduo em
um continuum de gravidade (1, 2, 3).
O diagnóstico pode ser realizado
precocemente, a partir dos 18 meses,
pois é ao redor dessa idade que os
sintomas característicos do TEA
podem ser distinguidos do que é
esperado no desenvolvimento normal
e de sinais e sintomas de outros
atrasos do desenvolvimento (1, 2).
As manifestações clínicas do transtorno
do espectro autista incluem prejuízos
na comunicação e interação social,
alterações sensoriais, comportamentos
repetitivos, e graus variáveis de deficiência
intelectual. Junto com esses sintomas
centrais, comorbidades psiquiátricas e
neurológicas são comuns, como transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH), ansiedade, depressão e epilepsia (3).
Prevalência
Recentemente, a comunidade internacional
tem testemunhado um aumento enorme
na conscientização e nas medidas de
saúde pública para o autismo.
O reconhecimento precoce tem
contribuído para o aumento na
prevalência ao longo dos anos. Um estudo
britânico indicou que a prevalência estimada
de 0.51% na população é menor que
o sugerido por pesquisas populacionais
e estudos de coorte. O número de novos
diagnósticos de autismo sofreu um aumento
maior que 150%, de 2008 a 2016, com
uma tendência de um número maior de
diagnósticos em pessoas acima de 35 anos.
Houve também, um aumento de 8 vezes
no diagnóstico em mulheres,
no período de 2000 a 2016 (4).
Esse estudo reporta que, em 2001,
a incidência anual era de 0.188/1000
pessoas, e subiu para 0.644/1000
pessoas, em 2016, o que corresponde
a um aumento de 3,4 vezes (4).
Diagnóstico e triagem
O diagnóstico do transtorno do espectro
autista é realizado com base na
apresentação comportamental, ou seja,
um conjunto de características centrais
presentes no relato dos pais e cuidadores
e na observação durante a consulta.
Para auxiliar o diagnóstico, entrevistas
estruturadas e escalas podem ser utilizadas.
As escalas Autism Diagnostic Interview-Revised
(ADI-R) e Autism Diagnostic Observation
Schedule-2nd Edition (ADOS-2) estão
validadas e são os melhores instrumentos
de avaliação no momento, mas, o padrão
outro continua sendo a avaliação
clínica de um profissional experiente (3).
Não há a indicação de realizar exames
complementares como eletroencefalograma
(EEG) nem exames de imagem como
ressonância de encéfalo ou tomografia
de crânio (3).
A identificação precoce é uma ferramenta
importante, pois quanto antes se inicia
as intervenções, melhor o prognóstico.
As escalas M-CHAT (Modified Checklist
for Autism in Toddlers) e a ESAT
(Early Screening of Autistic Traits),
são respondidas pelos pais e permitem
a triagem de risco para desenvolver
o autismo em crianças entre 14 e 24 meses (3).
O diagnóstico e a triagem em adultos
constituem um desafio, pois a maioria
dos instrumentos de avalição foi desenvolvida
para a faixa etária pediátrica. Desta forma,
os profissionais se baseiam nas informações
da infância desses indivíduos, que nem
sempre são facilmente obtidas. A escala
ADOS Modulo 4 tem sido utilizada em
adultos, tem se sugerido ampliação na
avaliação psicopatológica de adultos,
para incluir não apenas depressão,
ansiedade e psicose, mas também os
sinais e sintomas de autismo (3).
Para o diagnóstico, o reconhecimento dos
sinais de alerta é fundamental. A seguir,
alguns exemplos de comprometimento do
desenvolvimento da comunicação
social nos primeiros anos de vida que
são sinais de alerta (2):
- Ausência de vocalização aos 6 meses de vida;
- Ausência de balbucio de sílabas com
consoantes aos 12 meses de idade
(por exemplo, “papá” “mamã”); - Ausência de comunicação por gestos
aos 12 meses de idade (por exemplo,
a criança não aponta para um objeto
desejado nem olha para o indicador
de outra pessoa); - A fala não inclui palavras simples,
além de “mamã” e “papá”, ditas
espontaneamente aos 16 meses de idade; - A fala não inclui frases de duas palavras
aos 24 meses de idade ou de três ou
mais palavras aos 36 meses de idade; - Regressão ou estagnação dos marcos
do desenvolvimento a partir da perda
de habilidades da comunicação verbal
e não verbal (2).
Não dar tchau nem mandar beijo, não
olhar ao chamado do próprio nome,
nem compartilhar interesses (mostrar
algo que encontrou para os pais)
também são sinais de alerta.
