A jornada do neurodesenvolvimento

Tempo de leitura: 4 minutos

Ana Luiza Pereira Câmara Araújo
Coordenadora da equipe de
Neuropediatria do Hospital e Maternidade Sepaco

O neurodesenvolvimento abrange a
maturação cerebral e a formação de
conexões neuronais associadas aos
progressos graduais em diferentes
aspectos da vida de um indivíduo.
Esse processo tem início antes do
nascimento e é fortemente influenciado
pela carga genética individual e por
diversas condições ambientais.
O cérebro em desenvolvimento
é suscetível a estímulos e insultos
desde o período embrionário,
podendo resultar em facilitadores
ou obstáculos à aquisição de
habilidades. O rápido crescimento
e o desenvolvimento cerebral
após o nascimento ocorrem
principalmente nos primeiros
seis anos de vida de uma criança.

Nesse contexto, os potenciais biológico
e genético se somam às exposições
ambientais, tornando cada indivíduo
único, apto a trilhar a sua própria
jornada. Entre as influências benéficas
para o desenvolvimento infantil,
destacam-se as brincadeiras adequadas
para cada fase, a manutenção de
uma boa qualidade de sono
(momento crucial para consolidar
aprendizados) e a oferta de alimentos
saudáveis. Em contrapartida, a exposição
a álcool e drogas durante a gestação,
o tempo excessivo de exposição a
telas na infância, a desnutrição e
a falta de estímulos sensoriais e
lúdicos podem ser prejudiciais.

A avaliação do neurodesenvolvimento
de uma criança abrange diversos
aspectos, como comportamento
adaptativo, desenvolvimento motor
grosseiro e fino, linguagem e
pessoal-social. Esses marcos ocorrem
progressivamente na maioria das
crianças, seguindo uma ordem
específica que deverá ser verificada
pelos pediatras durante os
acompanhamentos. Os cuidadores
também podem acompanhar
o progresso por meio de
gráficos e tabelas disponíveis
na carteirinha de saúde da criança,
fornecida pelo Ministério da Saúde,
ou em guias como o CDC
(Centers for Disease Control and Prevention).

Quando há atraso ou desvio nos
marcos de desenvolvimento
neurológico, podemos estar
diante de um transtorno do
neurodesenvolvimento. Esses
transtornos têm uma alta
prevalência na população infantil,
estimando-se que afetem de
1% a 3% das crianças menores
de 5 anos. Manifestam-se precocemente
e podem acarretar prejuízos
em diversos aspectos do cotidiano,
incluindo comportamento, emoções,
interações sociais, aprendizado
e autonomia.

Os transtornos do neurodesenvolvimento
englobam seis grupos de condições,
cada um com particularidades para
diagnóstico e acompanhamento,
exigindo colaboração entre família,
escola, pediatra e neuropediatra.
Tais condições incluem o transtorno
do espectro do autismo, o transtorno
do desenvolvimento intelectual,
os transtornos de aprendizagem,
os transtornos de linguagem, o
transtorno do déficit de atenção
e hiperatividade e o transtorno
do desenvolvimento motor. Diante
de suspeitas de atrasos no
neurodesenvolvimento, é fundamental
comunicar ao pediatra, que poderá
orientar investigações adicionais
conforme necessário. A identificação
precoce de atrasos ou transtornos
do neurodesenvolvimento possibilita
uma estimulação direcionada,
aproveitando o período de
maturação cerebral da criança.

Vale ressaltar que os marcos do
desenvolvimento podem variar
entre crianças, mas há limites para
tolerar a ausência de habilidades
específicas. Por exemplo, de acordo
com o Denver II, crianças podem
começar a andar entre 10 meses
e 1 ano e 3 meses, estando dentro
do padrão de normalidade.
Da mesma forma, é esperado que
as crianças já falem ao menos 3
palavras até 1 ano e 6 meses
e combinem palavras até 24 meses.
Variações nesses marcos devem ser
monitoradas individualmente. Assim,
estar atento ao desenvolvimento na
infância, proporcionar estímulos
ambientais positivos e agir precocemente
diante de alterações são cruciais para
que cada criança alcance seu máximo potencial.

Neurodesenvolvimento (Banco de Imagens – Freepik)

Referências bibliográficas

  • CDC (Centers for Disease Control and Prevention). https://www.cdc.gov/ncbddd/actearly/pdf/other-lang/Brazilian-Portuguese-Checklists_LTSAE-P.pdf.
  • Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5
  • Rodrigues, Marcelo Marusha – Vilanova, Luiz Celso Pereira. Tratado De Neurologia Infantil. Atheneu, 2016.
  • Swaiman’s Pediatric Neurology: Principles and Practice, 5th Edition, vols. 1, 2. Elsevier Saunders, 2012.

Sobre o autor

  • - Médica Neuropediatra no Hospital Sepaco
    - Fellow em neurogenética na USP-SP
    - Especialista em pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
    - Residência em neurologia infantil na USP-SP; Residência em pediatria na UNESP
    - Graduação em Medicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública