Experiência da equipe de cuidados paliativos adulto no Hospital Sepaco
Marcos Eiró Miranda
Coordenador da Equipe de Cuidados Paliativos Adulto e Coordenador da Clínica Médica na Unidade de Internação
Carolina Menezes Marson
Psicóloga da Equipe de Cuidados Paliativos Adulto e Pediátrico
Resumo
Objetivo: Observa-se um crescimento do envelhecimento no Brasil, bem como o aumento de doenças crônicas. Diante disso, temos visto a necessidade de oferecer um cuidado integral até o fim da vida. Em nossa experiência, o acesso aos Cuidados Paliativos (CP) tem sido fundamental para o suporte nesta fase, mas ainda é limitado no Brasil. Descrever a experiência de implantar uma equipe de CP em um hospital de alta complexidade tem sido um desafio. Inicialmente, formou-se uma comissão institucional, composta por profissionais do hospital, para planejar, discutir, estudar e possibilitar a implantação do atendimento em CP. Elaborou-se um protocolo institucional para organização do fluxo de atendimento dos pacientes em fase avançada de doença, reformulado a partir dessa comissão. A iniciativa foi inovadora ao aplicar CP em um hospital geral privado, com resultados iniciais satisfatórios. Apresentaremos uma discussão sobre este modelo de aplicação dos CP e dos resultados já coletados.
Introdução
Nos últimos anos, temos visto um aumento de cursos, grupos, especializações e palestras focando o conceito de Cuidado Paliativo (CP), bem como exigência pelos Centros de Acreditação Hospitalar, como a Joint Commission International (JCI) e a Organização Nacional de Acreditação (ONA), de equipes de CP dentro das instituições de saúde.
Para Matsumoto, muito tem se falado nas últimas décadas de um envelhecimento progressivo da população, o aumento da prevalência do câncer e de outras doenças crônicas. Além disso, o avanço tecnológico alcançado principalmente a partir da segunda metade do século XX e o desenvolvimento da terapêutica, fizeram com que muitas doenças mortais se transformassem em crônicas, levando a longevidade dos portadores. Contudo, a morte continua sendo uma certeza, ameaçando o ideal de cura e preservação da vida, para o qual nós, profissionais da saúde, somos treinados (1).
No Hospital Sepaco e no Brasil, vê-se que os pacientes “fora de possibilidade de cura” têm sido uma realidade comum, muitas vezes recebendo invariavelmente assistência inadequada, quase sempre focada na tentativa de cura e utilizando métodos invasivos. Tais abordagens, muitas vezes, são exageradas e quase sempre ignoram o sofrimento. Por falta de conhecimento adequado, são incapazes de tratar os sintomas mais prevalentes, sendo a dor o principal deles (1).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), revisada em 2002, “CP é uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual” (2).
Portanto, ainda para Matsumoto, o CP não se baseia em protocolos, mas em princípios. Não se fala mais em terminalidade, mas em doença que ameaça a vida. Indica-se o cuidado desde o diagnóstico, expandindo nosso campo de atuação. Não falamos também em impossibilidade de cura, mas na possibilidade ou não de tratamento modificador da doença, desta forma afastando a ideia de “não ter mais nada a fazer”. Pela primeira vez, uma abordagem incluiu a espiritualidade dentre as dimensões do ser humano. A família é lembrada, e assistida também após a morte do paciente, no período de luto (1).
A equipe de CP é multiprofissional e a troca de experiência é fundamental, porém é necessário que todos procurem ter clareza sobre as possibilidades e limites do seu campo de trabalho, evitando tomar para si modelos estranhos à sua prática. Além disso, o CP demanda da equipe a habilidade de comunicar-se com profissionais de outras áreas do conhecimento.
A valorização da atuação multiprofissional se fundamenta na compreensão de que o doente sofre globalmente. Cada membro da equipe aborda o sofrimento a partir da perspectiva que seu saber lhe autoriza. O objetivo comum é o de garantir que necessidades distintas do doente, da família e da equipe possam ser reconhecidas e atendidas pela articulação de ações de diferentes naturezas.
Segundo Nunes, o conceito de “dor total” foi desenvolvido na década de 1960 pela médica inglesa Cicely Saunders e reconhece o fator emocional, bem como o social e o espiritual, como aspectos envolvido na dor ao lado a esfera orgânica. A ideia de dor total reconhece que não há um organismo biológico independente dos estados psíquicos (3).
Nunes ainda acrescenta que em CP, costuma-se ampliar a noção de “dor total” para o de “sintomas totais”, já que não é só na dor, mas também em outros sintomas (tais como ansiedade, depressão, distúrbios do sono, vômito, dispneia, etc.) que os fatores psicológicos, sociais e espirituais se fazem presentes (3).
