Realização de ecmo veno-venosa em paciente pediátrico; relato de caso”
Luiz Guilherme Fernandes Ramos
Enfermeiro Especialista em ECMO
Resumo
Paciente com antecedente de diabetes
mellitus tipo 1 foi admitido no PA com
quadro de sepse secundário a pneumonia
comunitária, evoluiu em menos de 24h
de internação com choque séptico
e parada cardiorrespiratória, sendo
indicado o suporte de oxigenação
por membrana extracorpórea. Este foi
o primeiro caso de utilização de ECMO
por insuficiência respiratória aguda
decorrente de pneumonia em um
paciente pediátrico na nossa instituição.
Inicialmente foi utilizado o suporte
cardiopulmonar, o qual denominamos
de ECMO Veno-Arterial, e após melhora
hemodinâmica, foi modificado o suporte
para ECMO Veno-venosa com 7 dias de
suporte, fornecendo assim apenas o suporte
pulmonar. Apresentou sucesso na decanulação
após 5 dias da modificação do suporte.
Paciente com recuperação total do quadro
de pneumonia, recebendo alta hospitalar
após48 dias de internação. Estudo aprovado
pelo Comitê de Ética em pesquisa sob
o número CAAE: 63350122.1.0000.0086.
Palavra-chave: ECMO; Oxigenação; pneumonia;
diabetes mellitus tipo 1.
Introdução
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma
das patologias crônicas mais comuns
que acometem crianças e adolescentes,
sendo considerada complexa e invasiva,
o qual deve contemplar alimentação
equilibrada, regulação diária da
atividade física, uso adequado de
insulinoterapia e controle glicêmico (1).
A pneumonia é uma infecção do
parênquima pulmonar causada por
uma grande variedade de organismos
em pacientes pediátricos. Os agentes
infecciosos que causam pneumonia
em crianças incluem vírus, bactérias,
micobactérias, micoplasmas, fungos,
protozoários e helmintos. Os diagnósticos
etiológicos da pneumonia não são tão
fáceis de determinar ou tão precisos
como às vezes se supõe (2).
O diabetes tipo 1 está associado a um
risco 4,4 vezes maior de hospitalização
por pneumonia e o controle glicêmico
inadequado a longo prazo, em conjunto
com a longa duração do diabetes,
aumentam consideravelmente
o risco de hospitalização relacionada
à pneumonia. Eles demonstram risco
aumentado de hiperglicemia, imunidade
prejudicada, função pulmonar prejudicada,
microangiopatia pulmonar e comorbidades,
com o impacto relativo do diabetes
sendo maior em indivíduos sem
comorbidades. (3)
Informação do paciente
Paciente masculino, 10 anos, 36 kg, portador
de diabetes mellitus tipo 1. Deu entrada
no pronto atendimento do Hospital Sepaco
de Mogi das Cruzes, devido à tosse seca
e febre há quatro dias, evoluindo com
dor abdominal e perda de apetite.
Encaminhado ao nosso pronto atendimento
devido à piora do estado geral associado
a dispnéia, dando entrada com quadro
de sepse e velamento do hemitórax
esquerdo visualizado pela radiografia
de tórax.
Pela persistência do quadro de choque
séptico, foi necessário o aumento na
dose de adrenalina e associação de
noradrenalina e vasopressina para
manter PA adequada, totalizando um
escore inotrópico de 53. Também evoluiu
com piora ventilatória importante, com
hipoxemia refratária e acidose respiratória,
com necessidade de parâmetros
ventilatórios altos, sem melhora com
a posição prona e NO, associado a piora
radiológica importante com hipotransparência
difusa bilateral caracterizando uma
Síndrome do Desconforto Respiratório
Agudo Grave (SDRAG) com relação
PaO2/FiO2 de 35, sendo indicado a
ECMO VA (Veno-Arterial)(5).

Figura 1 – A) Radiografia de tórax de admissão hipotransparência em base esquerda. B) Radiografia de tórax após 9 horas da primeira imagem. C) Radiografia de tórax apresentando piora progressiva após 10 horas da segunda imagem. D) Radiografia de tórax após 24 horas da terceira imagem, demonstrando grave piora ventilatória.
A ECMO-VA está indicada no contexto
de choque séptico, no qual o paciente
mantém uma baixa perfusão tecidual,
a despeito das medidas clínicas
implementadas, tais como reposição
volêmica e uso de drogas vasoativas (6).
Pode ser mantida por dias a semanas,
como uma “ponte para decisão”,
que inclui o desmame após a recuperação
da função cardíaca, a conversão de
modalidade, transplante, suporte
circulatório mecânico de longo
prazo e retirada em caso de
prognóstico desfavorável (7).

