Simulação realística – tecnologia e inovação em prol da capacitação e desenvolvimento profissional

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Leticia N. de Oliveira Budoia
Enfermeira de Educação Continuada no Hospital Sepaco

No âmbito hospitalar, a tecnologia e a inovação nos permitem um direcionamento peculiar e benéfico na capacitação dos profissionais da saúde em prol da melhoria contínua dos cuidados prestados. A simulação realística é uma metodologia atual e inovadora de treinamento, desenvolvimento multiprofissional e acadêmica, apoiada por um arsenal tecnológico de baixa a alta fidelidade, desde manequins estáticos a equipamentos de transmissão simultânea e simuladores multiparâmetros; possui como propósito aproximar ao máximo de experiências reais, favorecendo um ambiente de maior interatividade, com experiências práticas em um ambiente seguro.

Apesar de a simulação ser um tema bem atual, desde os primórdios há indícios de sua atuação, como na Antiguidade, onde modelos humanos em pedra e argila eram esculpidos para demonstrar o efeito de doenças no corpo, e na Idade Média quando técnicas cirúrgicas eram praticadas em animais. Mas foi na aviação, em 1927, que surgiu o primeiro simulador automatizado, onde o piloto militar Edwin Albert Link viu a necessidade de criar um simulador de voo para treinar seus militares sem expô-los a riscos. Edwin criou inicialmente o “Blue Box” (figura 1), simulador de voo de baixa complexidade, mas capaz de reproduzir movimentos e sensações do voo.

Figura 1: “Blue Box”, 1º simulador de voo desenvolvido pelo piloto militar Edwin Albert Link em 1927. Foto: https://news.fit.edu

Foi pensando nisso que, em 1990, David M. Gaba, médico anestesista e professor universitário de Stanford, começou a realizar sessões de simulação com seus alunos, inicialmente sem o uso de simuladores ou atores; a interação dos cenários era feita entre os próprios alunos, o que levou a um salto para o início da simulação na área da saúde. Hoje, o mercado dispõe de simuladores de altíssima fidelidade, capazes de simular desde sinais vitais a interações em tempo real de procedimentos realizados.

Com a evolução acelerada da informática e tecnologia na área da saúde, a associação de metodologias ativas, como a simulação realística, busca a cada dia melhorar o conteúdo de habilidades técnicas e comportamentais, além do raciocínio clínico dos participantes, a fim de replicar de forma mais segura e real as situações críticas que poderão ser enfrentadas na prática assistencial.

Pensando que a segurança do paciente é um desafio global nas organizações de saúde e, consequentemente, um tema em ascensão, tornando-se essencial a busca por melhorias contínuas, a educação e o treinamento na área da saúde nunca foram tão necessários. Com o avanço da medicina, tais profissionais precisam se atualizar, e até mesmo os acadêmicos precisam praticar; então lhe pergunto: como fazer isso de modo real e prático, sem que ocasione prejuízo aos pacientes ou até mesmo aos profissionais?

No ano passado a OMS (Organização Mundial da Saúde) apresentou dados alarmantes em relação aos números de mortes decorrentes de erros médicos: 2,6 milhões por ano. Atualmente, estima-se que 40% dos pacientes sujeitos ao tratamento ambulatorial sofrem os efeitos de erros médicos. A simulação realística como metodologia de treinamento e desenvolvimento permite experiências práticas em ambiente controlado e seguro, seguida de reflexão guiada, impactando tanto no conhecimento quanto nas habilidades e atitudes relacionadas à prática profissional.

A educação em saúde vem sofrendo uma série de modificações, inclusões e novas perspectivas em relação ao ensino-aprendizagem. Tradicionalmente, a educação em saúde baseava-se em conhecimentos de professores, leitura de evidências científicas e na prática de procedimentos entre os próprios alunos ou até mesmo em pacientes reais. A fragmentação do conhecimento e o aprendizado baseado em técnicas passivas, como, por exemplo, aulas teóricas e testes escritos, comprovadamente diminuem a retenção do conhecimento e aplicabilidade na prática.

O rompimento do paradigma de um ensino tradicional, em que o professor é detentor do conhecimento e o conteúdo é transmitido de forma totalmente teórica, se faz real com o uso da simulação realística, uma metodologia de treinamento e aprendizagem inovadora, a qual irá possibilitar o treinamento de habilidades técnicas e comportamentais, garantindo a qualidade e o desempenho dos cuidados prestados aos pacientes, proporcionando aprimorar o conhecimento, o desenvolvimento, a avaliação de performance, assim como o raciocínio clínico dos profissionais e estudantes que a utilizam.

Estudos mostram que a utilização da simulação realística como uma metodologia que vai além da teoria, trazendo a prática como foco de aprendizagem, possibilita maior adesão e retenção de novos conhecimentos, conceitos, habilidades técnicas, tomada de decisões, atitudes, comportamentos e trabalho em equipe. Permite que os profissionais e estudantes vivenciem situações cotidianas em um ambiente fictício e seguro, com o intuito de promover o aprendizado e o senso crítico (figura 2).

