Dificuldade no aprendizado: quando se preocupar?

Tempo de leitura: 12 minutos

Dra. Silvana Kruger Frizzo
Coordenadora Médica da Equipe de Neuropediatria do Hospital Sepaco.

A volta às aulas geralmente traz ansiedade para pais e alunos. Mas para aqueles que estão lidando com dificuldades no aprendizado o sentimento é ainda maior. Sabemos que muitos alunos sofrem por anos até que o diagnóstico de transtorno da aprendizagem seja realizado. A demora no reconhecimento dos transtornos da aprendizagem pode afetar a autoestima e a motivação dessas crianças.

Mas o que é o transtorno da aprendizagem?
O transtorno da aprendizagem se caracteriza por um problema no processamento de informações que impede uma pessoa de aprender uma nova habilidade e usá-la de forma adequada. Pode ser causado por fatores genéticos ou neurobiológicos que alteram o funcionamento do cérebro, afetando um ou mais processos cognitivos implicados no aprendizado. O impacto no processamento de informações pode interferir em habilidades básicas como leitura, escrita e/ou matemática. Também pode haver interferência em habilidades mais complexas, como organização, planejamento, manejo do tempo, raciocínio abstrato, memória de curto ou longo prazo e atenção.

É importante ressaltar que transtornos da aprendizagem afetam não só a vida acadêmica, mas também podem impactar os relacionamentos interpessoais e o desempenho no ambiente de trabalho.

Como dificuldades na leitura, escrita e/ou matemática são mais perceptíveis durante os anos escolares, os transtornos de aprendizagem relacionados a essas habilidades são diagnosticados mais frequentemente durante esse período. Entretanto, alguns indivíduos acabam passando a vida sem um diagnóstico, sem nunca compreender por que têm mais dificuldades acadêmicas e a causa dos problemas de relacionamentos com família, amigos e no trabalho.

Transtornos de aprendizagem devem ser diferenciados das dificuldades de aprendizado relacionadas às deficiências visual, auditiva ou motora, ou decorrente de déficit intelectual, questões emocionais, ou devido a desvantagens econômicas e socioambientais.

Geralmente as pessoas com transtorno de aprendizagem possuem inteligência na média ou acima dela. Como consequência, os transtornos de aprendizagem se manifestam como uma discrepância entre as habilidades esperadas para a faixa etária e o desempenho acadêmico. Consideramos “deficiências ocultas”, pois o indivíduo aparenta ser inteligente e brilhante, mas não consegue demonstrar o nível de uma habilidade específica da mesma forma que seus pares.

Os transtornos de aprendizagem não podem ser curados ou revertidos, serão um desafio para avida toda. Entretanto, com apoio e intervenção adequados, as pessoas com esses transtornos serão bem-sucedidas na escola, no trabalho, nos relacionamentos e na comunidade.

Estima-se que 5 a 15% das crianças em idade escolar possuam algum transtorno de aprendizagem. Cerca de 80% desses transtornos estão relacionados à leitura (referida como dislexia). Dislexia é um transtorno altamente prevalente, afetando 20% da população. Acomete igualmente meninos e meninas. É comum a comorbidade com outros transtornos do desenvolvimento como TDAH e ansiedade.

Os transtornos de aprendizagem mais comuns afetam a leitura, escrita, matemática ou habilidades não verbais e podem variar na gravidade:

Leve: algumas dificuldades no aprendizado de uma ou duas áreas acadêmicas, mas consegue compensar com estratégias simples.
Moderado: dificuldades significativas no aprendizado, necessitando de algum de ensino especializado e algumas acomodações ou serviços de apoio.
Grave: dificuldades importantes no desempenho escolar afetando varias áreas acadêmicas, necessitando de ensino especializado intensivo.

Leitura/Dislexia
Transtorno de aprendizagem que afeta especificamente a leitura, relacionado às habilidades baseadas no processamento da linguagem.

