Prematuridade e desenvolvimento emocional: Trajeto possível
Patrícia Lebensold Mekler
Coordenadora do Serviço de
Psicologia do Hospital Sepaco
Roberta Gomes Moretto Polonio
Psicóloga que atua na Medicina
Fetal, Unidade Cuidados da Mulher
e UTI Neonatal do Hospital
Sepaco.
O nascimento é um momento que geralmente é celebrado, enaltecido
por todos os membros da família.
Na prematuridade ocorre um nascimento diferente, que comporta dor,
angústia, medo, decepção, ambivalência e culpa para a família. Quando
falamos de um bebê nascido prematuramente, ele pouco se parecerá
com aquele bebê idealizado, sonhado pelos pais.
Importante dar espaço de escuta e acolhimento aos pais para que
eles possam passar pelo processo de luto do filho idealizado, pois
as separações abruptas e às vezes inesperadas podem acarretar
dificuldades de vinculação com o bebê real. No contexto da
prematuridade, o bebê real é aquele bebê pequeno e que está
protegido por uma incubadora que pode significar uma barreira
entre mãe e bebê.
É comum as mães apresentarem dificuldade em ver seus bebês
em suas primeiras horas de vida. O medo do desconhecido, da perda,
de não reconhecer o filho pode criar uma defesa psíquica de evitação.
Dessa forma, é necessário intenso trabalho psíquico, para que ela consiga
estar com o seu bebê prematuro. Ainda que a mãe não esteja pronta
para esse encontro, é importante que ela saiba que terá acesso à
Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) para acompanhar e,
sempre que possível, ofertar o cuidado possível.
Nos atendimentos psicológicos realizados com mulheres que
apresentam potencial risco para parto prematuro, observa-se
uma sensação de alívio ao saber antecipadamente sobre as
rotinas da UTIN. Ter conhecimento de que o bebê, ainda que
prematuro, poderá receber seu leite, que ela terá livre acesso
ao setor, que receberá as informações clínicas do filho diariamente,
que poderá participar das visitas multiprofissionais, conhecer
a equipe que cuidará do seu filho e participar das decisões em
relação ao melhor cuidado para seu bebê, tudo isso corrobora
para potencializar a mulher em seu papel de mãe e ela realizar
a maternagem.
Por ser a prematuridade um evento crítico, gerador de medo e
ansiedade, podem surgir, por parte das mães, comportamentos
hostis dirigidos à equipe. Tais comportamentos são projeções dos
aspectos emocionais das mães (sentimentos de culpa, frustração
e rivalidade), que nesse momento não se sentem capazes de
maternar o filho, que recebe os cuidados de outras pessoas.
É interessante perceber que as mães vão se identificando com seus
filhos de uma forma adaptada ao contexto em que estão inseridos.
Muitas vezes, as mães se apresentam como “estáveis”, assim como
estão seus filhos clinicamente, “estáveis”. Iniciam com o olhar atento
aos monitores e, conforme são trabalhadas as questões emocionais,
essas mães passam a direcionar o olhar aos seus bebês. Destaca-se
que um bebê não existe psiquicamente sem a “figura materna”, ou
seja, alguém que realize o papel da materna-gem e ajude a criança
na construção do seu psiquismo. Então, além das questões clínicas,
precisamos cuidar dos laços afetivos. Freud (1) chamou de “Sua
Majestade, o Bebê” no texto “Sobre o Narcisismo, uma introdução”
para falar da importância do investimento afetivo dos pais para
com seus filhos.
Comum ouvirmos dos pais perguntas como: “mas ele vai chorar mesmo
sendo tão pequeno?”, “será que ele pode me escutar?”, “será que meu
bebê vai saber que eu sou a mãe dele?”, “posso tocar nele?”.
O toque é uma questão bastante recorrente. Em nossa cultura latina,
toque é sinônimo de afeto, amor, proximidade, conectividade.
Percebemos o medo dos pais em tocar aquele bebê tão pequeno,
frágil e desprotegido. Muitas vezes, o medo é traduzido como
forma de cuidar e de tentar proteger o filho. Os pais preferem não
tocar para não machucar o bebê.
Em situações como essas, é importante que a equipe possa perceber
e acolher esse medo, ao mesmo tempo em que mostra e incentiva que
o toque dos pais poderá acalmar o bebê e protegê-lo dos aspectos
psíquicos que envolvem as mudanças abruptas que estão acontecendo
com o recém-nascido.
Essencial é estar junto dos pais mesmo diante do desespero, do medo,
da ambivalência, da culpa e das incertezas.
De acordo com Winnicott (2), ao nascer, o bebê começa a formar
a base de sua personalidade e individualidade, descobrindo a
própria importância.
Segundo o autor, o sentido do tato é desenvolvido ainda no início da vida fetal.
Nos bebês muito prematuros, a pele é tão frágil que o toque deve ser feito
com muito cuidado.
Estudos mostram que, para prematuros com menos de 30 semanas de idade
gestacional, o toque pode ser mais estressante do que confortável. A pele
é muito fina e sensível ainda. Assim sendo, os pais poderão ser orientados
sobre como tocá-lo. Permitir que o bebê segure um dos dedos da mãe ou
do pai com sua pequena mão ou que os pais deixem uma mão sobre a cabeça
do bebê sem tocá-lo em diferentes partes do corpo, por exemplo, pode
diminuir o estresse.
Passar a ponta dos dedos em suas costas, braços ou pernas poderá ser
desconfortável, pois oferece muito estímulo para o bebê organizar,
podendo acarretar uma conduta de não aceitação desse contato, pelo
menos nesse período. Para prematuros mais velhos, com mais de 30
semanas, o toque pode ser muito útil. Tocar os prematuros estáveis
todos os dias gentilmente – mas com segurança – por um curto
período tem mostrado ser bom para o bebê, podendo, inclusive,
ajudá-lo a ganhar peso mais rápido.
Serão muitos os desafios a serem percorridos, mas com cuidado e
acolhimento o trajeto pode ser de crescimento.
A equipe assistencial é peça fundamental no alívio de sofrimento. Uma
equipe preparada para auxiliar o bebê e suas mães, que entende as
diversas manifestações dos sentimentos maternos relacionados ao
período de hospitalização do filho e ao puerpério, contribui para a
humanização do cuidado, para o acolhimento e, consequentemente,
para a diminuição de traumas. Em situações como essas, ações como
incluir a mãe nos cuidados, dar importância e credibilidade às percepções
dela sobre seu bebê podem potencializá-la em sua função materna e,
para o bebê, pode estimular um desenvolvimento emocional saudável.
Referências bibliográficas
1. Freud S. Sobre o narcisismo: uma introdução. In: Edição Standart Brasileira
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (v. XIV). Rio de Janeiro:
Imago; 1996.
2. Winnicott D. Os bebês e suas mães. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes; 2006.