Encontrando qualidade de vida na esclerose múltipla

Tempo de leitura: 10 minutos

Dr. Alexandre bussinger lopes
Médico Neurologista e Neuroimunologista

A esclerose múltipla (EM) é uma doença crônica
de caráter autoimune que acomete o sistema
nervoso central, podendo lesar qualquer uma
das suas porções (cérebro, nervos ópticos,
tronco cerebral, cerebelo e medula espinhal)
(1). Assim como outras doenças autoimunes,
acomete mais frequentemente pacientes
do sexo feminino, com início das manifestações
entre a segunda e a quarta décadas de vida.
Os sintomas ocorrem quando há um processo
inflamatório gerando alteração das funções
do local acometido (embaçamento visual,
perda de sensibilidade de parte do corpo,
fraqueza, tontura, dificuldade de controle
de urina), podendo haver melhora, total
ou parcial, quando esta inflamação é contida.
Os insultos inflamatórios geram lesões
visíveis nos exames de imagem (ressonância
magnética), importantes para a investigação
e acompanhamento dos pacientes.

O diagnóstico é feito usando os Critérios
de McDonald, revisados em 2017, que
utiliza critérios clínicos (história de
sintomas sugestivos de EM, alterações
no exame físico neurológico), bem
como o auxílio de exames complementares
como a ressonância e, por vezes, pesquisa
de alterações no líquido cefalorraquidiano
(bandas oligoclonais). É fundamental
também excluir diagnósticos diferenciais,
que poderiam simular os sinais e sintomas
do paciente.

Ao longo das últimas décadas, muito se
evoluiu, tanto nas técnicas para diagnóstico
quanto para tratamento da EM. Hoje, há
mais de dez medicações aprovadas pelas
instituições brasileiras para tratamento
e controle da evolução da EM, com
diferentes graus de imunossupressão,
o que vai ser escolhido conforme os
perfis de pacientes. Com estas, tem-se
como objetivo frear o surgimento
de novas lesões, bem como novos
sintomas e piora da incapacidade.
Porém, até o presente momento
não há nenhuma terapia capaz
de promover cura (2).

A despeito disto, mesmo com adequado
controle da doença, alguns sintomas
podem persistir. Por vezes, estes são
extremamente incômodos e impactam
diretamente na qualidade de vida
do paciente. De fato, a EM é uma das
doenças que mais comprometem
a produtividade e a qualidade de vida
(QV) de pacientes jovens.

Qualidade de vida em EM
Dificuldade de marcha, baixa acuidade
visual, fadiga, desequilíbrio, rigidez, dor
e dificuldade de controle da bexiga são
sintomas da EM, e têm direto impacto
na diminuição da QV dos pacientes.
Tudo isto pode gerar questões de
ansiedade e depressão, bem como
dificuldade de concentração e memória,
agravando ainda mais o quadro.

Além da importância do tratamento específico
de imunomodulação/imunomodulação para
controle da doença, para muitos sintomas
existem tratamentos que tornam o conviver
com a EM mais leve e permitem uma vida
o mais próximo do normal possível. Além
dos medicamentos para alívio das
manifestações da doença, vários hábitos
podem ser iniciados, com melhora
do estilo de vida, e potencial de causar
grande impacto na evolução da EM.

1) Fadiga
A fadiga é um dos mais comuns e incapacitantes
sintomas da EM, presente em até 80%
dos pacientes (2). Com uma sensação
constante de cansaço, falta de disposição
e concentração (fadiga física e mental),
muitos pacientes são vistos como
“preguiçosos”, uma vez que é um dos
sintomas invisíveis da doença, pois só
quem a sente, sabe o fardo que é
em seu cotidiano.

Há alguns tratamentos farmacológicos
disponíveis, porém com benefício limitado,
e altos custos (2). A atividade física, por sua
vez, tem resultado positivo no controle
deste sintoma, contribuindo para o
fortalecimento muscular e aumento
de resistência, tornando a fadiga cada
vez menos frequente no dia a dia.
Além de amenizar a fadiga, o exercício
contribui para a melhora do humor
(aumento da serotonina), preserva
a memória e a cognição, e pode
também contribuir no próprio
controle da doença, uma vez que
promove liberação de substância
antiinflamatórios pela musculatura
do corpo (miocinas), tornando-se,
portanto, parte fundamental do
tratamento de todos os pacientes
com EM. Muitas vezes parece paradoxal:
“Mas se estou tão cansado, como vou
conseguir fazer atividade física? ”.
O começo pode parecer difícil, mas
os inúmeros benefícios são perceptíveis
aos pacientes que conseguem encaixar
em sua rotina exercícios regulares.
O importante é começar, mesmo
que com cinco minutos por dia,
preferencialmente atingindo 150 minutos
por semana, conforme recomendação
da Organização Mundial da Saúde.
(link abaixo)

2) Humor e ansiedade
Muitas vezes, pelo próprio medo do impacto
da doença e frustração perante a possíveis
limitações da rotina, os pacientes com EM
encontram-se numa situação onde a tristeza
e a angústia tornam-se presentes em suas
vidas. Para além de medicamentos, técnicas
de Mindfullness (uma espécie de meditação
guiada), terapia cognitiva comportamental
(TCC) e participação em grupos de EM
podem ser transformadores (1).

