Impacto da pandemia no aumento de acidentes domésticos com crianças
Dra. Natália Luiz Simões
Médica residente em Pediatria no Hospital Sepaco
Resumo
Diante da pandemia de COVID-19, a necessidade de permanecer em casa se tornou uma medida importante para evitar a infecção, impondo alguns desafios às famílias – crianças e adolescentes estão todo o tempo em casa, com pais sobrecarregados com as tarefas domésticas, cuidados com os filhos e trabalhando também online em home office, sem a ajuda de babás e empregados domésticos, sem o apoio dos avós e, ainda, precisando lidar com as notícias sobre a pandemia. Com rotinas totalmente alteradas, é esperado que ocorram falhas na supervisão. Os acidentes domésticos e as injúrias decorrentes têm aumentado em número e gravidade durante a quarentena. Diante da imprevisibilidade do cenário atual com o surto do vírus avançando pelo mundo, os pais, mais do que nunca, devem se manter atentos aos cuidados com a segurança das crianças em confinamento, adequando os ambientes domésticos para evitar acidentes.
Introdução
Os acidentes ou traumas não intencionais correspondem a um grupo de situações em que a pessoa acaba por sofrer algum dano físico e/ou psíquico, por um trauma independente da ação direta de um outro. Na infância e parte da adolescência, a maioria dos acidentes acontece no local de moradia da criança e no entorno. Na grande maioria das vezes, esses traumas poderiam ser evitados com medidas simples de prevenção e proteção, no entanto, os acidentes acontecem em números assustadores e podem deixar sequelas para toda a vida (1).
Vivemos com a pandemia uma situação totalmente nova e inusitada, com escolas, empresas e locais públicos fechados. Com rotinas totalmente alteradas, as famílias tentam equilibrar trabalho, alimentação, educação, bem-estar e proteção dos filhos, sendo esperado que, além de maior ansiedade, ocorram falhas na supervisão (2). Consequentemente, os acidentes domésticos e as injúrias deles decorrentes têm aumentado em número e gravidade durante a quarentena (3).
Cada espaço da casa e cada equipamento pode ter um risco a ser reconhecido e eliminado, como as tomadas de luz, que devem ser protegidas para evitar os choques e queimaduras; as janelas, que precisam ter telas para evitar as quedas; a lavanderia e os acúmulos de águas, mesmo em baldes ou bacias, que podem resultar em afogamento das crianças pequenas (1).
Durante a pandemia, informações e notícias falsas sobre o combate ao coronavírus têm circulado nas mídias sociais, levando pessoas a tomarem medidas extremas e perigosas para a saúde, como uso de desinfetantes de superfícies na própria pele, mistura de diferentes produtos de limpeza (que podem reagir quimicamente gerando vapores tóxicos), desinfecção de alimentos com alvejantes e desinfetantes para as mãos, além de ingestão desses produtos (4).
Epidemiologia
Além do aumento no número de queimaduras relacionadas ao uso de álcool em gel, este também está associado ao aumento nos casos de intoxicação. De acordo com uma análise feita pela norte-americana Food and Drug Administration (FDA) dos dados fornecidos pela American Association of Poison Control Centers (AAPCC) e pelo National Poison Data System (NPDS), as ligações telefônicas relacionadas a casos de intoxicação por desinfetante para as mãos aumentaram 79%, comparando-se a março de 2019 e 2020. A maioria dessas chamadas se deve a exposições não intencionais em crianças de 5 anos ou menos, sendo que a ingestão de apenas uma pequena quantidade de desinfetante para as mãos pode ser potencialmente letal em uma criança pequena (10,11). Entre janeiro e março de 2020, os centros de envenenamento receberam 45.550 chamadas de exposição relacionadas a produtos de limpeza e desinfetantes, representando aumentos gerais de 20,4% e 16,4% em relação ao mesmo período em 2019 e 2018, parecendo haver uma relação temporal clara com o aumento do uso desses produtos, nas exposições e nos esforços de limpeza do período de isolamento pela COVID-19 (12).
