Convulsão Febril
Dra. Ana Luiza Câmara
Médica Neuropediatra no Hospital Sepaco
As convulsões febris são uma das condições
neurológicas agudas mais comuns na
infância, com incidência estimada em
torno de 2 a 5% na população (1).
O evento convulsivo gera muita preocupação
aos cuidadores, já que costuma acontecer
de forma inesperada, em crianças sem
condições neurológicas preexistentes
e com manifestações clínicas muitas
vezes exuberantes, incluindo enrijecimento
dos membros, abalos pelo corpo, salivação,
desvio da posição ocular e ausência de
responsividade. Entretanto, a maioria das
crianças com convulsão febril apresentam
crescimento e desenvolvimento normal,
e os eventos costumam estar associadas
a infecções virais comuns e autolimitadas,
afetando vias aéreas superiores ou
sistema respiratório e gastrointestinal.
Trata-se de um evento convulsivo que
habitualmente acontece entre 6 meses
e 5 anos de idade, associado com febre,
mas sem evidência de uma infecção
intracraniana ou uma outra causa
definida (como anormalidades metabólicas)
e na ausência de crises afebris prévias.
As convulsões febris não são consideradas
uma forma de epilepsia (2). Um estudo
americano reportou que 90% das crianças
tiveram convulsão febril antes de 3 anos
de idade, sendo o pico de ocorrência
entre 18 e 24 meses de vida. Não foi
identificada uma predileção por sexo,
ocorrendo em frequência semelhante
em meninos e meninas (1).

Convulsão Febril (Banco de Imagens – Adobe Stock)
A genética é um dos principais fatores
associados à sua ocorrência, com estudos
mostrando que até 25 a 40% dos indivíduos
têm história familiar positiva (1). Outros
fatores de risco comumente identificados
incluem febre alta, febre após imunização
e infecção viral em curso. Alguns dos
agentes virais frequentemente identificados
nos trabalhos são herpes vírus 6, influenza,
adenovírus e vírus sincicial respiratório,
porém a convulsão febril não é restrita à
infecção viral (2).
As convulsões febris são divididas em
dois tipos:
- Convulsão febril simples, o tipo mais comum,
caracterizada por crises generalizadas, com
duração menor que 15 minutos, que não
recorrem em um período de 24 horas; - Convulsão febril complexa, caracterizada
por episódios com início focal, duração
maior que 15 minutos ou que acontece
mais de uma vez em 24 horas.
A definição entre crise febril simples e complexa
tem implicação prognóstica, já que no grupo
de pacientes com crise febril complexa há
maior risco de crises febris recorrentes
e maior risco de crises afebris subsequentes
(2). O estado de mal epiléptico febril é
caracterizado por uma crise febril com
duração maior que 30 minutos ou crises
curtas e repetitivas sem a recuperação
da consciência entre elas (3).
Algumas condições devem ser lembradas
como diagnósticos diferenciais de convulsão
febril, incluindo as infecções de sistema
nervoso central como meningites e encefalites.
Nestes casos, além da convulsão, são
comuns outros sintomas, por exemplo,
a persistência de sintomas neurológicos
após a recuperação da crise (sonolência,
irritabilidade, confusão mental, cefaleia),
sinais meníngeos e vômitos recorrentes.
Outro diagnóstico diferencial a ser lembrado
é o “calafrio” que muitas vezes acompanha
os quadros febris, nestas situações, o paciente
tem movimentos oscilatórios rítmicos
e finos que raramente envolvem os
músculos faciais, envolvem ambos
os lados do corpo simultaneamente
e não estão associados à perda de
consciência.
A investigação com exames complementares
comumente não é necessária. A punção
lombar (líquor) deve ser realizada se
houver suspeita clínica de infecção
do sistema nervoso central. A tomografia
de crânio poderá ser utilizada em pacientes
com sinais de alerta, tais como, macrocrania,
exame neurológico persistentemente
alterado, crises focais ou sinais de hipertensão
intracraniana. O eletroencefalograma (EEG)
não está indicado na convulsão febril
simples e, nas convulsões febris
complexas, a solicitação do EEG depende
de diversos fatores e do julgamento clínico.
O tratamento agudo compreende medicar
a crise com duração maior que 5 minutos
com benzodiazepínico (Midazolam ou
Diazepam). Caso haja evolução para
estado de mal epiléptico febril, outras
medicações como a fenitoína e o
fenobarbital podem ser necessários.
Ao longo do evento convulsivo e do
seu tratamento, os sinais vitais e
padrão respiratório devem ser monitorados.
Até 1/3 das crianças podem ter recorrência
da convulsão febril. Existem alguns fatores
de risco que aumentam essa chance:
idade de início precoce, história de
crises febris em familiares de primeiro
grau, febre baixa, intervalo curto
entre o início da febre e a crise (2).
O tratamento preventivo de recorrência
é controverso. Não há justificativa
para o tratamento com anticonvulsivantes
de uso diário. Alguns estudos mostraram
que a utilização de benzodiazepínico
intermitente (curto ciclo durante
a doença febril) pode reduzir as
admissões hospitalares. Está indicado
o tratamento da febre com antipiréticos
assim que identificada (1).
Está bem aceito que as convulsões
febris curtas não estão associadas
com o aumento no risco de alterações
neurológicas e cognitivas, porém,
há um pequeno risco de
desenvolvimento de crises afebris.
A evolução é mais controversa em
pacientes com estado de mal epiléptico
febril,sobretudo, com maior chance
de desenvolvimento de epilepsia
nesses casos (3).
Referências bibliográficas
- Gupta A. Febrile Seizures. Continuum
(Minneap Minn). 2016 Feb;22(1 Epilepsy):
51-9. - UpToDate: Clinical features and evaluation
of febrile seizures. This topic last updated:
May 20, 2022. Treatment and prognosis
of febrile seizures. This topic last updated:
Jun 22, 2022. - Mewasingh LD, Chin RFM, Scott RC.
Current understanding of febrile
seizures and their long-term outcomes.
Dev Med Child Neurol. 2020 Nov;62
(11):1245-1249.