Assistência psicológica na neonatologia e vínculo familiar

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Carolina Menezes Marson
Psicóloga nas Equipes de Cuidado Paliativo Adulto e Pediátrico do Hospital Sepaco

O vínculo familiar é um dos principais fatores que influenciam na evolução do paciente e na minimização do sofrimento.. Foto: Freepik

Iniciar a construção desse texto para falar de um setor específico do hospital pede que se retome a própria história da Psicologia Hospitalar até chegarmos à Neonatologia. Neste sentido, vemos que o psicólogo adentra na cena hospitalar com Freud, no Hospital Salpetriére, estudando fenômenos que o discurso médico não podia explicar, apesar destes acontecerem no corpo das pacientes (somatização). A histeria, então, surge como a possibilidade de resgatar a subjetividade do paciente, então perdida no ambiente hospitalar, onde o corpo e a doença ganham espaço e o sujeito fica relegado a objeto, o objeto-doença. Contudo, como especialidade regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), a psicologia hospitalar, no Brasil, é recente, sendo apenas no ano de 2000 assim reconhecida.

Atualmente, psicólogos hospitalares adentram este espaço para ofertar escuta aos aspectos psicológicos em torno do adoecimento, tais aspectos estão relacionados a qualquer doença e em qualquer fase do desenvolvimento humano, pois a hospitalização sempre é um momento de ruptura na vida do sujeito, trazendo perdas e modificações não apenas em seu corpo, mas possivelmente em sua vida. Isto posto, vale lembrar que ao falamos do adoecimento, a família passa a ser envolvida neste processo, pois esta é extensão do paciente e muitas vezes adoece junto com ele.

Considerando o ambiente neonatal, vale lembrar tratar-se de uma unidade de terapia intensiva, permeada por intensidades de cuidado, situações agudas e geradores de estresse na família, que assiste as intercorrências e as vezes é parte delas. Além disso, vemos bebês graves, que assim que nascem já se deparam com a possibilidade de finitude ou de uma vida que será permeada por limitações importantes em seu desenvolvimento, por isso, atualmente, é muito comum paralelamente ao cuidado neonatal, o cuidado paliativo com o reconhecimento de que a dor e o desconforto podem afetar o recém-nascido e nem sempre o controle desses sintomas era tido como importante no cuidado destes bebês. Ainda numa unidade neonatal, depara-se com a separação física da mãe/da família com o bebê e esta é uma experiência precoce para todos os envolvidos, podendo ser traumática e geradora de sofrimento psíquico.

É neste sentido que a família vive uma situação de crise, sentimentos podem oscilar e geralmente a ambivalência está presente. É comum existir culpa, sentimentos de impotência, medo, sintomas depressivos, que podem perdurar por longos períodos da internação, nestas famílias. Pensando nelas, o psicólogo em neonatologia, pode oferecer espaço de escuta e suporte emocional, ajudando na elaboração dessa vivência traumática e auxiliando na construção de estratégias de enfrentamento diante do quadro clínico do bebê.

Ainda hoje, muitos profissionais, ainda consideram pouco intensa a perda de um bebê neste período, entendendo como não dolorosa, acreditando que este vínculo ainda é pequeno, contudo, quando um casal espera uma criança, constroem-se expectativas, planos, desejos e essa criança passa a ser idealizada pela mãe e pela família, que imaginam um rosto, escolhem um nome e quando ela chega, vem acompanhada de toda essa carga emocional de uma vida já construída para ela. Considerar que esse bebê idealizado pode morrer ou vir de forma diferente do que se esperava (malformação) rompe com todas essas expectativas, gerando frustração e luto.

Através de uma escuta compreensiva e diferenciada, o psicólogo favorece a elaboração da dor, que para muitos, é insuportável. Esta escuta tem objetivo de minimizar o sofrimento, ajudar na elaboração do luto do bebê ideal para o bebê real e também em relação ao diagnóstico que nem sempre é possível de se concluir antes do nascimento.