Figura 2 – Diagrama de um circuito de oxigenação por membrana extracorpórea veno-arterial com canulação periférica. Sangue proveniente da veia cava superior é drenado através da canulação da veia jugular interna direita. Em seguida, o sangue passa pela bomba centrífuga e pela membrana oxigenadora, retornando pela canulação da artéria carótida comum direita para o sistema arterial.
Iniciado ECMO VA às 3h25 do dia 03/06/2022,
com canulação em artéria carótida
comum direita com cânula arterial
18fr e veia jugular interna direita
com cânula venosa 22fr, conforme
figura 2, utilizando um oxigenador
de adulto com conjuntos de tubos,
com estabilização do quadro clínico
possibilitando a suspensão total das
drogas vasoativas. Durante o dia foi
necessário realizar uma drenagem
de tórax devido a derrame pleural à
esquerda, otimizando assim o fluxo
da ECMO e o padrão ventilatório.
Conforme a necessidade, por evoluir com
lesão renal aguda decorrente do choque
séptico(8), foi iniciado em 04/06/2022
a terapia de substituição renal com
hemodiálise contínua (Prismaflex)
acoplada na ECMO pela equipe de
enfermagem especializada em ECMO
e Prisma, sem a necessidade de
introduzir um novo cateter para tal função.
Na primeira hemocultura coletada no Hospital
Sepaco de Mogi das Cruzes foi observado
o crescimento de Streptococcus Pneumoniae
com resistência à ceftriaxona sendo
escalonado o atb para cefepime. Em
09/06/2022 apresentou piora infecciosa
de foco pulmonar, com crescimento
de Pseudomonas aeruginosa com
resistência intermediária para cefepime
em secreção traqueal, sendo escalonado
novamente o antibiótico para Meropenem.
Confirmado pelo exame de ecocardiograma
melhora na disfunção sistólica do ventrículo
esquerdo, apresentando assim hipertensão
arterial, sendo optado a conversão de
ECMO VA para ECMO VV (Veno-Venosa)
no dia 10/06/2022, com passagem de
uma cânula venosa 17 fr em veia femoral
esquerda, retirada das cânulas de carótida
e jugular direita, com passagem de uma
cânula arterial 20 fr em veia jugular
direita, conforme apresentando na figura 3.
As indicações da ECMO VV são classicamente
divididas em insuficiência respiratória
hipoxêmica e insuficiência respiratória
hipercápnica(6). As diretrizes brasileiras
de ventilação mecânica indicam ECMO
VV nos casos de hipoxemia refratária,
definida como relação entre pressão
parcial de oxigênio e FiO2 (PaO2 /FiO2)
<80, com FiO2 > 80% após realização
de manobras adjuvantes e de resgate
para SDRA grave por, pelo menos, 3 horas.
Nos casos de insuficiência respiratória
hipercápnica, as diretrizes brasileiras
estabelecem como critério para
utilização da ECMO a presença de
hipercapnia com manutenção do pH
em valores ≤ 7,20, com frequência
respiratória (FR) de 35rpm e volume
corrente entre 4 a 6mL/kg de peso
predito, obrigatoriamente com
pressão de distensão ≤ 15cmH2O(9).

Figura 3 – Diagrama de um circuito de oxigenação por membrana extracorpórea veno-venosa com canulação periférica. Sangue proveniente da veia cava inferior é drenado através da canulação da veia femoral direita. Em seguida, o sangue passa pela bomba centrífuga e pela membrana oxigenadora, retornando pela canulação da veia jugular interna direita para o sistema venoso.
Dia 15/06/2022, às 9h50, foi realizada
a retirada de ECMO VV, após passar
em todos os testes de autonomia,
com melhora radiográfica e ventilatória
e aumento gradativo do volume corrente.
Observado piora no perfil infeccioso,
sendo necessário uma nova drenagem
de tórax em 25/06/2022 e uma toracotomia
higiênica com decorticação pulmonar
à esquerda, em 29/06/2022. Após os
procedimentos, apresentou nova melhora
ventilatória, evoluindo para extubação
programada, após teste de respiração
espontânea, com sucesso, em 06/07/2022.
Iniciado suporte de cateter de alto fluxo,
com boa evolução e suspensão em
09/07/2022.
Devido à dificuldade de manejo de sedação
durante o suporte de ECMO, foi necessário
o revezamento de medicações, em razão
de algumas medicações não serem
compatíveis com o circuito de ECMO(10).
Ainda assim apresentou diversos quadros
de delirium importantes, sendo necessário
o resgate medicamentoso de horário
e tratamento adequado para síndrome
de abstinência medicamentosa.
Ao exame físico, verificou-se o desenvolvimento
de Síndrome de Horner intermitente à direita,
apresentando ptose palpebral do olho direito,
com miose e anisocoria, quando realizada
tensão muscular em região cervical direita,
provavelmente relacionada à canulação
de vasos cervicais. Realizada ressonância
magnética cervical, que não visualizou
alteração de fluxo sanguíneo em artéria
carótida ou compressão de nervos(11).
Observados episódios de alterações
glicêmicas, resultando em cetoacidose
diabética, com ajustes de insulina regular
contínua e expansão volumétrica, sendo
possível retornar à sua condição anterior
quando reintroduzida a alimentação via
oral, com aceitação adequada.
Considerações finais
Paciente apresentou melhora do quadro,
sendo considerado clinicamente estável
em 11/07/2022, elegível para acompanhamento
em unidade de internação pediátrica, realizado
visita multidisciplinar de transição de cuidados
em 13/07/2022 e saída de alta para Pediatria
na sequência (13/07/2022), acompanhado
dos seus pais, após uma emocionante
e comovente despedida da equipe
assistencial que participou ativamente
da sua recuperação. Equipe seguiu
acompanhando o desfecho do caso
com saída de alta hospitalar em 18/07,
sem a presença de sequelas motoras
ou neurocognitivas.
Conforme observado na figura 4, podemos
visualizar a sua trajetória clínica seguindo
a linha cronológica em relação aos fatos
ocorridos. Será realizado acompanhamento
com especialidades: Pneumologista,
Imunologista, Dermatologista,
Otorrinolaringologista, Nutricionista,
Fisioterapia e Fonoaudiologia, em
ambiente ambulatorial.
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