Obesidade na população pediátrica: epidemiologia, fatores de risco, complicações e estratégias de prevenção e tratamento
Dr. Gabriel Nakagaki Filliettaz
Médico residente em Pediatria
no Hospital e Maternidade Sepaco
A obesidade infantil emergiu como
um dos mais importantes problemas
de saúde da atualidade em diversos
países do mundo, com aumento
substancial de sua prevalência nas
últimas décadas. Dados do ano
de 2016 estimaram uma prevalência
de sobrepeso e obesidade em torno
de 40 milhões de crianças abaixo
de 5 anos e mais de 330 milhões
de crianças e adolescentes entre
5 e 19 anos [1]. Além do aumento
da própria condição, diversas
comorbidades relacionadas à
obesidade também tiveram sua
prevalência aumentada, o que
impõe não apenas elevado risco
para estas faixas etárias, como
também implica em grandes
aumentos no impacto destas
condições sobre os mais
diversos sistemas de saúde
pelo mundo [2].
Diversas condições podem se
apresentar como potenciais
fatores de risco para a obesidade,
relacionadas à formação de
ambientes tanto domésticos
quanto comunitários, além de
mudanças comportamentais e
de modo de vida nas últimas
décadas [3]. Tendo em vista a
grande importância que esta
condição tem assumido na
atualidade, e os grandes riscos
que a epidemia atual impõe, o
presente documento busca
providenciar uma visão mais
ampla do sobrepeso e obesidade
em crianças e adolescentes, com
foco em seus fatores de risco,
complicações associadas, além
da abordagem de estratégias
para mitigar o problema.
Definições
De forma qualitativa, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) define
sobrepeso e obesidade como um
acúmulo anormal e excessivo de
gordura corporal, com apresentação
de risco para a saúde. Para a prática
clínica de rotina, são utilizadas
medidas antropométricas simples
como ferramentas de triagem.
O índice de massa corpórea (IMC)
funciona como medida indireta da
gordura corporal do indivíduo analisado.
O padrão de crescimento da OMS,
estabelecido em curvas de Z-score
em 2006, é recomendado para
crianças de 0 a 5 anos, além de
crianças e adolescentes de 5 a 19 anos.
Pelas definições, para crianças de 0
a 5 anos define-se sobrepeso como
valor IMC 2 desvios padrões acima
da mediana do IMC para determinada
idade e obesidade, 3 desvios padrões
acima. Para crianças e adolescentes
de 5 a 19 anos, sobrepeso é definido
como valor de IMC 1 desvio padrão
acima da mediana para idade e
obesidade, 2 desvios padrões acima.
Epidemiologia
Cerca de um terço das crianças
e adolescentes que vivem nos
Estados Unidos são classificadas
como acima do peso ou obesos,
com uma prevalência crescente
com o aumento da faixa etária.
Considerando apenas o sobrepeso,
na faixa etária pré-escolar (2 a 5 anos),
cerca de 22,8% apresentam a condição,
enquanto entre os escolares
(6 a 11 anos) cerca de 34,2%,
e entre adolescentes (12 a 19 anos)
cerca de 34,5%. Considerando a
obesidade, 8,4% dos pré-escolares,
17,7% dos escolares e 20,5% dos
adolescentes apresentam a condição [2].
Globalmente, as tendências de
aumento de sobrepeso e obesidade
também são verificadas. Considerando-se
a população de crianças menores
de 5 anos, observa-se aumento da
prevalência de sobrepeso de 4,8%
em 1990 para 5,9% em 2018, levando-se
em conta dados de regiões de baixa
e média renda [1]. Quanto à prevalência
de obesidade, observa-se aumento
de 3,9% em 1980 para 7,2% em
2015 [1]. Enquanto dados mais
recentes têm demonstrado uma
tendência à estabilização da
prevalência de sobrepeso
e obesidade, a prevalência de
obesidade grave tem demonstrado
tendência de aumento,
particularmente em populações
de maior risco [4].