Contextualização
Segundo o Atlas da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), os profissionais da saúde são formados com a ideia de que havia necessidade de se fazer todo esforço terapêutico pela cura de um paciente. Contudo, o processo de morrer e a morte sempre estiveram presentes e havia muita confusão com os limites terapêuticos e objetivos da assistência nessa fase. Atualmente, vê-se um melhor entendimento sobre o final de vida e dos diagnósticos que são instalados, como a terminalidade e o processo ativo de morte e através disso, pode se estabelecer o conceito de adequação do esforço terapêutico. Segundo a ANCP “a adequação do esforço terapêutico é definida pelo entendimento das necessidades de um paciente em relação ao momento em que ele se encontra na curva de determinada doença, permitindo intervenções proporcionais e que tenham o objetivo de melhora da qualidade de vida” (4).
Através de levantamento realizado pela ANCP na nova edição do Atlas de CP de 2020, observou-se que em 2018 havia no Brasil 177 serviços de CP, já em 2019 havia 190, mostrando um aumento no país de 9% destes. Ainda sinalizam que anteriormente o Brasil era classificado como nível 3a, no que tange o CP, indicando que este serviço era oferecido de forma isolada. Hoje encontramo-nos em nível 3b, significando que este serviço é oferecido de forma generalizada, possuindo maior investimento financeiro das instituições. A região Sudeste é a que conta com o maior número de serviços, seguida da região Sul. Considerando os estados isoladamente, São Paulo aparece na primeira posição com 66 serviços cadastrados, seguido por Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro (4).
O Atlas ainda ressalta que o surgimento de resoluções éticas e técnicas sobre CP reflete o aumento dessa abordagem, contudo, quando falamos em políticas públicas ainda há disparidades (4).
Considerando o levantamento acima, a ANCP ainda pontua a predominância do atendimento público: 96 serviços são públicos (50%), 69 (36%) pertencem à iniciativa privada e 26 (14%) oferecem tanto atendimento em Cuidados Paliativos pelo SUS quanto de forma particular. Para a ANCP, tais dados são um indício importante considerando que, de acordo com o último levantamento divulgado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em setembro de 2019, 47.105.097 de brasileiros (22,4%) eram beneficiários de planos privados de assistência médica. Temos, assim, mais de 163 milhões de brasileiros que dependem do oferecimento de cuidados via SUS ou da capacidade de arcar com os custos de atendimento (4).
Relato de Experiência
Em nossa instituição, a ideia de ações paliativas começou através de um protocolo desenvolvido em 2017, que não tinha o objetivo de engessar o conceito, a prática e as ações, mas sim de nortear as conversas e de possibilitar a sensibilização das equipes e da instituição para que os princípios desse cuidado pudessem acontecer neste ambiente. Alguns conceitos eram discutidos nas visitas multiprofissionais da unidade de internação adulto, diante de casos complexos, que demandavam um olhar integral. Temas foram abordados em simpósios, reuniões científicas e algumas ações práticas puderam ser realizadas com pacientes internados.
Percebendo a necessidade de uma ampliação desse olhar, das discussões, de englobar a família e o paciente no processo de tomada de decisões e sentindo o desejo deste cuidado em grande parte das equipes da instituição, em 2018 criamos a comissão de CP, constituída em grande parte por profissionais da unidade de internação adulto, com o objetivo de garantir um dia, horário e espaço fixo para discussões de conceitos e ações dentro da instituição para que uma equipe pudesse ser construída. Passamos a envolver outros profissionais e outras unidades.
A ideia das conferências e reuniões familiares ganhou corpo neste momento e o foco do cuidado após a morte foi um diferencial na Instituição, favorecendo o retorno das famílias, a possibilidade de intervenção diante de lutos complicados e a observação do que era importante melhorar em nossa assistência.
Em 2019 sentimos a necessidade de reformulação do protocolo inicial, para que este garantisse um fluxo de chamado pela equipe e trouxesse norteadores para aqueles que ainda não tivessem claros os conceitos. Ainda sentíamos a dificuldade de assumir ou participar de casos complexos diante de uma equipe não formalizada, diante de preconceitos de diversos profissionais, mas seguimos firmes e insistentes na proposta de um cuidado integral.
Aumentamos o número de reuniões científicas para discussões sobre o tema, apresentamos alguns indicadores de qualidade sobre dados já colhidos sobre este cuidado e neste momento tivemos o retorno da instituição que este projeto seria oficializado.
Em 2020, em meio a pandemia, tivemos a percepção da influência positiva que nosso trabalho teve para os pacientes com COVID-19 e sem a doença. O foco em comunicação, deliberação e controle de sintomas nortearam as condutas e garantiram a construção de vínculo e acolhimento ao sofrimento. A equipe foi oficializada e tivemos experiências marcantes, histórias complexas e oferecemos mortes dignas.
O ano de 2020 possibilitou a construção da equipe. Conseguimos garantir que as reuniões científicas se mantivessem durante todos os meses, com temas amplos sobre CP em formato online. Garantimos também reuniões de equipe duas vezes por semana, participação nas visitas multidisciplinares e treinamentos das equipes assistenciais. Percebeu-se a importância das reuniões familiares e seguimos construindo nossos indicadores de qualidade.
Nossa equipe buscou levantar os dados do que fizemos até o momento, pautado através de protocolos abertos. Neste sentido, vale ressaltar que o protocolo institucional nos serviu de norteador para encontrar os pacientes que acompanhamos desde novembro de 2017. O protocolo não foi norteador de condutas e não engessou nossa prática diante da complexidade dos casos.