Um estudo do Hospital Infantil da Filadélfia, publicado no periódico Journal of Pediatric Orthopedics, comparando as fraturas agudas ocorridas durante a pandemia da COVID-19 (15 de março a 15 de abril de 2020) àquelas de um período pré-pandêmico (mesma janela de tempo em 2018 e 2019) na mesma instituição, revelou um aumento na proporção de lesões ocorridas em casa (57,8 versus 32,5%) ou com bicicletas (18,3 versus 8,2%), enquanto ocorreu diminuição nas fraturas relacionadas a esportes (7,2 versus 26%) e playgrounds (5,2 contra 9%) (10).
Resultados
Principais acidentes
QUEIMADURAS
Foi observado aumento da incidência de queimaduras durante este período de quarentena, relacionado ao uso de álcool, substância que tem sido amplamente usada para a higienização de mãos, superfícies, compras ou objetos que chegam da rua (2). O dia 6 de junho foi adotado como o “Dia Nacional de Luta Contra Queimaduras”, e a Sociedade Brasileira de Queimaduras está promovendo este ano a campanha “Junho Laranja – Com fogo não se brinca” com o objetivo de conscientizar a população e profissionais de saúde quanto à necessidade e as possibilidades de evitar acidentes que possam causar queimaduras. Este ano a campanha estará voltada para as crianças, uma vez que 40% dos acidentes ocorrem nessa faixa etária (2,7).
Principais causas de queimaduras na infância e adolescência
• Queimadura térmica – são as mais frequentes nas emergências pediátricas. São divididas em: escaldamento, provocadas por líquidos superaquecidos, queimaduras causadas por fogo e chama, contato com objetos quentes e pela exposição a raios solares (7,13);
• Queimaduras químicas – por contato com substâncias químicas, como produtos de limpeza, soda cáustica, venenos, pilhas, baterias (7,13);
• Queimadura elétrica – o choque elétrico determina uma queimadura, resultante da produção de calor pelo fluxo da corrente através da resistência dos tecidos e interferência no funcionamento dos sistemas elétricos cardíaco e nervoso, por despolarização maciça de membranas celulares (2).
INTOXICAÇÃO EXÓGENA
O uso inadequado de produtos de limpeza e higienização pode provocar intoxicações com consequências leves, como eventos gastrointestinais e irritações cutâneas e oculares, até eventos graves, como cegueira, danos pulmonares, lesões no trato gastrointestinal, erosão de mucosas, convulsões, coma, danos ao sistema nervoso e até morte (4).
As crianças parecem ser as principais vítimas das intoxicações por desinfetantes para as mãos (2). Muitos desinfetantes para as mãos são disponibilizados em embalagens coloridas, com glitter e perfume, o que os torna altamente atrativos para crianças (14).
O principal local onde ocorre a exposição aos produtos de limpeza é a própria residência da criança; e a principal rota de exposição, em todas as faixas etárias, principalmente em menores de 5 anos, é a ingestão. Dentre os efeitos relacionados à exposição, os sintomas mais frequentes são os gastrointestinais, seguidos pelos oculares (15).
TRAUMA
Vários fatores podem estar relacionados a uma frequência maior de traumas dentro de casa, mesmo pensando em casas com uma infraestrutura mínima normal. As medidas de prevenção dos acidentes podem ser passivas, como são para a maioria dos riscos de acidentes envolvendo crianças, isto é, são componentes de segurança instalados em locais de risco, como os portões para impedir acesso às escadas (1).
