O desafio da sepse na população pediátrica
Victor Emmanuel Tedeschi Oliveira Pereira Pinto
Médico Residente do 3º ano de Pediatria
pelo Hospital e Maternidade Sepaco
Resumo:
Mesmo diante dos grandes avanços
diagnósticos e terapêuticos recentes
das doenças infecciosas, estas ainda
são responsáveis por elevadas taxas
de morbidade e mortalidade pelo
mundo, sendo ainda mais prevalentes
na faixa etária pediátrica. Em 2015,
a Organização Mundial de Saúde (OMS)
relatou a morte de 5,9 milhões
de menores de 5 anos no mundo,
sendo a sepse responsável por
1,2 milhão destes. Embora facilmente
reconhecida, a importância ao
combate à sepse, sua definição,
diagnóstico e tratamento continuam
sendo um desafio. Os critérios
diagnósticos empregados para
pacientes pediátricos apresentam
limitações, sua apresentação inicial
pode ser inespecífica e a pressão
por resultados e agilidade no
atendimento podem levar a erros
ou atrasos no diagnóstico e
tratamento. Não obstante as
limitações dos critérios vigentes,
eles possibilitam um diagnóstico
e tratamento em tempo oportuno.
Uma vez diagnosticada, o tratamento
deve ser ágil e balanceado,
ajustando-se as diretrizes às
necessidades individuais da
criança séptica.
Palavras-chave: Sepse. Pediatria. Doenças infecciosas.
Introdução
primeiro entendimento de que
as doenças poderiam ser causadas
por microrganismos pode ser
atribuído ao pesquisador francês
Louis Pasteur, que na metade do
século XIX conseguiu provar,
por método científico, que
micróbios estavam presentes
no ar e que poderiam ser
responsáveis por contaminações.
Esta descoberta foi a matriz
para a Teoria da Biogênese,
que revolucionou o campo
da Medicina e Microbiologia.
Os estudos de Pasteur auxiliaram
não só o cirurgião britânico
Joseph Lister a criar um método
de desinfecção do campo
operatório e material cirúrgico,
como também o obstetra húngaro
Ignaz Semmelweis entender que a
lavagem das mãos poderia reduzir
o número de óbitos no parto. E ao
médico alemão Robert Koch criar
seus Quatro Postulados, relacionando
definitivamente os micróbios com
doenças. De acordo com Fioravanti
(2022), também permitiu a posterior
invenção dos antibióticos, com a
penicilina por Alexander Fleming
em 1928 e a criação de inúmeras
vacinas 1. Mesmo diante dos grandes
avanços e melhor controle das
doenças infecciosas, estas ainda
são as grandes responsáveis por
elevadas taxas de morbidade e
mortalidade pelo mundo, sendo
ainda mais prevalentes na faixa
etária pediátrica 2,3,4.
Em 2015, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) relatou a morte de 5,9
milhões de menores de 5 anos no
mundo, a maioria proveniente de
países em desenvolvimento e
relacionadas a moléstias infecciosas
graves como pneumonia, diarreia
e malária 2,5. As elevadas taxas
de doenças infecciosas na população
pediátrica são muito preocupantes,
pois estão associadas ao
desenvolvimento de sepse.
Sepse, por sua vez, é a principal
causa de morbidade e mortalidade
na Pediatria, com 1,2 milhão de
casos todo ano 2,5,6,7. Mais de 4%
de todos os internados e 8% dos
admitidos em Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) em países desenvolvidos
têm sepse 7. A despeito dos avanços
tecnológicos e da evolução na
antibioticoterapia houve um declínio
da mortalidade de sepse e choque
séptico de 97% (1966) para 4 a 50%
(atualmente). Há relatos de taxas
de mortalidade de até 67% nas
primeiras 24 a 72 horas, dependendo
da gravidade, fatores de risco e
país avaliado 6,7.
As chances de mortalidade em
países em desenvolvimento podem
ser 4 vezes maiores do que em
desenvolvidos 7. Estas taxas podem
estar relacionadas com cobertura
vacinal deficiente, dificuldade de
acesso aos serviços de saúde,
acesso desigual, atraso dos pais
em procurar serviço hospitalar,
falta de leitos hospitalares em UTI,
falta de serviços especializados
para transporte de crianças em
condições críticas, encaminhamentos
tardios para UTI, treinamento
limitado dos pediatras de emergência
e atenção primária para reconhecimento
e controle precoce até a não adoção
de protocolos modernos 7,8,9.