Há cursos de Mindfullness gratuitos na internet,
e instituições como a Associação Brasileira
de EM (ABEM) e Amigos Múltiplos da
Esclerose (AME) podem auxiliar a encontrar
grupos de apoio e trocas de experiências
com quem já viveu e vive com os sintomas
de EM.

3) Controle urinário e constipação
Alteração nos controles dos esfíncteres
são sintomas frequentes em pacientes
com lesões medulares e podem
manifestar-se como incontinência/retenção
urinária e/ou incontinência/constipação
intestinal.

Além das medicações, a atividade física
e a ingestão adequada de fibras e água
auxiliam na melhora da prisão de ventre.
Para a retenção urinária, por vezes são
necessárias cateterizações intermitentes,
para evitar infecções.

Para a incontinência urinária, existem
vários exercícios para o fortalecimento
da musculatura pélvica, que podem
amenizar a perda de urina, evitando
momentos constrangedores e inoportunos.

5) Cessação do tabagismo
De maneira contrária ao efeito benéfico
do exercício sobre a atividade inflamatória
no organismo, o tabagismo promove um
aumento de substância pró-inflamatórias
e está associado a uma piora dos sintomas
já preexistentes, além de aumentar
o risco cardiovascular, predispondo
à acidente vascular cerebral e infarto.

6) Alimentação
Muitos pacientes têm dúvidas sobre questões
alimentares quando recebem o diagnóstico,
e a verdade é que não há nenhum alimento
terminantemente proibido nem nenhum
altamente recomendado. Hábitos
alimentares saudáveis são o que têm,
de fato, impacto na saúde do paciente,
com uma dieta rica em vegetais e
frutas, pobre em gordura, sódio e
alimentos ultraprocessados (embutidos,
alimentos prontos congelados etc.).

O consumo de peixes, ovos e laticínios
pobres em gorduras deve ser incentivado
também para adequados níveis de vitamina D,
que muitas vezes precisam ser suplementados
além da dieta, uma vez que depende também
de adequada exposição solar para ativação.
Esta vitamina funciona como um
imunomodulador no organismo.

O consumo de alimentos probióticos, como
leites fermentados e iogurtes naturais
(preferencialmente não adoçados e
desnatados), promove uma saúde
especial da microbiota intestinal,
gerando também efeito protetor
no quadro.

7) Dor
A dor na EM pode ser o reflexo de vários
fatores, em especial da sobrecarga articular
que alguns pacientes sofrem, quando há
fraqueza em alguma parte do corpo,
sobrecarregando as demais. Acupuntura
e TCC podem ser aliados importantes
de medicamentos específicos para dor.

Conclusão
O prognóstico e tratamento do paciente com
EM tem condições inerentes a fatores
epidemiológicos e de atividade da doença,
que vão impactar diretamente em seu
prognóstico. Mas, dentre os fatores modificáveis,
vários contribuem para melhorar tanto
os sintomas quanto aliam-se às drogas
modificadoras de doença para adequado
controle da EM. Tais medidas,
comportamentais e de mudança
de estilo de vida, não têm contraindicações,
efeitos adversos, e só tendem a contribuir
para a qualidade de vida do doente.

Multiple Sclerosis (Banco de Imagens – Freepik)

Referências bibliográficas

  1. Gil-González I, et al. BMJ Open 2020;10:
    e041249. doi:10.1136/bmjopen-2020-041249
  2. MOTL, Robert W. Exercise and Multiple
    Sclerosis. In: Physical Exercise for
    Human Health. Shanghai, China:
    Springer, 2020. p. 333-343.
  3. The effects of modified anti-inflammatory
    diet on fatigue, quality of life,and
    inflammatory biomarkers in
    relapsing-remitting multiple
    sclerosis patients: A randomized
    clinical trial,
    International Journal of Neuroscience,
    DOI: 10.1080/00207454.2020.
    1750398
  4. Zahra Mousavi-Shirazi-Fard,
    Zohreh Mazloom, Sadegh
    Izadi & Mohammad Fararouei (2020)

    Links relevantes
  1. Associaçãção Brasileira de Esclerose
    Múltipla (ABEM): https://www.abem.org.br/
  2. Amigos Múltiplos pela Esclerose
    (AME): https://amigosmultiplos.org.br/
  3. Recomendaçãção da OMS para atividade
    física: https://apps.who.int/iris/bitstream/
    handle/10665/337001/978924001
    4886-por.pdf

Sobre o autor

  • - Médico Neurologista e Neuroimunologista do Hospital Sepaco
    - Residência em Neurologia e Especialização em Neuroimunologia com foco em Doenças Desmielinizantes do Sistema Nervoso Central pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - EPM
    - Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro