Medicina baseada em evidências e valor em saúde
Dr. Cid Buarque De Gusmão
Coordenador Médico do Departamento de Oncologia
do Hospital Sepaco
O termo Medicina Baseada em Evidências (MBE) teve origem no início da década de 1990. Foi definido na época como o “processo de sistematicamente descobrir, avaliar e usar os achados de investigações como base para decisões clínicas” (2). Hoje, uma melhor definição do conceito remete ao “uso consciente, explícito e judicioso da melhor evidência disponível ao tomar decisões sobre o tratamento de um paciente” (6).
É de vital importância entender esse conceito. Hoje, a aplicação do termo Medicina Baseada em Evidências é utilizada com frequência e, muitas vezes, inadequadamente. Na prática, significa a integração da experiência clínica individual com a melhor evidência científica baseada em pesquisa sistemática. Nesse sentido, a Medicina Baseada em Evidências deve ser vista como uma metodologia que procura reduzir a incerteza na decisão médica, alicerçando-a através da identificação, análise e uso do conhecimento científico por meio de estudos clínicos de boa qualidade.
Não se trata, porém, de uma “ditadura dos dados”, como alguns se referem, pois a MBE propõe a integração das melhores evidências científicas clínico-epidemiológicas com a experiência clínica do médico, associada ao entendimento e ao reconhecimento da individualidade de cada paciente, suas expectativas e preferências.
Em resumo, a MBE busca apoiar a experiência e a tomada de decisão com a melhor evidência, por meio de dados provenientes da epidemiologia clínica e da literatura médico-científica baseada em padrões de qualidade, que proporcionem a maior probabilidade de alcançar eficácia, efetividade e segurança ao paciente, ao mesmo tempo que reduzam os riscos de exposição a intervenções, riscos e custos desnecessários.
Ao conceito da Metodologia Baseada em Evidências juntou-se, nos últimos anos, o conceito de Medicina Baseada em Valor (Value Based Health Care).
O custo para se cuidar da saúde da sociedade é alto. Todos os países enfrentam elevações contínuas nesses gastos, sendo o custo frequentemente implicado uma das principais barreiras na implementação de novas tecnologias na assistência ao paciente. Sejam indivíduos, sejam governos, no momento de ser definido o gasto nessa área, realizam trade-offs entre os cuidados em saúde e demais bens, como educação, infraestrutura, segurança, lazer e demais necessidades da sociedade e do indivíduo.
O Brasil gastou o equivalente a 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, segundo dados publicados em novembro de 2018, estando o país no 64º percentil da distribuição mundial (considerando os 183 países avaliados pelo Banco Mundial). Esse valor situa-se próximo à média da América Latina e Caribe, na faixa de 3,6% e inferior aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A despesa com saúde nos últimos dez anos mostrou um crescimento acumulado de 31,9% (média de 3,1% ao ano), enquanto a Receita Corrente da União cresceu em termos reais 6,7% (média de 0,7% ao ano) (8).
Nessa área encontramos uma forte pressão de elevação das despesas, que decorre: do crescimento dos custos em velocidade superior ao índice da inflação; do processo de envelhecimento da população, com uma proporção maior de pessoas idosas, que demandando maiores gastos, tendem a aumentar as despesas nessa área; da ampliação do acesso; da mudança de perfil epidemiológico das doenças, que trouxeram um maior peso para as doenças crônicas, na qual o câncer de mama está inserido; e do crescimento acelerado na indústria de tecnologia médica, setor no qual o incremento tecnológico não se traduz com frequência em diminuição de custo ou mesmo substituição de tecnologia, mas em incremento da nova tecnologia à anterior existente (3).
A constatação por todos os envolvidos na cadeia da saúde de que os custos precisam ser contidos levou ao estabelecimento do conceito no qual a promoção de cuidados deva estar orientada para os resultados, além de estar baseada em valor. Duas perspectivas norteiam esse raciocínio. De acordo com a primeira, clínica, novos produtos e/ou serviços devem melhorar os resultados em relação ao comparador então empregado. Da perspectiva saúde/econômica, o valor do produto/serviço seria referente ao custo incremental decorrido do serviço/produto em relação à melhoria de desfechos proporcionada tradicionalmente. Essa análise, conhecida como análise de custo-efetividade, é utilizada como determinante analítica para a decisão de adoção de nova tecnologia na prática clínica (7).