A UTI Neonatal do Hospital Sepaco, recebe bebês graves, com doenças crônicas e que ameaçam a continuidade da vida, neste sentido, nem sempre o bebê responde aos apelos dos pais e familiares que vivenciam a possibilidade constante da morte destes. O psicólogo, sendo parte da equipe assistencial, precisa se colocar como ponto de referência para esta família, colaborando para que seja possível construir a história desse bebê, ajudando os pais a falarem do nascimento, como forma de organizar seus pensamentos e afetos, não esquecendo que este pode ser um caminho de adaptação das representações do bebê real, diferente daquele idealizado, possibilitando a eles ultrapassar as ambivalências e reações intensas que o bebê real provoca, em especial no contexto de nascimento prematuro.

Neste ambiente, permeado por dores, sofrimentos e também conquistas, há muitas possibilidades de atuação da psicologia, pensando na família, porém, teríamos um texto extenso e esgotaria a possibilidade de discutirmos tantas questões em outros momentos, contudo, não podemos esquecer que estes bebês podem ter irmãos, a família pode ter uma religião e desejar rituais específicos, bem como as visitas de avós, mesversários, e tudo isso tem sido possível na UTI Neonatal do Hospital Sepaco, com uma equipe multiprofissional e muita sensibilidade destes, que mesmo diante de um momento tenso, pela pandemia, não deixou de se importar com a dor de quem cuidam e muito menos de tornar menos difícil a distância que se fez necessária. Deixarei um texto na versão original de uma vivência pessoal com uma criança que passou pela UTI Neonatal e Pediátrica nesta Instituição. A mãe autorizou a publicação do texto e este já foi lido por ela, por isso, preservamos o nome, em homenagem a essa pequena.


Eu caí na Pediatria, quando buscava mudanças na minha vida profissional. Tão acostumada com o ambiente dos idosos, me vi nesta outra ponta, uma ponta intensa e por vezes dolorosa.

Desde essa “queda”, que tem sido reconstrução: de valores, conceitos, aprendizados, muitos pequenos passaram por mim.

Mas hoje, quero me deter e escrever dessa pequena, pequenina de corpo, mas com 7 longos meses de vida e de experiências. Já marcada por muitas perdas, cheia de estórias de amor.

O trabalho no hospital e especialmente do cuidado paliativo tem sido onde me realizo e onde sinto que devo estar, por vezes é muito difícil lidar com dor e sofrimento todo dia, mas poder ser expectadora (as vezes ativa) da história de uma família, recompensa todas as angústias e dúvidas. Neste caso, uma estória que todo dia se transforma muito mais em amor e resiliência, do que em sofrimento.

Pais que se permitem generosidade diante daquele serzinho que mais amam e pela dor que percebem, genuinamente, puramente, favorecem, oferecem conforto, respeito e paz, me toca tão intensamente que só consigo ser grata pelo aprendizado que nenhuma teoria ou livro vai ensinar.

Quem lê, pensa numa trilha que segue reta e tranquila, quem participa e quem vivência vê muitos caminhos que se entrecruzam, conflitos, medos, sonhos. Não é uma trilha reta e certa, há muita descida, há subida, nunca sabemos onde ela vai dar.

A pequena me mostrou que isso não importa, se o que queremos, o que cremos é no amor. Nesta família, essa é a linha que não os deixa se perderem, que os liga, mesmo que cada um siga trilhas diferentes neste monte de caminhos que se colocaram a eles. A pequena me mostrou, que no final temos uma garantia: a do encontro, encontro de pessoas diferentes mas que buscam a mesma coisa, encontro de experiências, encontro de decisões.

A pequena, nos seus 7 longos meses de vida, trouxe vida em momentos muito escuros, me fez reafirmar o que quero seguir fazendo. Grata sou, pelo meu caminho, nada reto e certo, ter encontrado com o dela.

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