Definição e fisiologia
Entende-se por sepse o resultado
de uma resposta imune dinâmica
e variável dependente de vários
fatores como comorbidades prévias,
virulência do agente infeccioso,
polimorfismo genético do hospedeiro
e persistência dos estímulos
inflamatórios 2,5,10,11.
Durante uma infecção, por resposta
ao patógeno, o organismo libera
mediadores inflamatórios que
promovem maior produção e
adesão de células de defesa, como
macrófagos e neutrófilos ao endotélio
vascular. As funções endoteliais,
como permeabilidade seletiva,
regulação do tônus vasomotor
e atuação como regulador da
anticoagulação, são alteradas.
A coagulação é ativada de forma
caótica, com produção de
microtrombos, que expandem
a lesão com liberação de mais
mediadores inflamatórios e isquemia.
Pode haver, concomitantemente,
vasodilatação, que promove desvio
da circulação para regiões menos
nobres e perda de líquido para o
espaço intersticial, gerando assim
diminuição da volemia e hipoperfusão,
amplificando o dano celular
e orgânico 11.
Na sepse, os sinais clínicos mais
precoces são aumento da frequência
cardíaca, aumento no tempo de
enchimento capilar e diminuição
da amplitude de pulso 5,7,10,11.
A pressão arterial pode estar normal
na fase compensada, porém na fase
tardia pode ocorrer hipotensão
e alteração do nível de consciência 10.
Nos adultos, a principal causa de morte
se dá pela vasoplegia e hipotensão
arterial refratária, com débito cardíaco
mantido. Nas crianças, por sua vez,
a mortalidade é relacionada a disfunção
miocárdica, com baixo débito
cardíaco associado 2,10,11.
Tem-se de fácil entendimento a
importância ao combate à sepse,
porém sua definição, diagnóstico
e tratamento são um desafio. Sepse
envolve complexos mecanismos
fisiopatológicos com apresentações
clínicas variadas e inespecíficas,
de forma que uma definição única,
simples e objetiva é difícil 5,6,9.
Em 2001, frente a este desafio, a
Sociedade de Medicina Intensiva,
Sociedade Europeia de Medicina
Intensiva e o Fórum Internacional
da Sepse fundaram a Campanha
Sobrevivendo a Sepse (CSS) com
objetivo de desenvolver diretrizes
com base em evidências e
recomendações 2,3,4,5. As primeiras
diretrizes foram publicadas em 2004
e têm sido revisadas e atualizadas
a cada quatro anos. Chegou-se a
um consenso sobre muitas
recomendações para os melhores
cuidados de crianças com sepse,
mas se reconhece que a maioria
dos aspectos aos cuidados apresentou
qualidade de evidência baixa,
oferecendo um alicerce para
os cuidados adequados, mas
não substituem a capacidade
de tomada de decisão do médico 2.
Em 2005 a Conferência Internacional
de Consenso de Sepse Pediátrica
publicou definições de sepse, sepse
grave e choque séptico baseadas
nos pareceres anteriores em adultos,
com adequações pertinentes.
Embora à época tratar-se de um
instrumento em fase de construção
e com necessidade de refinamento,
foi prontamente incorporado à
prática diária dos serviços médicos
e pouco alterada 2,5.
O ponto central da atual definição
envolve o entendimento da
Síndrome da Resposta Inflamatória
Sistêmica (SRIS). Conceitualmente,
é a presença de pelo menos duas
das quatro manifestações clínicas:
temperaturas acima de 38.5ºC ou
abaixo de 36ºC, frequência cardíaca
aumentada ou diminuída com valores
ajustados para as diferentes faixas
etárias, aumento da frequência
respiratória de acordo com a idade
e contagem de leucócitos elevada
ou suprimida, sendo obrigatória
a presença de anormalidades da
temperatura ou contagem leucocitária
para a definição 2,5,10,11.
Sepse foi definida como infecção
suspeita ou comprovada, causada
por quaisquer patógenos, incluindo
bactérias, vírus ou fungos, associada
a SRIS 2,5,10,11. Por fim, choque
séptico é a sepse com falha circulatória
aguda caracterizada por hipotensão
persistente, apesar de ressuscitação
volumétrica adequada 2,5,11.
Sepse grave foi definida como sepse
associada à disfunção orgânica.
Choque séptico foi definido como
sepse associada à disfunção
cardiovascular aguda caracterizada
por hipotensão refratária à
ressuscitação volumétrica adequada 2,5,11.