O setor da saúde faz-se valer de teorias de administração para gerenciar seus objetivos. Escorado em parâmetros oriundos da teoria de administração em outros setores diversos, os modelos desenvolvidos revelaram-se ao logo do tempo incompletos ao setor (9).
Nas últimas duas décadas, especialmente após a publicação de Porter e Teisberg, mudou-se a visão estratégica do tipo de sistema que precisamos desenvolver de forma a entregar um alto valor aos indivíduos, que estaria representado na relação entre o resultado e o custo financeiro dispendido para alcançá-lo (4). Segundo essa visão, o foco está centrado no paciente ao longo de um contínuo de cuidado, e não fragmentado em episódios agudos de doença, processos ou procedimentos. Esse contínuo de cuidado está também explicitado no conceito de Linhas de Cuidado, com o qual se busca a interação das práticas interdisciplinares centradas no paciente, representando o desenho do caminho percorrido por ele, de acordo com sua necessidade (1).
No conceito de Saúde Baseado em Valor (VBHC), os resultados incorporam os cuidados prestados, sendo valor definido por custo total, com base em resultados importantes para o paciente (5).
Tradicionalmente, os resultados nessa área são relatados pelos prestadores, médicos e hospitais e consistem, no caso do câncer, na sobrevida global, sobrevida livre de progressão de doença, taxa de recidiva de doença e análises de custo financeiro. Na VBHC, o valor passa a ser definido levando-se em conta resultados importantes para o paciente, chamados de Medidas de Resultado Reportadas pelo Paciente (PROMs).
O conceito estabelecido por Porter e Teisberg em 2006 e ampliado por Porter e Lee em 2013 tem como princípios que o valor deva sempre ser definido centrado no paciente pelos resultados, e não pelos insumos utilizados no cuidado, sendo medido e recompensado pelos resultados alcançados e não pelo volume de serviços prestados (4, 5). Nesse sentido, ocorre uma mudança fundamental do modelo atual, baseado em volume de serviços prestados, para a mensuração do valor do resultado alcançado, sendo a mensuração um dos fatores críticos para a mudança efetiva, segundo os autores. Na mudança de conceito, como o valor é definido pelo resultado em relação ao custo, o conceito de eficiência em saúde torna-se preponderante no resultado final, o qual leva em consideração o ciclo completo da condição clínica em questão, envolvendo desde a prevenção, passando pelo diagnóstico, tratamento, reabilitação e mesmo cuidados no final da vida. No conceito do VBHC, para que ocorra a competição por valor, é imprescindível a mensuração dos resultados assistenciais e dos custos para os pacientes, levando-se em conta a mensuração do ciclo completo, e não apenas a mensuração relacionada a produção e processos, como atualmente ocorre.
Referências bibliográficas
- CECILIO LCO, MERHY EE. A integralidade do cuidado como eixo da gestão hospitalar. In: Pinheiro R, Mattos RA. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: IMS Abrasco; 2003. p. 115-130.
- Evidence-Based working Group. Evidence-based medicine. A new approach to teaching the practice of medicine. JAMA, v.268, p.2420-5, 1992.
- PEDROSO, M. C.; MALIK, A. M. As quatro dimensões competitivas da saúde. Harvard Business Review Brasil, p. 1–13, 2015.
- PORTER M.E., Teisberg E.O. Redefining Health Care: Value-Based Competition on Results. ISBN :978-1-59139-778-6
- PORTER, M. E.; LEE, T. H. The Strategy That Will Fix Healthcare. Harvard Business Review, v. 1277, n. October, p. 1–19, 2013.
- Sackett David L, Rosenberg William M C, Gray J A Muir, Haynes R Brian, Richardson W Scott. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. BMJ 1996; 312 :71
- SECOLI, Silvia Regina et al . Avaliação de tecnologia em saúde: II. A análise de custo-efetividade. Arq. Gastroenterol., São Paulo , v. 47, n. 4, p. 329-333, Dec. 2010
- TESOURO NACIONAL. Aspectos Fiscais da Saúde no Brasil. Tesouro Nacional. 31.10.2018 Disponível em: https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/318974/AspectosFiscaisSa%C3%BAde2018/a7203af9-2830-4ecb-bbb9-4b04c45287b4
- VELOSO, G. G.; MELLO, R. B.; MALIK, A. M. Análise dos fundamentos do modelo Value-Based Health Care Delivery à luz das teorias de estratégia. Revista Alcance, v. 20, n. 4, p. 495-512, 2013