No entanto, para que se tenha bons resultados de fato, é imprescindível que haja a aplicação correta e fiel da metodologia, pois o termo “simulação” por vezes pode ser confundido ou aplicado como: “faz de conta”, o que não deve acontecer. Para atuar com simulação realística, são necessários planejamento e organização das atividades propostas, embasadas em referência teórico-científica, assim como profissionais capacitados e especialistas nos temas abordados.

Apesar de ressaltarmos tanto a atividade prática que a simulação nos proporciona, o referencial teórico também se faz preciso e muito importante para embasar as atividades práticas, justificando por muitas vezes, apesar de não ser regra, aulas ou briefings que antecedam as simulações. Em geral, é realizada uma aula introdutória apresentando a simulação realística, ainda mais por se tratar de uma metodologia relativamente nova, assim como uma aula preparatória abordando o tema que será aplicado em ambiente simulado, objetivando melhor desempenho durante interação na simulação.

Figura 2: Cenário de Simulação Realística/Sala de Treinamento de Habilidades do Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) do Hospital Sepaco. Foto: Jonatas Oliveira

A metodologia sugere que a simulação realística seja contemplada da seguinte forma:

• Grupos pequenos: de 10 a 15 pessoas, visando à interação entre os participantes, para potencializar a retenção do conhecimento;
• Roteiro introdutório: com informações relevantes para o desenvolvimento do cenário, como, por exemplo, história prévia e antecedentes pessoais;
• Voluntários: para a participação nos cenários, respeitando a individualidade de cada um, não sendo algo impositivo;
• Cenário: onde é replicado um ambiente e casos possíveis de coexistirem na prática assistencial, na qual os voluntários terão que interagir, tomar decisões e condutas buscando o melhor desfecho para o caso proposto;
• Tempo: é importante que os cenários não se estendam muito mais que 10/15 minutos, tempo este suficiente para atingir o objetivo esperado, bem como limitar possíveis dispersões e facilitar uma discussão pós cenário/debriefing mais assertiva;
• Facilitadores capacitados na metodologia: para melhor condução dos treinamentos, assim como especialistas nos temas abordados no treinamento;
• Check list: instrumento utilizado como guia das ações esperadas para o desenvolvimento do cenário, a fim de auxiliar na discussão pós-cenário/debriefing;
• Debriefing: são as trocas de experiências pós-cenário, fundamentais para a conclusão do aprendizado proposto, onde são discutidos pontos positivos e de melhoria realizados durante a simulação, com o auxílio de um especialista no tema abordado, que atuará como um facilitador e condutor da discussão.

Muitos remetem à simulação realística, a uma metodologia custosa por conta de toda a tecnologia que a envolve, no entanto, também é possível fazer simulação de outras formas e com resultados tanto quanto satisfatórios aos convencionais, como as práticas monitoradas, nas quais é possível treinar e praticar procedimentos e/ou técnicas específicas, por exemplo: RCP (ressuscitação cardiopulmonar) (figura 3), IOT (intubação orotraqueal), dentre outras. Tais práticas não requerem transmissão simultânea ou simuladores de alta fidelidade, podendo dessa forma serem usados manequins estáticos ou peças específicas de partes do corpo, bem como a simulação in loco, também conhecida como simulação in situ, onde a simulação acontece no próprio local de atuação dos profissionais, não dispondo de estrutura padronizada, assim como os simulados, por exemplo: de evacuação, incêndio ou catástrofe, que apesar de terem uma abrangência maior, contam com os recursos já existentes no próprio local.

Por fim, levando em consideração a viabilidade e todos os benefícios já mencionados, o Hospital Sepaco se prepara para ter seu próprio centro de simulação realística, tendo em vista o projeto de ampliação da instituição, localizado no 6º andar, com o propósito de melhor desenvolver e capacitar seus profissionais. Atualmente, aplicamos a metodologia nas integrações de enfermagem utilizando práticas monitoradas de punção venosa e de port-a-cath, assim como validações de reconhecimento de parada cardiorrespiratória e ressuscitação cardiopulmonar (temporariamente interrompidas por conta da pandemia, por questões de segurança). Acreditamos que tais atividades sejam as primeiras de muitas que pretendemos desenvolver no Hospital Sepaco com o uso da metodologia.

Figura 3: Prática de RCP Infantil/Sala de Habilidades do IEP do Hospital Sepaco. Foto: Jonatas Oliveira

Sobre o autor

  • - Graduada em Enfermagem pela Universidade Nove de Julho;
    - Especialista em Simulação Realística pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein;
    - Pós-graduada em Gestão da Qualidade e Segurança em Organizações de Saúde pela Faculdade São Camilo;
    - Pós-graduada em Urgências e Emergências pela Faculdade Albert Einstein;
    - Pós-graduada em Saúde Pública pela Universidade Nove de Julho