Fatores de risco
A obesidade, frequentemente,
é transmitida entre membros
de uma família. A contribuição
de fatores endógenos, como a
genética, entretanto, é difícil de
avaliar, pois as famílias também
compartilham outros fatores,
como o ambiente doméstico
e comunitário, além do modo
de vida. Embora a maioria dos
casos de obesidade seja por
fatores exógenos, uma pequena
proporção de casos pode ter
fatores endógenos relacionados.
As principais condições genéticas
que favorecem a instalação de
obesidade são a trissomia do
21 e a síndrome de Prader-Willi,
entre outras síndromes genéticas.
Distúrbios hormonais como
hipotireoidismo, deficiência do
hormônio de crescimento, síndrome
de Cushing, dentre outros,
podem ter contribuição no
desenvolvimento de obesidade [4].
Tanto o ambiente doméstico quanto
o comunitário podem contribuir
para maior risco de desenvolvimento
da obesidade. A dificuldade para
obtenção de frutas e vegetais,
além de outros alimentos mais
saudáveis, grandes distâncias
de áreas de lazer, ambiente
comunitário violento, dentre
outros fatores, podem fornecer
estímulos para uma dieta
desbalanceada e tendência
ao sedentarismo. A nutrição
e dieta infantil ainda são
bastante discutidas quanto à
possíveis associações de alguns
alimentos e obesidade. Alimentos
positivamente associados ao
risco para sobrepeso e obesidade
incluem guloseimas com excesso
de açúcar e refrigerantes. Alguns
hábitos alimentares também
estão associados ao aumento
da obesidade. Pular refeições
como o café da manhã, refeições
fora do ambiente doméstico,
principalmente o fast food, ritmo
rápido de alimentação, porções
maiores, alimentação sem fome.
Soma-se a estas questões
comportamentais a falta de
atividade física.
Questões envolvendo os hábitos
de sono ainda apresentam poucas
evidências, mas apontam que sonos
de curta duração estão associados
a maior risco de desenvolvimento
de obesidade. Outro fator que é
uma área de pesquisa recente são
os efeitos do estresse, tanto no
curto quanto no longo prazo. Há
vários tipos de estresse que podem
afetar crianças, como o estresse
pessoal, parental e familiar, cada
um podendo contribuir com o
risco de obesidade de forma
independente ou em conjunto [4].
Complicações associadas
Considerando a natureza
pró-inflamatória da obesidade
e sua tendência à alteração
do metabolismo e fisiologia
normais do corpo, diversas
complicações e doenças
associadas podem ocorrer [5].
Crianças com obesidade têm
um risco 4 vezes maior de
desenvolverem diabetes mellitus
tipo 2 em comparação às crianças
com IMC normal para a idade.
A obesidade também confere
o mais significante aumento
de risco de desenvolvimento
de apneia obstrutiva do sono,
incluindo os diversos problemas
de desenvolvimento e riscos
de vida associados à condição.
Embora haja pouca evidência
de associação entre o aumento
da prevalência da obesidade e
da asma, a primeira condição
apresenta fortes indícios de
interferência no controle da
segunda, com maiores taxas
de exacerbação da asma em
crianças com obesidade em
relação àquelas com IMC
normal para a idade. A
obesidade é considerada
o principal fator de risco
para o desenvolvimento de
hipertensão arterial sistêmica
na faixa etária pediátrica.
Tal como a obesidade, a
hipertensão tem apresentado
aumento de sua prevalência
entre a população mais jovem,
com grande risco futuro de
complicações cardiovasculares
associadas. Estes riscos
enfatizam a importância da
prevenção da obesidade infantil.
Estratégias de prevenção e tratamento
Os fatores de risco anteriormente
relatados se aplicam de maneira
diversa às crianças em diferentes
faixas etárias, oferecendo diferentes
oportunidades de intervenção e
prevenção. Antes mesmo do
nascimento, o IMC pré-gestacional
e o ganho ponderal no pré-natal
podem influenciar no ganho
de peso da futura criança,
apresentando-se como
oportunidade de intervenção
e prevenção já no pré-natal [4].