Abaixo seguem os gráficos relacionados a alguns dados que já foram possíveis de ser coletados no ano de 2020 (figura 1, 2 e 3).



Observa-se que diante da Figura 1 entre janeiro e setembro de 2020 foram abertos 135 protocolos de CP adulto com a faixa etária de 81 à 90 anos, ou seja, 37% dos pacientes. Com critérios conforme doença de base, sendo 37% correspondente a síndromes demenciais e 13% de acidente vascular cerebral (fase crônica, com proporcionalidade dos cuidados com 88%); a média de permanência de internação foi de 16 dias. Já na Figura 2, foi possível observar que 40% (52) dos nossos pacientes foram de alta hospitalar e 60% (83) evoluíram para óbito. Vale considerar que destes óbitos, 59% (49) ocorreram na Unidade de Internação (UI) e 41% (34) na unidade de terapia intensiva (UTI).
A partir do mês de julho de 2020, houve a formalização da equipe de CP, com aumento expressivo do número de reuniões familiares, aumento comparativo em mais de 150% com a mesma época do ano anterior. Houve um aumento médio de 25% na instituição de diretivas antecipadas de vontade (DAV) em um maior número de pacientes, aumento médio de 25% em comparação aos seis primeiros meses do ano, com maior variabilidade de doenças relacionadas à instituição de CP e maior número de solicitação de pareceres por parte de médicos assistentes, culminando em um aumento destes casos.
Discussão
Diante do relato acima e através da literatura, o que se observa é que ainda há falhas que persistem em nosso país, estas estão relacionadas às resoluções e políticas públicas, há também grandes desafios ligados ao atendimento de crianças e adolescentes (4).
Pensando na rotina deste serviço, nota-se que, no cotidiano do trabalho, os profissionais de saúde esbarram em obstáculos ao aplicar os cuidados paliativos. Segundo a literatura, os profissionais encontram dificuldades na tomada de decisão, na comunicação com os familiares, no controle da dor, entre outros. Além disso, profissionais também relataram conflitos com a família do paciente, a morte inesperada e a impossibilidade de aliviar a dor (5,6,7).
Nota-se que a escassez de conhecimento sobre a temática e sobre os aspectos ético-legais envolvidos, as equipes, incluindo a da nossa instituição, encontraram dificuldade em indicar a abordagem paliativa e determinar os cuidados a serem efetuados. Tomando a crítica que a ANCP sinalizou, torna-se imperiosa a necessidade de elaboração de uma política nacional que respalde o cuidado ao paciente crítico em CP, ampliando discussões sobre a temática no cenário da medicina intensiva, quando vemos que a equipe é solicitada nesta unidade (8).
Comentários Finais
Diante disso, este artigo colabora para atentar para as complexidades e dificuldades de se implantar um novo serviço de CP em uma instituição, além de agregar conhecimento diante do que tem sido feito pela equipe.
Com base nisso, a proposta diante da construção desse artigo é seguir melhorando e aperfeiçoando a equipe, além de sedimentar projetos já existentes como pós-óbito em CP, reuniões científicas e reuniões familiares envolvendo a equipe multiprofissional. Melhorar a previsibilidade de plano terapêutico, com foco em redução do tempo de permanência do paciente. Aumento da sensibilização das equipes assistentes, para solicitação precoce de interconsultas. Consolidação do atendimento ambulatorial, atingindo um número cada vez maior de pacientes. Alinhamento de alternativas de desospitalização com operadoras que prestam o cuidado, com home care e hospitais de retaguarda.
Não podemos deixar de sinalizar que tudo isso se trata de um começo, que ainda segue cheio de desafios, dúvidas e muito trabalho, mas com motivação para que a assistência se torne cada dia melhor e este é o diferencial dessa equipe para a instituição: um cuidar integral, agregando valores dos pacientes e familiares, com olhar humanizado, alinhado à ética do Hospital Sepaco.
Referências bibliográficas
- Matsumoto D Y. Cuidados Paliativos: conceito, fundamentos e princípios. In: CARVALHO, R. T.; PARSONS, H. A. (Org.) Manual de Cuidados Paliativos. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), 2012. p.23-30. [Internet]. Disponível em: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/Manual-de-cuidados-paliativos-ANCP.pdf
- World health organization. Global Atlas of Palliative Care at the End of Life. S. d. 2020. [Internet]. Disponível em: http://www.thewhpca.org/resources/global-atlas-on-end-of-life-care
- Nunes LV. O papel do psicólogo na equipe. In: Carvalho RT, Parsons HA. (Org.) Manual de Cuidados Paliativos. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), 2012. p.337-340. [Internet]. Disponível em: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/Manual-de-cuidados-paliativos-ANCP.pdf
- Santos AFJ, Ferreira EAL, Guirro UBP. Atlas dos Cuidados Paliativos no Brasil 2019 (ANCP), 2020. [Internet]. Disponível em: https://api-wordpress.paliativo.org.br/wp-content/uploads/2020/05/ATLAS_2019_final_compressed.pdf
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