Transtorno de linguagem oral ou escrita e transtorno específico de compreensão da leitura
Transtorno que afeta a capacidade de compreender forma escrita ou verbalizada da linguagem.

Há a dificuldade na compreensão de textos ou ditados. A habilidade de se expressar de forma oral também pode estar comprometida.

Os transtornos que afetam a leitura geralmente estão associados à dificuldade de perceber uma palavra falada como uma combinação de sons distintos. Isso torna difícil entender como uma letra ou letras representam um som e como as combinações dessas letras formam uma palavra.

Problemas com a memória operacional – capacidade de manter e manipular
informações num dado momento – também podem ter um papel nesses transtornos.

Mesmo quando habilidades básicas de leitura são conquistadas, crianças podem ter dificuldade nas seguintes competências:
• Cadência na leitura;
• Compreender o que foi lido;
• Recordar acuradamente o que leram;
• Fazer inferências baseadas na leitura;
• Soletrar.

Escrita/Disgrafia
Transtorno da aprendizagem que afeta as habilidades motora fina e a caligrafia.

O ato de escrever requer capacidades visuais, motoras e de processamento de informação complexas.
A disgrafia pode se apresentar como:
• Escrita demorada e laboriosa;
• Letra difícil de compreender;
• Dificuldade de transformar pensamentos em palavras;
• Texto escrito mal organizado ou difícil de compreender;
• Dificuldade em soletrar, na gramática e na pontuação.

Matemática/Discalculia
Transtorno no qual a habilidade de compreender números e equações é afetada.

A discalculia pode afetar as seguintes competências:
• Compreender como números funcionam e a relação entre eles;
• Dificuldade em realizar cálculos matemáticos;
• Memorizar equações básicas;
• Utilizar os símbolos matemáticos;
• Compreender enunciados;
• Organizar e anotar informações enquanto soluciona um problema de matemática.

Habilidades não verbais/Transtorno de aprendizado não verbal
Dificuldade em interpretar pistas não verbais como expressões faciais, linguagem corporal. Pode ser acompanhada de falta de coordenação motora.

As crianças com transtorno das habilidades não verbais parecem desenvolver habilidades de linguagem básicas e memorização automática forte no início da infância. Entretanto, as habilidades visuo-espaciais, visuo-motoras e outras necessárias para funcionar social e academicamente estão prejudicadas.

Uma criança com transtorno das habilidades não verbais pode ter dificuldades em:
• Interpretar expressões faciais e pistas não verbais nas interações sociais;
• Usar linguagem de forma apropriada em situações sociais;
• Coordenação física;
• Habilidades motoras finas, como escrita;
• Atenção, planejamento e organização;
• Alto nível de leitura e compreensão de texto, ou escrita geralmente evidente no ensino médio.

Qual a origem dos transtornos de aprendizagem?
Alguns fatores podem influenciar o desenvolvimento de transtornos de aprendizagem, como:
• História familiar e genética: um antecedente familiar de transtorno no aprendizado aumenta o risco de a criança apresentar um transtorno.
• Riscos pré-natais e neonatais: restrição do crescimento intrauterino severo, exposição a álcool e drogas durante a gestação, prematuridade e muito baixo peso ao nascer estão associados ao desenvolvimento de transtornos de aprendizagem.
• Trauma psicológico: traumas ou abuso na infância podem afetar o desenvolvimento cerebral e aumentar a chance de transtornos do aprendizado.
• Trauma físico: Traumatismo craniano ou infecções no sistema nervoso central podem contribuir no desenvolvimento de transtornos no aprendizado.
• Exposição ambiental: exposição a altos níveis de toxinas, como chumbo, está associada a um aumento no risco de evoluir com transtorno do aprendizado.

