Impacto da pandemia pela COVID-19 na vida dos cuidadores de crianças com TDAH e/ou transtorno do espectro autista
Dra. Silvana Krüger Frizzo
Coordenadora da Equipe de Neuropediatria do Hospital Sepaco
A pandemia causada pelo coronavírus trouxe inúmeros desafios e ajustes no cotidiano das famílias com crianças portadoras de necessidades especiais, decorrentes da necessidade de permanecer em casa, manter distanciamento social e transacionar aulas e terapias para modelo remoto. Crianças são particularmente vulneráveis em emergências e desastres naturais (1). Rupturas no cotidiano podem levar a estresse pós-traumático, ansiedade e depressão quando ocorrem em certos períodos críticos do desenvolvimento. Todas as crianças estão sujeitas aos impactos de uma pandemia, todavia a preocupação das repercussões em crianças com transtorno do neurodesenvolvimento é ainda maior. Essa situação não afeta somente as crianças, mas também os seus pais e cuidadores.
Um estudo publicado em abril de 2021 concluiu que a qualidade de vida medida por escalas validadas (PedsQLTM FIM version 2.0) foi menor nos cuidadores de crianças com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e/ou transtorno do espectro autista (TEA) do que nos cuidadores de crianças neurotípicas antes e durante a pandemia pela COVID-19. Apesar da queda na qualidade de vida para todos durante a pandemia, foi mais dramática para os cuidadores de crianças com necessidades especiais (1).
Esse resultado é compatível com outros estudos como a pesquisa Stress in America™ 2020 (2), na qual mais de 60% dos pais relataram aumento de estressores, como estudo remoto, acesso aos serviços de saúde, distanciamento social, necessidades básicas e não aquisição de marcos do desenvolvimento durante a pandemia. Nos pais e cuidadores de crianças com TEA houve aumento do estresse, sofrimento, medo, ansiedade, depressão, desregulação emocional e humor deprimido no período. Shah et al. reportaram que pais de crianças com TDAH perceberam uma frequência maior de interações negativas com seus filhos, incluindo maior irritabilidade, abuso verbal e punições (3).
É importante notar que o bem-estar dos cuidadores tem uma relação direta com o bem-estar das crianças (1). Estudos durante a pandemia sugerem que os níveis de ansiedade de cuidadores de crianças autistas se correlacionam com a gravidade dos problemas comportamentais relacionados ao TEA e que a habilidade de se desenvolver está associada às estratégias de enfrentamento de seus cuidadores. Ueda et al. descobriram uma associação entre estresse nos cuidadores e comportamento disruptivo em uma coorte de crianças com TDAH, TEA e outras deficiências de aprendizado (4).

Pais de crianças com TDAH descrevem estressores associados ao aprendizado remoto, como distração, pouca adaptação curricular e confinamento (5). Assim, os cuidadores de crianças com TDAH ou TEA precisam investir tempo e esforço adicionais para garantir que seus filhos engajem no aprendizado e terapia remotos, contribuindo para aumento da carga de atribuições e pior qualidade de vida (6,7).
A baixa qualidade de vida nos cuidadores de crianças autistas ou com TDAH reportada por Pecor et al. limita ainda suas habilidades de prover suporte e recursos para seus filhos vulneráveis, levando a uma qualidade de vida também menor neles.
Como resolver o problema? Medidas para melhorar a qualidade de vida das famílias poderiam ser implementadas, como encontros ao ar livre mantendo distanciamento social, visitas domiciliares para ajudar os cuidadores com as atividades rotineiras, por exemplo, compras no supermercado, supervisionar irmãos ou revezar os cuidados dedicados à criança com necessidades especiais com os pais, etc. (1).
Recomendar suporte psicológico on-line para os pais, checar o bem-estar da família e promover eventos sociais contribuiria para melhorar a moral e reduzir o fardo desse cuidado. Por exemplo, a comunicação de rotina com provedores de saúde e a avaliação da saúde mental utilizando telemedicina entre médicos, enfermeiras, terapeutas e cuidadores podem melhorar a qualidade de vida desses responsáveis (1).
Outra estratégia seria o treinamento parental via telemedicina. Pais e cuidadores podem aprender estratégias e intervenções comportamentais para aplicar em seus filhos no ambiente domiciliar, melhorando a qualidade de vida da família como um todo. O treinamento comportamental parental é uma estratégia terapêutica psicossocial bem estabelecida, fortemente baseada em evidências, e gera resultados positivos em crianças com TDAH (8).
Concluindo, devemos ter um olhar muito cuidadoso não só para as crianças com transtorno do desenvolvimento, mas também para suas famílias e cuidadores. Existem recursos que podem melhorar a qualidade de vida de todos os envolvidos. Lembrar que em períodos adversos, como uma pandemia, todo suporte será bem-vindo.

Referências bibliográficas
- Quality of Life Changes during the COVID-19 Pandemic for Caregivers of Children with ADHD and/or ASD, Pecor KW, Barbyannis G, Yang M, Johnson J, Materasso S, Borda M, Garcia D, Garla V and Ming X Int J Environ Res Public Health. 2021 Apr; 18(7): 3667.
- Stress in AmericaTM: Stress in the Time of COVID-19. [(accessed on 13 January 2021)].
- Impact of COVID-19 and Lockdown on Children with ADHD and Their Families-An Online Survey and a Continuity Care Model. Shah R, Raju VV, Sharma A, Grover S. J Neurosci Rural Pract. 2021 Jan; 12(1):71-79.
- The quality of life of children with neurodevelopmental disorders and their parents during the Coronavirus disease 19 emergency in Japan. Ueda R, Okada T, Kita Y, Ozawa Y, Inoue H, Shioda M, Kono Y, Kono C, Nakamura Y, Amemiya K, Ito A, Sugiura N, Matsuoka Y, Kaiga C, Kubota M, Ozawa H. Sci Rep. 2021 Feb 15; 11(1):3042.
- Remote Learning During COVID-19: Examining School Practices, Service Continuation, and Difficulties for Adolescents With and Without Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Becker SP, Breaux R, Cusick CN, Dvorsky MR, Marsh NP, Sciberras E, Langberg JM. J Adolesc Health. 2020 Dec; 67(6):769-777.
- Acute stress, behavioural symptoms and mood states among school-age children with attention-deficit/hyperactive disorder during the COVID-19 outbreak. Zhang J, Shuai L, Yu H, Wang Z, Qiu M, Lu L, Cao X, Xia W, Wang Y, Chen R. Asian J Psychiatr. 2020 Jun; 51():102077.
- Core experiences of parents of children with autism during the COVID-19 pandemic lockdown. Tokatly Latzer I, Leitner Y, Karnieli-Miller O. Autism. 2021 May; 25(4):1047-1059.
- Evidence-based psychosocial treatments for attention-deficit/hyperactivity disorder. Pelham WE Jr, Fabiano GA. J Clin Child Adolesc Psychol. 2008 Jan; 37(1):184-214.