O padrão de comportamento, de interesses
ou de atividades restritos e repetitivos
também devem estar presentes e
podem se manifestar como (2):
- Discurso repetitivo comum ou a repetição
de perguntas feitas ao indivíduo
(ecolalia) – pode ser imediata ou após
a criança ter ouvido uma frase de televisão
ou ter memorizado alguma conversa. - Movimentos estereotipados, que ocorrem
sempre que a criança está empolgada
ou chateada, como: sacudir as mãos,
bater palmas, correr sem um objetivo,
balançar o tronco, pedalar, ranger os
dentes, andar na ponta dos pés,
assumir posturas desconfortáveis
e estranhas, repetir ações como
abrir e fechar a porta ou acender
e apagar a luz, etc. - Reação exagerada ou diminuída à
dor ou temperatura. - Interesse intenso por alguns estímulos
ao redor, como luzes, padrões e
movimentos. - Rigidez extrema ou ritual relacionados
com cheiros, texturas e aparência da
comida são comuns e podem
causar restrição alimentar excessiva.
Esses sintomas, usualmente, são percebidos
no primeiro ano de vida, mas existe
a possibilidade de um desenvolvimento
normal até 12-18 meses de idade, seguido
de regressão da linguagem e/ou das
habilidades sociais, o que ocorre em até
30% dos casos. 2 O mais típico é
acontecer uma parada no desenvolvimento
após os 6 meses de idade, como
um platô, ou ocorrer a desaceleração
do desenvolvimento acompanhado
de alguma perda das habilidades
na comunicação social, como a
atenção conjunta, afeto compartilhado
e uso da linguagem (4).
Tratamento
A intervenção precoce é uma prioridade,
pois as crianças pequenas com TEA têm
muita dificuldade para se comunicar
e interagir com outros, restringindo
as oportunidades de aprender
e impactando o relacionamento
com os pais.
Os resultados das intervenções
mudarão a aptidão para aprender
e aumentará a compreensão dos
pais sobre como lidar com determinados
comportamentos. Supõe-se que
as intervenções na idade pré-escolar,
em que existe uma maior plasticidade
cerebral, trarão benefícios adicionais,
mas essa teoria ainda não foi
empiricamente embasada (3).
A maioria das intervenções baseia-se
na Análise do Comportamento
Aplicada (Applied Behavioural
Analysis, ABA). Entretanto, as estratégias
e tarefas vêm assumindo um
aspecto mais natural, iniciadas
pelas crianças, ao invés de apenas
depender de respostas a estímulos
repetitivos determinados
pelo terapeuta.
Existe, também uma variação nos
modelos de intervenção no que
tange ao método de aplicação
(mediado pelos pais X implementada
pela terapeuta), duração (12 semanas
X programas de 2 anos), intensidade
(algumas horas por semana a 15 horas
semanais) e o equilíbrio entre os
componentes do desenvolvimento
global versus comportamental (3).
Muitos pais procuram terapias alterativas
que ainda não foram amparadas
cientificamente e que podem
ser perigosas (3).
É importante ressaltar que, apesar da
diferença entre as terapias aplicadas,
a melhora individual é muito variável,
e algumas crianças não evoluem,
mesmo com as melhores intervenções.
Como o autismo é uma condição
heterogênea, diferentes intervenções
podem ser necessárias em diferentes
etapas da vida, e diferentes indivíduos
podem se beneficiar de diferentes tipos
de intervenções (3).
Crianças em idade escolar e adolescentes
podem se beneficiar de programas e
abordagens que focam nas dificuldades
na comunicação social, como por
exemplo, programas de treinamento
de habilidades sociais. Para crianças
não verbais, os sistemas de comunicação
alternativa como o PECS – Picture
Exchange Communication System,
ou aplicativos que usam símbolos
para gerar linguagem, possibilitam
pedidos e escolhas (3).
Conforme vão entrando na vida adulta,
o foco da terapia muda do tratamento
dos sintomas centrais do autismo
para abordagem de sintomas ou
comportamentos associados, de forma
a promover independência. Entretanto,
existem poucos estudos intervencionais
para guiar as opções terapêuticas em
adultos.
As medicações são utilizadas mais para
tratar os sintomas associados ou
comorbidades, como TDAH, do que
os sintomas centrais do autismo
(como os prejuízos na comunicação
e interação social ou comportamento
repetitivo) (3). A risperidona e o
aripiprazol (ambos ‘antipsicóticos
atípicos’) são utilizados para tratar
agressividade, irritabilidade e agitação.
Para as comorbidades como o TDAH,
metilfenidato, clonidina e guanfacina
podem ser utilizados (3).
Conclusão
O aumento no reconhecimento dos
sinais e sintomas do autismo levou
ao aumento na incidência e prevalência,
entretanto, ainda estamos investigando
outros fatores que poderiam estar
associados a esse aumento
expressivo do número de diagnósticos.
Apesar do aumento do número de
pesquisas e estudos no assunto,
ainda existe uma grande distância
entre ciência e aplicação clínica,
e o número de estudos que tentam
abordar de forma prática os problemas
sobre as pessoas com autismo
e suas famílias permanece pequeno (3).
O acesso às terapias, a divulgação
de informação cientificamente
embasada e o treinamento parental
são ferramentas importantes para
melhorar a qualidade de vida das
pessoas com autismo e de seus
cuidadores.
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