Terapia assistida por cães em ambiente hospitalar pediátrico no Brasil: revisão de literatura
Vanessa Cristine Rezende
Médica Residente de Pediatria do Hospital e Maternidade Sepaco
Resumo
Introdução: A Intervenção Assistida por Animais é uma abordagem com objetivo orientado, estruturado e planejado que incorpora os animais às áreas da saúde, da educação e do serviço social almejando o benefício terapêutico. A Terapia Assistida por Animais melhora o compor-tamento sociorrelacional e a cognição, estimula a autoestima, reduz o isolamento social e modifica positivamente o humor, de modo que o cão é o principal animal utilizado. A hospitalização pode ser traumática para crianças, adolescentes e seus acompanhantes, e a elaboração de estratégias terapêuticas alternativas pode minimizar os sentimentos negativos. Nos últimos anos houve um aumento de interesse, divulgação e aplicação da Terapia Assistida por Animais, bem como das publicações relacionadas ao tema, possibilitando maior compreensão do assunto.
Objetivos: Analisar a influência da terapia assistida por cães no processo de recuperação de pacientes pediátricos hospitalizados, bem como a percepção das intervenções pelos profissionais de saúde envolvidos e pais ou responsáveis que acompanham crianças e adolescentes.
Métodos: Revisão de literatura de artigos científicos nacionais disponíveis na íntegra e publicados em plataformas digitais (LILACS e SciELO Brazil) entre os anos de 2016 e 2022, nos quais o animal utilizado para a terapia intra-hospitalar foi o cão.
Resultados: A maior parte das publicações foram revisões de literatura (41,6%), originárias do Estado de São Paulo (50%), não concentradas em um motivo específico de hospitalização (66,6%) e escritas por profissionais de Enfermagem e Fisioterapia (58,3%), não se identificaram estudos feitos por Pediatras ou por médicos de outras especialidades. Algumas publicações se concentraram em idades mais precoces, enquanto outras englobaram intervalos maiores, da infância à adolescência.
Palavra-chave: Terapia assistida por animais, Terapia assistida por cães, Assistência hospitalar, Hospitalização, Criança, Adolescente, Brasil
Introdução
A relação terapêutica entre humanos e animais não é recente. Na antiguidade romana já se falava sobre o poder curativo dos cães, animais considerados sagrados à época. Os primeiros trabalhos brasileiros sobre o uso terapêutico de animais datam da década de 1950, iniciados pela médica Nise da Silveira e direcionados a pacientes com transtornos psiquiátricos; na década seguinte, a Terapia Assistida por Animais começou a ser estudada internacionalmente. Um estudo feito por Ainsworth, em 1973, comparou o vínculo homem-animal ao existente entre mãe e filho, uma vez que ambos geram relações emocionais que podem interferir no desenvolvimento humano ao longo do tempo e do espaço (1).
A International Association of Human-Animal Interactions Organization (IAHAIO) define a Intervenção Assistida por Animais como a abordagem com o objetivo orientado, estruturado e planejado que incorpora os animais às áreas da saúde, da educação e do serviço social de humanos, almejando o benefício terapêutico, dentro de três modalidades (2):
• Terapia Assistida por Animais: com propósitos definidos e acompanhada por profissionais da área da saúde;
• Educação Assistida por Animais: diretamente ligada à educação e acompanhada por um professor e/ou pedagogo;
• Atividade Assistida por Animais: informal, com propósitos educacionais, motivacionais e recreacionais.
A Terapia Assistida por Animais utiliza todos os tipos de animais que possam entrar em contato com humanos sem causar-lhes perigo (cavalos, cães, coelhos, gatos, peixes…) e pode ser aplicada em todas as faixas etárias nos mais variados locais, como ambulatórios, clínicas de reabilitação, escolas, hospitais e instituições de longa permanência. Envolve cinco mecanismos de ação (3): o afetivo-relacional, que reforça o vínculo humano-animal; o estímulo psicológico, que melhora o comportamento sociorrelacional, o caráter e o cognitivo; o recreacional, que estimula a autoestima, reduz o isolamento social e modifica positivamente o humor; o psicossomático e o físico.