Um dos problemas da definição ainda
em uso é o fato de se basear
primordialmente na SRIS,
apresentando baixa especificidade
e sensibilidade, uma vez que
os critérios de SRIS são muito
frequentes mesmo em crianças
com pouca gravidade ou em
outras doenças de origem não
infecciosa 5. A diferenciação
pode se tornar difícil, por exemplo,
entre sepse e falência respiratória
porque compartilham sinais
clínicos como taquipnéia,
hipóxia e perfusão alterada 5,8.
Em 2016, no Terceiro Consenso
Internacional de Definição de
Sepse e Choque Séptico, foi
proposta nova classificação
em adultos e tentativa de
adaptação para população
pediátrica 2,5. Apesar da
experimentação destes termos,
a nomenclatura de 2005
permanece vigente na
Pediatria, pois a nova
classificação possui alta
especificidade para casos
graves, contudo, é baixa
em sensibilidade para a
detecção precoce do quadro,
o que vai contra o principal
objetivo na luta contra a sepse.
A detecção precoce e o início
terapêutico rápidos são as
palavras-chave para sepse
2,3,4,5,7. A cada hora de
atraso na implementação
de medidas, aumenta-se o
risco de morte em 1,4 vezes 10.
Apesar de muitos consensos
e conferências, sepse ainda
se mantém mal diagnosticada.
Reconhecimento e tratamento precoces
Pacientes com demora no diagnóstico
e no início de tratamento, quando
admitidos em UTI já com sinais
clínicos de disfunção circulatória
periférica ou sepse grave, elevam
a taxa de mortalidade, como
avaliado em estudo que comparou
unidades de terapia intensiva
públicas e privadas e notou que
a mortalidade relacionada a
sepse foi mais elevada em UTI
pública (16.5%) do que em
privada (5.3%), assim, como a
proporção de óbitos dentro
das primeiras 24 horas de
admissão 4.5% e 0 (zero),
respectivamente 8. Os autores
perceberam que a taxa de
mortalidade não possui relação
com o custeio dos serviços
e sim devido à maior demora
na detecção do quadro e
transferência tardia à UTI 8.
Há forte recomendação para
implementação de diretrizes
e protocolos internos, pois
melhoram a velocidade e a
confiabilidade da atenção às
crianças, reduzindo mortalidade,
tempo de permanência e
duração de disfunção orgânica 2.
Em hospital privado de Nova
Iorque, houve redução em 5
vezes de mortalidade ao se
utilizar pacotes propostos 8.
Rodrigues-Santos, em São Paulo,
avaliou a melhora do serviço após
implementação dos protocolos.
Durante a fase pré-implementação,
a sepse só era reconhecida
prontamente em 19% dos casos,
comparado com 83,5% após o
protocolo, com redução de
mortalidade em 9% 12.
Cabe ressaltar que os protocolos
podem melhorar o prognóstico
geral, porém o combate à sepse
encontra ainda muitos entraves,
como a falta de aderência.
A utilização total dos pacotes
iniciais pode não passar de 61% 12.
Isoladamente, a aderência de
fluidoterapia, antes da
implementação, dos protocolos
foi de 6,3% para 67,4% após
instituição protocolar; hemocultura
antes do antibiótico de 56,3% para
95,3% e administração de
antibiótico na primeira hora
de 31,3% para 94,2%. Houve
também redução no intervalo
de reconhecimento de sepse
para ressuscitação com fluido,
de 152 min para 12 min, tal
como administração de
antibiótico de 137 min para
30 min. Apesar disso, ainda
há forte resistência por parte
da equipe médica e multidisciplinar
à aplicação de protocolos,
possivelmente relacionada
a ausência de uniformidade
nas condições para aplicar as
diretrizes em diferentes serviços 12.
As primeiras medidas das diretrizes
incluem garantia de oxigenação
e ventilação se necessária, de
preferência com ventilação
com máscara não reinalante,
com fluxo de 10 a 15 l/min
2,3,4,5,10,11. As decisões de
intubar e ventilar são clínicas:
falência respiratória, hipoventilação,
alteração do estado de consciência
ou morte iminente 5. A monitorização
rápida de frequência cardíaca,
respiratória, saturação de oxigênio,
débito urinário, pulso periférico,
nível de consciência e principalmente
pressão arterial deve ser prontamente
adquirida 11. A importância de
aferir pressão arterial na Emergência
pode ser demonstrada em estudo
realizado em hospital público da
cidade de São Paulo. Neste estudo
apenas metade tiveram a sua
pressão arterial avaliada 12.
Igualmente importante é a rápida
instalação de acessos venosos.
Em caso de duas falhas de acesso
periférico em membros recomenda-se
acesso intraósseo, com idêntica
possibilidade de coleta de exames,
fluidoterapia e até aplicação de
drogas vasoativas 10.
Em constante evolução, as
recomendações atuais de
fluidoterapia levam em
consideração acesso à UTI,
ao volume administrado,
tempo de administração,
tipo de solução e presença
ou não de hipotensão 2,3,4,5.
O objetivo é manter a oxigenação,
melhorar a perfusão, manter
os pulsos cheios e quentes,
o débito urinário maior que
1 ml/Kg/h, estado mental
adequado e pressão normal
para faixa etária 10,11.
Recomenda-se, atualmente,
soluções cristaloides balanceadas
e tamponadas como o Ringer
Lactato ao invés de soluções
salinas a 0,9%, uma vez que
estas possuem maiores
concentrações de cloreto,
sendo associado à acidose
hiperclorêmica, inflamação
sistêmica, lesão renal aguda,
coagulopatia e mortalidade.
Em crianças com acesso a
cuidados intensivos, sugere-se
administração de bolus de 10-20
ml/Kg de fluídos em bolus durante
a fase de ressuscitação, sendo
titulado com base em marcadores
do débito cardíaco e de desempenho
miocárdico (disfunção sistólica
e diastólica) e minimizando
a sobrecarga hídrica 2,4,5.
Em crianças sem esta disponibilidade
é importante parcimônia, pois
o exagero na fluidoterapia
aumenta chance de sobrecarga
hídrica 3,5. Dentro deste grupo,
na ausência de hipotensão, não
se recomenda bolus, mas apenas
soroterapia de manutenção.
Já em casos de hipotensão,
sugere-se administração de
até 40 ml/Kg durante a primeira
hora, com atenção para sinais
de sobrecarga hídrica, tais como
hepatomegalia ou estertoração,
porém seu reconhecimento é
particularmente difícil em
crianças 2,4,5. Crepitações são
geralmente ausentes, mesmo
no contexto de edema pulmonar
grave, e os únicos indícios de
sobrecarga podem ser aumento
de frequência respiratória e
evidência radiográfica de edema 10.
No caso de falha com fluidoterapia,
indica-se mais recentemente o uso
de epinefrina ou norepinefrina ao
invés de dopamina em acesso
central 2,4,5. É possível realizar
droga vasoativa em acesso periférico,
com devida diluição, caso o acesso
central não esteja prontamente
disponível 2,5. Em caso de falha
na ressuscitação de fluidos e
terapia vasopressora, é permitido
o uso do corticoide hidrocortisona,
devido ao seu efeito vasoconstritor
e aumento da contratilidade
miocárdica, mas questionado 2,5.
É importante atenção para os
efeitos colaterais, como hiperglicemia,
fraqueza neuromuscular e infecções
secundárias 5.
As bactérias ainda configuram
como os principais agentes etiológicos,
contudo, sua distribuição mudou
consideravelmente na era pós-vacinal,
em especial com as vacinas de
pneumococo e meningococo 9.
Atualmente é mais comumente
ocasionada por bactérias Gram
negativas nosocomiais 2,8,9,12.
A maioria dos diagnósticos
comunitários se correlaciona
com doenças respiratórias,
como pneumonia, infecções
do trato urinário e diarreia
aguda 6,7. De forma importante,
as infecções fúngicas são mais
restritas a imunocomprometidos
e prematuros, enquanto
recém-nascidos a termo
têm maior chance de herpes
vírus disseminado 9. Crianças
com quadros crônicos tratadas
em unidades hospitalares são
mais propensas a Staphylococcus
aureus resistente a meticilina
(SARM) e enterococcus resistentes
à Vancomicina 5.
Lin e colaboradores argumentam
que a epidemiologia de sepse
viral é desconhecida porque
muitos estudos epidemiológicos
não procuram informação de
infecção viral 6. Em seu estudo
epidemiológico no Sudeste Asiático,
agentes virais foram isolados em
76% das crianças com diagnostico
de sepse 6. Medeiros, por sua vez,
em hospital público paulistano,
detectou que o agente mais frequente
nas crianças com diagnóstico de
sepse foi o Vírus Sincicial Respiratório,
seguido de Staphylococcus sp 6.
O vírus COVID-19 também se configura
como importante agente viral no
cenário de sepse, porque pode levar
a inflamação aguda com injúria da
microcirculação, trombose e consumo
de fibrinogênio, coincidindo com
aumento de D-dímero. Se a inflamação
for controlada, o dano na microcirculação
pode ser estabilizado, pondo fim à
cascata apoptótica e permitindo
recuperação da resposta inata e função
pulmonar 13.
Uma vez estabelecido que a maioria
dos quadros sépticos são provocados
por bactérias, a coleta de culturas
e antibioticoterapia racional são
imprescindíveis 2,3,4,5,7,8. As
hemoculturas podem ser a única
fonte de informação que identifique
a suscetibilidade a antibióticos, apesar
da identificação do foco não ser
possível ou não estar corretamente
realizada em mais de 1/3 dos pacientes 5.
De preferência, a coleta deve ocorrer
antes da infusão de antibióticos, mas
não se deve atrasar a terapia, podendo
ser coletada após em caso de dificuldade 5,6.
Entende-se que dentre os componentes
fundamentais para manejo da sepse
estão o controle do foco, utilização
terapêutica racional com antimicrobianos
e suporte de órgãos e sistemas 3.
O controle de foco é principalmente
realizado com a remoção física de
estruturas infectadas ou corpos
estranhos, remoção de sistemas
potencialmente infectados como
cateteres e drenagem de abcessos 3.
A escolha inicial do antimicrobiano
é empírica na maioria das vezes e
seu uso incorreto e indiscriminado
não só eleva a taxa de mortalidade
como também aumenta o risco
de efeitos colaterais e toxicidade
como, por exemplo, a nefro e
ototoxicidade por aminoglicosídeos,
infecção secundária por Clostridium
difficile ou fungos, aumento de
resistência antimicrobiana, além
da alteração do microbioma
humano em fase precoce de vida,
cujo impacto ainda não é bem
compreendido 5,6,8,9.
Embora haja controvérsia, ainda
se recomenda fortemente terapia
com antimicrobiano em até 1 hora
do reconhecimento em crianças
com choque séptico e em até
3 horas, se choque ausente 2,3,5.
O interessante é que os estudos
apontam que o uso isolado de
antibiótico precoce não foi associado
a redução significativa de mortalidade,
mas somente quando incluídos no
contexto de um pacote que inclui
hemocultura e bolus de fluído 6.
Para crianças previamente saudáveis
recomenda-se as cefalosporinas
de terceira geração, com Ceftriaxona
como sua principal opção, na
dose de 100 mg/Kg/dia 2,5,11.
A Vancomicina deve ser adicionada
em casos de SARM ou pneumococo
resistente a ceftriaxona 2,4. Em
imunocomprometidos ou com
sepse hospitalar inicia-se com
cefalosporina antipseudomonas
de terceira geração ou superior
(Cefepime) + Carbapenema de
amplo espectro (Meropenem)
ou uma combinação de inibidor
de Beta-lactamase/penicilina de
alcance prolongado (Piperacilina
/Tazobactam) 2,3,4.
Para quadros gripais, principalmente
durante época sazonal, a terapia
antiviral empírica deve ser iniciada
enquanto se aguarda o exame
respiratório 12. Não há evidências
de que a gravidade da sepse seja
determinante na duração ideal
de terapia, e sim o local de infecção,
tempo de eliminação de culturas
positivas e natureza do patógeno
causador 9,12. A vacinação
também colabora com a
seletividade do agente e
gravidade, podendo-se citar
que dos 5 casos de sepse
diagnosticados por Neisseria
meningitidis, responsável pela
grave meningite bacteriana,
4 foram em crianças maiores
de 3 anos com esquema vacinal
incompleto 9.
No caso de nenhum patógeno
identificado em 48 horas a terapia
empírica deve ser reavaliada,
interrompida ou a via de
administração trocada de
endovenosa para oral, visando
reduzir exposição desnecessária
2,4. O julgamento individualizado
continua importante, juntamente
com avaliação diária, uma vez
que os testes podem resultar em
falso negativo 12.
Conclusão
Conclui-se que o combate à sepse
não é fácil. O seu diagnóstico em
crianças apresenta limitações, sua
apresentação é inespecífica e a
pressão por resultados e agilidade
no atendimento pode comprometer
os resultados. Uma vez diagnosticada,
seu manejo continua evoluindo, mas
ainda se baseia em agilidade e no
equilíbrio fino na agressividade do
tratamento. A preocupação e zelo
dos pediatras aos cuidados com os
seus pacientes tem surtido efeito,
com redução da mortalidade ao
longo dos anos. Ainda é preciso
lapidar e refinar o tratamento,
incentivar a interação entre as
equipes médicas e multidisciplinares
com o objetivo final de reduzir ainda
mais os indicadores de mortalidade
por sepse e assim vencer mais este
desafio da Pediatria.
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