A importância da saúde oral na Unidade de Terapia Intensiva
Simone de Brito Ruiz
Cirurgiã Dentista do Hospital Sepaco
A I Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, estabeleceu que a saúde bucal constitui em toda a sua complexidade parte integrante inseparável da saúde geral do nosso organismo.
Um dos problemas relacionados à internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) diz respeito à falta ou deficiência da higiene oral nos pacientes internados.
A cavidade oral é a principal porta de entrada de micro-organismos, o que a torna um lugar propício para infecções (figura 1). Infecções odontológicas e periodontais podem abrigar até 500 espécies de microflora, que, se introduzidas na corrente sanguínea, podem causar problemas em vários órgãos do corpo humano, como coração, pulmão, cérebro, rins, e em gestantes, parto prematuro e bebês com baixo peso. Dessa forma, os pacientes internados na UTI são avaliados diariamente, a fim de identificar possíveis focos de infecção de origem bucal, bem como a correlação das manifestações locais existentes com doenças sistêmicas pré-existentes.

Todos os pacientes são avaliados pela dentista do Hospital Sepaco, inclusive aqueles em ventilação mecânica (VM), e recebem orientação sobre a importância de uma higienização oral adequada.
Sabe-se que a higiene oral nos pacientes intubados é de extrema importância e que deve ser realizada em todos os plantões pela equipe de Enfermagem previamente treinada para a correta realização da técnica de higienização. Dessa forma, podemos propiciar o impedimento do acúmulo de biofilme nas superfícies orais (dentes, língua, mucosas), bem como diminuir o número de bactérias na cavidade oral, o acúmulo de secreção na orofaringe e, consequentemente, controle e redução da incidência de pneumonia nosocomial (PN) ou pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV).
Dentre as alterações de maior incidência e relevância, temos:
Cândida
A cândida é identificada com frequência nos pacientes internados. Trata-se de uma condição que pode afetar qualquer faixa etária e/ou parte da população, porém comumente a identificamos em pessoas com o sistema imunológico debilitado, em uso de corticoides inalatórios, fumantes, na presença de prótese dentária flexível, bem como em pacientes inseridos nos protocolos quimioterápicos, que possuem uma condição documentada de boca seca persistente, conhecida como xerostomia. A seguir conheça alguns sinais de candidíase oral:
• Lesões brancas, que aparecem em qualquer lugar da boca;
• Dor durante os movimentos regulares da boca;
• Sangramento, no caso de as lesões terem sido raspadas ou friccionadas;
• Rachaduras ou vermelhidão perto dos cantos da boca, no caso de usuários de dentadura;
• Boca seca;
• Perda perceptível do paladar ao comer ou beber.
Embora na maioria dos casos de candidíase oral as lesões apareçam na área mais visível da boca, elas podem se espalhar para o esôfago, podendo dificultar a deglutição ou causar a sensação de que a comida está parada na garganta. Dependendo da gravidade da infecção, podemos prescrever medicamentos antifúngicos, como comprimidos, pastilhas ou enxaguante bucal, bem como prescrever anfotericina B, que é usada com frequência para infecção por HIV em estágio avançado e infecções que se tornaram resistentes aos antifúngicos comumente utilizados.
Mucosite
A mucosite é uma inflamação da parte interna da boca e da garganta que pode levar a úlceras dolorosas e feridas nessas regiões. Sua prevalência gira em torno de 40% das pessoas que receberam algum tipo de quimioterapia. Os sintomas de mucosite variam de acordo com o local do trato gastrointestinal afetado, da saúde geral do indivíduo e do grau da mucosite. Dentre os possíveis sintomas identificados, temos:
• Inchaço e vermelhidão das gengivas e do revestimento da boca;
• Dor ou sensação de queimação na boca e garganta;
• Dificuldade para engolir, falar ou mastigar;
• Presença de feridas e sangue na boca;
• Excesso de saliva na boca.
Os sintomas destacados geralmente surgem entre cinco e dez dias depois do início do ciclo de quimioterapia e/ou radioterapia, mas podem perdurar por até dois meses, devido à diminuição da quantidade das células brancas do sangue.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), criada em abril de 1948, a mucosite pode ser dividida em cinco graus:
• Grau 0: não existem alterações na mucosa;
• Grau 1: é possível observar vermelhidão e inchaço da mucosa;
• Grau 2: existe presença de pequenas feridas e a pessoa pode ter dificuldade para ingerir sólidos;
• Grau 3: existem feridas e a pessoa apenas consegue ingerir líquidos;
• Grau 4: não é possível fazer alimentação oral, sendo necessário internamento.
A identificação do grau de mucosite é realizada pelo dentista e irá permitir direcionar o melhor tipo de tratamento. O tratamento de mucosite pode variar de acordo com os sintomas e o grau da inflamação e, em geral, serve apenas para aliviar os sintomas e o desconforto durante o dia, de forma que a pessoa possa se alimentar mais facilmente. O laser de baixa intensidade, vermelho e infravermelho, pode ser utilizado para acelerar a reparação tecidual e diminuir os sintomas de dor, bem como a adoção de práticas de higiene bucais adequadas (figuras 2 e 3).


Herpes simples
A herpes simples é uma infecção causada pelo vírus herpes humano (HSV 1 e 2) que se caracteriza pelo aparecimento de pequenas bolhas agrupadas especialmente nos lábios e nos genitais, mas que podem surgir em qualquer outra parte do corpo. Sua transmissão se dá pelo contato direto das lesões com a pele ou a mucosa de uma pessoa não infectada.
O vírus de herpes humano pode permanecer latente no organismo e provocar recidivas de tempos em tempos. A irrupção das lesões cutâneas, pequenas bolhas cheias de líquido claro ou amarelado que formam crostas quando se rompem, é precedida por alguns sintomas locais como coceira, ardor, agulhadas, formigamento e que desaparecem em uma semana, aproximadamente.
As lesões recorrentes do herpes simples são altamente contagiosas para os pacientes, suas famílias e profissionais da saúde, mesmo após alguns dias de regressão. O tratamento dessa enfermidade é feito com medicamentos antivirais que ajudam a diminuir o período de evolução da crise herpética e a progressão dos sintomas.
Gravidez
A gravidez é uma condição sistêmica onde ocorrem inúmeras mudanças fisiológicas no organismo, entre elas, alteração no equilíbrio normal da cavidade bucal.
Estudos recentes revelaram que o ambiente intrauterino, mais especificamente o fluido amniótico, é colonizado por micro-organismos orais em cerca de 70% das grávidas. Em decorrência dessas alterações, observamos uma resposta exacerbada do tecido mole causando gengivite gravídica com sinais de sangramento, e possivelmente periodontite se não forem tomados os devidos cuidados.
É de suma importância o acompanhamento das mulheres grávidas com doença periodontal, pois correm o risco de ter parto prematuro e recém-nascido com baixo peso; para isso, uma boa higiene oral, atitude simples de correta escovação, uso de fio dental e enxaguante oral e visitas periódicas ao dentista tornam-se fundamentais.
Pneumonia associada a ventilação mecânica
A PAV é a segunda infecção mais frequente nas UTIs, e sua incidência varia de 9 a 40% dentre as infecções. A aspiração de bactérias nas secreções orofaríngeas é a principal causa de pneumonia em idosos ou indivíduos imunocomprometidos, podendo surgir após 48h de intubação orotraqueal (IOT) e instituição da VM, ou 48h após a extubação. Dessa forma, o dentista diariamente deve avaliar a situação oral desse paciente, para assim notar rapidamente quaisquer alterações que possam causar complicações.
ALERTA! O descuido e a falta de informação podem ser fatores que colocam os pacientes em risco, uma vez que diversas infecções podem ser contraídas através das secreções da cavidade oral, podendo aumentar exponencialmente quando a higiene oral não é feita corretamente. Em decorrência da associação direta entre as bactérias orais e a incidência de PAV, o controle da carga microbiana oral torna-se fator relevante e possivelmente controlado com a higiene oral com clorexidina 0,12% e aspiração da cavidade oral.
COVID-19
A doença causada pelo novo coronavírus é uma enfermidade que acomete inicialmente as vias respiratórias e proporciona ao indivíduo condições clínicas variadas e sintomas diversos.
Sabe-se que o SARS-CoV-2 tem receptores específicos com os quais se liga à cavidade oral e que aparentemente, quanto maior a carga viral, maior é a gravidade da doença, o que nos permite afirmar que a diminuição da carga viral bucal pode contribuir no controle da progressão em casos graves da doença.
Sabe-se que as manifestações orais podem acontecer entre dois a 24 dias após o início do contato com o vírus. Dentre as características da COVID-19 em relação à cavidade oral é a xerostomia, a qual propiciará um ambiente promissor, tornando as mucosas orais mais friáveis e suscetíveis a lacerações e ao aparecimento de lesões. Dessa forma, tornam-se fundamentais a necessidade e a manutenção de uma cavidade oral hidratada, a fim de reter menos sujidade e, consequentemente, a redução do risco de contaminação.
A seguir destacamos as lesões mais encontradas na cavidade bucal de pacientes com COVID-19:
• Bolhas múltiplas em lábios;
• Úlceras amareladas ou avermelhadas em língua, palato, lábio e mucosas;
• Placas únicas e superficiais avermelhadas em palato;
• Candidíase.
Diante da pandemia de COVID-19 se fizeram necessárias algumas adaptações (segundo ANVISA, 2020) no protocolo de higiene oral realizado na UTI. Dentre elas, destacam-se:
- Pacientes com risco descartado para COVID-19: manter o protocolo padrão de higiene oral utilizando clorexidina a 0,12%;
- Pacientes confirmados ou com suspeita de COVID-19, traqueostomizados ou intubados: aplicar nas mucosas orais, língua, dentes e palato gaze embebida em 15 ml de peróxido de hidrogênio a 1% ou povidona a 0,2% por um minuto sempre antes de realizar a higiene oral com a clorexidina 0,12%;
- Pacientes confirmados ou com suspeita de COVID-19, conscientes e orientados em ar ambiente: realizar bochecho com 15 ml de peróxido de hidrogênio a 1% ou povidona 0,2% por um minuto antes de realizar a higiene oral com clorexidina 0,12%.
Sendo assim, para nós do Hospital Sepaco, fica claro que todo e qualquer cuidado deve ser dispensado para contribuir com a rápida e total recuperação do paciente.