Embora ainda não haja evidências
conclusivas do papel protetor
do aleitamento materno no
desenvolvimento de obesidade,
estudos apontam que o uso de
fórmulas infantis comparativamente
apresenta a tendência a um
maior ganho ponderal, com
diversas diretrizes recomendando
o aleitamento materno exclusivo
até os 6 meses, ou o encorajamento
ao aleitamento materno
parcial caso o exclusivo não
seja atingido [6].
Com o início da introdução alimentar,
aparece uma nova oportunidade
de prevenção, onde a orientação
quanto à composição da dieta,
considerando os diversos grupos
alimentares e a porção correta de
cada um deles, pode minimizar os
riscos de sobrepeso e obesidade.
Na fase pré-escolar e escolar, vários
estudos concentraram-se em medidas
de prevenção focadas no ambiente
escolar. Entretanto, outras pesquisas
apontaram que os meses de férias
escolares apresentam tendência
ainda maior de ganho ponderal,
sugerindo que intervenções voltadas
para o ambiente extraescolar
de estímulo à atividade física
e alimentação balanceada são
tão importantes quanto. A obesidade
grave em adolescentes está
bastante relacionada a problemas
de saúde durante a idade adulta.
Levando em conta que, em breve,
esta faixa etária será a próxima
geração de pais, torna-se uma
oportunidade de intervenção
importante, inclusive para mitigar
o risco das gerações futuras
desenvolverem obesidade.
Uma vez estabelecido o diagnóstico
de obesidade, as estratégias
de tratamento se baseiam
essencialmente na mudança
do estilo de vida. O Expert
Committee on the Assessment,
Prevention and Treatment
of Child and Adolescent
Overweight and Obesity
recomenda uma estratégia
baseada em etapas, sendo
a primeira a adoção de
determinadas medidas,
como oferecimento de
5 ou mais porções de frutas
e vegetais por dia, minimizar
ou eliminar o consumo de
produtos açucarados, limitar
o tempo de tela a duas horas
e estabelecer uma rotina de
uma hora de atividade física
por dia. A segunda etapa
envolve a participação de
equipe de nutrição, com
estruturação das dietas com
atenção à densidade energética.
A terceira etapa envolve a
adoção de equipe multidisciplinar
para estruturação de dieta
e rotina de atividade física.
A quarta etapa prevê o acionamento
de equipe especializada
no manejo de obesidade
infantil, com adoção de
medidas mais avançadas [2].
As opções de terapias medicamentosas
ainda são bastante limitadas na faixa
etária de crianças e adolescentes,
embora a pesquisa de medicações
na faixa etária adulta tenha se
mostrado promissora nos últimos
anos. Dentre as poucas opções
terapêuticas, o orlistat apresentou
resultados considerados modestos
na redução da obesidade e sobrepeso,
com muitos efeitos adversos associados,
sendo pouco usado na prática (2).
Medicações como o topiramato e
análogos de GLP-1 têm sido usados
off-label, mas apresentam estudos
com amostras pequenas ou não
controlados, necessitando mais
estudos de eficácia e segurança na
faixa etária pediátrica [2]. Tratamentos
mais avançados como cirurgia bariátrica
têm sido realizados há anos em
adolescentes em casos bastante
selecionados, com uma tendência
de aumento nos últimos anos.
Conclusão
A obesidade é uma das principais
comorbidades que vem crescendo
na vida moderna, afetando adultos,
mas aumenta de maneira preocupante
entre crianças e adolescentes. Trata-se
de uma verdadeira epidemia que afeta
o mundo atual. Os múltiplos riscos
associados à condição, tanto presentes
quanto futuros, principalmente
quando consideradas as limitadas
opções terapêuticas disponíveis
no momento presente, reforçam
ainda mais a importância da adoção
de estratégias de prevenção em
todas as idades, de forma a evitar
a instalação do sobrepeso e
obesidade em crianças e
adolescentes e suas complicações
e doenças associadas na idade
adulta, e dessa forma prevenindo
também o desenvolvimento da
condição nas futuras gerações.

Controle de alimentação infantil
(Banco de Imagens – Adobe Stock)
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