Quais são os sinais desses transtornos?
Fique atento caso seu filho ou filha:
• Não aprenda a ler, soletrar, escrever na idade esperada e no nível de ensino em que está;
• Tem dificuldade em compreender e seguir instruções;
• Tem dificuldade em lembrar o que alguém acabou de falar para ele/ela;
• Falta de coordenação para caminhar, nos esportes, ou ao empunhar um lápis;
• Perde ou não lembra onde guardou tarefas, livros, ou outros itens;
• Tem dificuldade em compreender o conceito de tempo;
• Rejeita fazer lição de casa ou atividades que envolvam leitura, escrita ou matemática, ou consistentemente não completa tarefas sem ajuda;
• Na escola ou enquanto está fazendo tarefas acadêmicas faz escândalo, mostra comportamento desafiador, fica hostil ou muito emotivo.

E agora? O que faço?
Buscar ajuda o quanto antes é a melhor forma de ajudar seu filho/sua filha. Intervenção precoce é fundamental, pois o problema pode se tornar uma bola de neve. Não aprender equações básicas no ensino primário impedirá o domínio de álgebra, por exemplo. Os transtornos no aprendizado podem acarretar ansiedade, depressão, baixa autoestima, fadiga crônica e perda de motivação. Eventualmente encontramos até outros comportamentos que desviam a atenção dos seus problemas escolares.

Todos os envolvidos nos cuidados da criança, pais, professores, médicos ou outros profissionais podem solicitar uma avalição caso haja alguma preocupação em relação ao desempenho escolar. Normalmente, problemas na visão ou audição e outras condições que possam estar afetando o desempenho na escola são afastados. Em seguida, o ideal é passar por uma avaliação com um neurologista infantil, para então ser encaminhado para uma avaliação neuropsicológica.

O diagnóstico de transtorno do aprendizado é realizado com a avaliação neuropsicológica, onde o relato dos professores, a impressão dos pais e a revisão do desempenho acadêmico são incluídos.

Opções de Tratamento:
Uma avaliação neuropsicológica bem feita aliada às orientações do neurologista ajudarão a escola e a família a seguirem algumas adaptações, como:
Apoio extracurricular: tutor ou professor poderão ensinar a criança técnicas de como melhorar a concentração, organização, e como estudar de forma mais proveitosa;
Matricula de inclusão: ao matricular a criança como inclusão, tornamos amparadas por lei as eventuais adaptações no ambiente e no currículo;
Acomodação: acomodação na sala de aula pode incluir mais tempo para concluir as tarefas ou provas, sentar próximo ao professor, usar aplicativos que auxiliem na escrita, menor número de exercícios nas provas, audiolivros para auxiliar na leitura;
Terapia: as crianças se beneficiarão muito de psicoterapia, terapia ocupacional e fonoterapia a depender do transtorno diagnosticado;
Medicação: às vezes é necessário iniciar uma medicação para manejar depressão ou ansiedade enquanto as outras medidas são instaladas.
O plano terapêutico será revisado de acordo com o progresso da criança.

É importante explicar para a criança usando termos simples o porquê da necessidade desses serviços adicionais e como eles poderão ajudá-la. Focar nos pontos fortes e encorajar a se envolver no que gosta e que no que possa gerar mais confiança.

Em conjunto, essas intervenções melhorarão as habilidades da criança, ajudando-a a desenvolver estratégias de enfrentamento, usar seus pontos fortes, permitindo maior aprendizado dentro e fora da escola.

Professora ensinando aluna na escola.

Referências bibliográficas

• https://www.mayoclinic.org/healthy-lifestyle/childrens-health/in-depth/learning-disorders/art-20046105
• https://ldaamerica.org/types-of-learning-disabilities/
• https://www.psychiatry.org/patients-families/specific-learning-disorder/what-is-specific-learning-disorder

Sobre o autor

  • - Coordernadora Médica da Equipe de Neuropediatria do Hospital Sepaco
    - Especialista em Neurologia Infantil pela Associação Brasileira de Neurologia - ABN
    - Especialista em Pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
    - Residência em Neurologia Infantil no Hospital das Clínicas
    - Residência em Pediatria no Instituto da Criança
    - Médica pela Universidade de Santo Amaro (UNISA)