Entre os animais utilizados nas terapias, o cão é o principal, por apresentar afeição natural às pessoas, ser facilmente adestrado, criar respostas positivas ao toque e ter grande aceitação pelas pessoas. Existem várias associações brasileiras sem fins lucrativos que oferecem treinamentos para os animais e seus tutores e promovem visitas a diversas instituições. O animal deve estar com a saúde em dia, receber tosas periódicas, não ter contato com animais de rua e ter tomado banho menos de 24 horas antes das visitas, além de ter sido avaliado, aprovado e autorizado pela Comissão de Infecção Hospitalar. As sessões devem ter a autorização prévia do paciente, pai ou responsável, bem como do corpo clínico da unidade hospitalar a ser visitada e ocorrem junto ao treinador do cão e, pelo menos, a um profissional da equipe de saúde (1). Geralmente, as atividades envolvem acariciar o animal, conversar, ofertar petiscos, brincar, fotografar e solicitar comandos de obediência (2).
A internação hospitalar pode se tornar um processo doloroso e traumático não somente para crianças e adolescentes, mas também para os acompanhantes. A coleta e a realização de exames, a punção de acessos venosos, a dor, o ambiente e a alimentação diferentes do seu cotidiano… Vários são os fatores geradores de sentimentos negativos que podem dificultar o diagnóstico, o tratamento e a melhora do paciente. A elaboração de estratégias terapêuticas complementares pela equipe de saúde pode minimizar a dor, a angústia e o medo causados tanto pelo adoecimento em si como pelo desconhecimento quanto ao que será feito durante a hospitalização. Nos últimos anos houve um aumento do interesse, da divulgação e da aplicação da Terapia Assistida por Animais, particularmente com cães, bem como das publicações relacionadas ao tema, possibilitando maior compreensão do assunto.
Objetivos
Analisar o que foi publicado a respeito do tema nos últimos anos no território nacional, a fim de saber a influência da terapia assistida por cães no processo de recuperação de pacientes pediátricos hospitalizados, bem como a percepção das intervenções pelos profissionais de saúde envolvidos e pelos pais ou responsáveis que acompanham as crianças e os adoles-centes.
Métodos
Foi feita uma revisão de literatura por meio da busca bibliográfica de artigos científicos disponíveis na íntegra e publicados em plataformas digitais entre os anos de 2016 e 2022. As bases de dados consultadas foram a Brasil Scientific Electronic Library Online (SciELO Brazil) e a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), esta através da Biblioteca Virtual em Saúde Brasil. Optou-se por selecionar publicações nacionais e nas quais o animal utilizado para a terapia intra-hospitalar foi o cão. Um artigo datado de 2009 foi acrescentado para a fundamentação teórica sobre o tema.
Resultados
Doze artigos foram selecionados para a presente revisão. As áreas de atuação dos autores foram Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia, Ciências Biológicas, Medicina Veterinária e Terapia Ocupacional, em ordem de prevalência.
Não se encontraram estudos publicados por Pediatras ou por médicos de outras especialidades. Quanto ao tipo de publicação, foram obtidos cinco revisões da literatura (41,6%), três relatos de caso (25%), dois estudos observacionais (16,6%), uma pesquisa de intervenção (8,3%) e um estudo transversal (8,3%). A faixa etária contemplada foi abrangente; algumas publicações se concentraram em idades mais precoces (dos três meses aos cinco anos de vida), enquanto outras englobaram intervalos maiores (uma analisou dos 4 aos 16 anos e outra dos 7 aos 17 anos), envolvendo desde a infância até a adolescência. Sobre as regiões geográficas nas quais os textos foram escritos, seis se concentraram no Sudeste – todos de São Paulo (50%), quatro no Sul – três no Rio Grande do Sul e um no Paraná (33,3%), um no Nordeste – estudo em conjunto feito no Ceará e no Piauí (8,3%) e um no Distrito Federal (8,3%). Dos quatro estudos que avaliaram condições de internação específicas, três abordaram os cuidados paliativos (75%) e um, os transtornos do neurodesenvolvimento (25%); a maior parte das referências selecionadas (oito artigos) não se concentrou em um motivo específico de hospitalização.
Análise
Todos os artigos identificaram benefícios da aproximação dos pacientes com os cães, entre eles o auxílio na comunicação, a melhora do humor e a diminuição do estresse e da solidão. Considerando-se as crianças e os adolescentes, observaram-se melhora do padrão cardiovascular, redução da pressão arterial e dos níveis lipídicos, aumento da
concentração plasmática de adrenalina, ocitocina, prolactina e dopamina e diminuição dos níveis de cortisol, atuando positivamente no controle da ansiedade. Além disso, as sessões proporcionaram a socialização, a distração durante procedimentos dolorosos (1) e a redução da dor autorreferida, acarretando menor necessidade de sedoanalgesia (2, 4). O cão, desempenhando o papel de motivador social, auxiliou o desenvolvimento das
comunicações verbal, não verbal e corporal (3).
Quanto aos pais ou responsáveis, houve o reconhecimento da validade e da contribuição daterapia para o enfrentamento da hospitalização. Em um estudo observacional realizado na região Nordeste em 2016 (5), abrangendo a faixa etária entre 4 e 16 anos, mães relataram que, antes das visitas, os filhos expressavam medo, estresse e desânimo, sentimentos transformados em alegria e calma após as sessões. As acompanhantes também referiram mudanças em relação ao cuidado dos profissionais após as visitas, identificando um ambiente mais sereno e acolhedor. Inicialmente, a equipe de saúde viu as sessões como algo recreativo, não relacionado ao papel terapêutico. Colaboradores da Enfermagem, assim como os acom-panhantes, reconheceram mudanças positivas no comportamento dos adolescentes por meio de sensações de tranquilidade e alegria e na melhora da comunicação.
Os estudos não trouxeram prováveis malefícios causados pelas visitas terapêuticas nem relataram incidentes durantes as visitas, porém destacaram a importância do treinamento dos cães e de seus tutores para a atividade, da adequação aos critérios de higienização do animal e do ambiente hospitalar antes e após cada sessão, da autorização pela Comissão de Infecção Hospitalar e da comunicação prévia aos acompanhantes dos pacientes. Essas medidas facilitam às equipes de saúde readequar seu processo de trabalho – se necessário, reduzem o surgimento de focos de contaminação/infecção e minimizam possíveis reações indesejadas das crianças e dos adolescentes (como medo do animal ou recusa em receber a visita).
Durante o ano de 2021, o Hospital Sepaco realizou ações de Intervenção Assistida por cães na Unidade de Internação Pediátrica, promovidas pela Organização Não Governamental Patas Therapeutas. (figura 1).
Figura 1: Registro durante a ação da ONG em novembro de
2021 na brinquedoteca do Hospital Sepaco (Arquivo pessoal).
Conclusão
Os profissionais de saúde exercem um papel importante durante a hospitalização de um paciente, principalmente em crianças e adolescentes, sendo capazes de desenvolver e aplicar estratégias para torná-la menos desagradável por meio de um cuidado humano e individua-lizado. A Terapia Assistida por Animais, especialmente por cães, é benéfica para o doente, para seu acompanhante e para a equipe assistente, de modo que oferecem momentos alegres e descontraídos. Apesar do crescente interesse pelo tema, ainda há uma escassez de trabalhos sobre o assunto; todavia, reconhecem-se a importância e o benefício desta terapia complementar no bem-estar físico, mental e social de todos os envolvidos.Texto revisado por: Patrícia Mekler – Coordenadora do serviço de Psicologia do Hospital Sepaco
Referências bibliográficas
1. Kobayashi CT, Ushiyama ST, Fakih FT, Robles RAM, Carneiro IA, Carmagnani MIS. Desenvolvimento e implantação de Terapia Assistida por Animais em hospital universitário. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília 2009 jul-ago;62(4): 632-6. Acesso em: 8 det. 2022.
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3. Marinho JRS, Zamo R de S. Terapia assistida por animais e transtornos do neurodesenvolvimento. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, 2017;17(3):1063-83. Acesso em: 8 set. 2022.
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5. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC, et
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