O desenvolvimento neuropsicomotor vai dar à criança maior possibilidade de observação do mundo adulto e a capacidade de tentar imitar o que vê as pessoas fazerem à sua volta. No entanto, a relação de causa e efeito vai se desenvolver aos poucos, na dependência do que lhe é ensinado e sua capacidade de entendimento e elaboração. A proteção passiva, a fala e a demonstração paciente dos riscos para a criança é que vão dar a ela, com o crescimento, a noção do perigo e da necessidade de proteção. Mesmo assim, a sua impulsividade e o não saber avaliar todas as consequências de seus atos podem levá-la a se expor a riscos repetidamente. Os lugares mais altos, especialmente aqueles fora de sua linha de visão, serão objetos de exploração, logo ela vai tentar escalar os móveis, utensílios, janelas e sacadas. Será capaz de empurrar cadeiras, brinquedos e objetos para tentar subir e alcançar novidades que a interessaram (1).
AFOGAMENTO
O afogamento é uma das maiores causas de mortes acidentais na faixa etária pediátrica, e é preciso lembrar que a diversão que envolva atividades aquáticas deve acontecer sempre com a presença e olhar atento do adulto cuidador e com os equipamentos de segurança, como o colete salva-vidas. As atividades aquáticas em grupos podem impossibilitar a supervisão e proteção de todos. Da mesma forma, festas e reuniões com vários adultos e crianças são de maior risco, pois um pode confiar que o outro estaria cuidando e os afogamentos acontecem. Grande atenção deve ser dada em parques aquáticos e brinquedos radicais, onde além do risco de afogamentos, se somam os perigos de quedas e traumas por impacto (1,16).
A hora do banho também pode representar um risco importante dentre os casos de afogamento, tanto para bebês durante a lavagem das costas pelo responsável quanto aos lactentes e escolares deixados sozinhos no banho, principalmente em banheiras. As lavanderias também devem ser proibidas às crianças, já que uma pequena coleção de água, de 2,5 cm de altura, mesmo em um balde ou bacia, pode causar o afogamento (1,16).
ASPIRAÇÃO E ENGASGO
O engasgo ocorre quando algum alimento ou um objeto bloqueia as vias respiratórias, impedindo a respiração (1).
A partir do quarto ao quinto mês de vida, o bebê já reconhece as suas mãos e vai passar a utilizá-las, indo atrás dos objetos que lhe chamarem a atenção e tentar levá-los à boca. Os riscos de aspiração de objetos aumentam, e a atenção para com o bebê precisa ser de proteção passiva, isto é, que o ambiente esteja preparado para sua evolução e descobertas (1).
Como agir na vigência de um acidente
QUEIMADURAS
Abordagem imediata no local: Deve-se fazer o resfriamento da área lesada debaixo de água corrente fria (não é gelada) por vários minutos; retirar bijuterias ou joias que possam estar pressionando a região, antes que ocorra edema; medicar com analgésico para alívio da dor e, em seguida, cobrir a queimadura com um pano ou toalha (limpa) e se dirigir para a emergência (2).
ATENÇÃO: Nunca fure as bolhas; não utilize gelo nas lesões; não passe nenhuma substância no local e nenhum tipo de produto caseiro como sugere a crença popular, como pó de café, clara de ovo, pasta de dente ou banha, pois além de não ajudar, existe um potencial para complicações infecciosas; não toque com as mãos a área afetada (2,7).
Em caso de incêndio, peça à criança que se abaixe, coloque um pano molhado em frente ao nariz e à boca e saia do ambiente se arrastando por debaixo da fumaça (7,8,14). Se a roupa estiver em chamas: instruir a criança a deitar e rolar no chão e se possível envolver a roupa com um casaco ou toalha ou cobertor para abafar; e orientar que jamais deve sair correndo (7). A lesão inalatória é sempre considerada grave, elevando significativamente a taxa de mortalidade!
Nas queimaduras químicas, deve-se remover a substância lavando com grande quantidade de água por pelo menos 20 minutos (2,7). A suspeita de ingestão de substância corrosiva é uma emergência médica (13).
Nas queimaduras elétricas, não toque na vítima antes de desligar a energia elétrica e busque socorro imediato porque em geral são quadros graves (7).
INTOXICAÇÃO EXÓGENA
As intoxicações ocorrem em consequência da ingestão, inalação ou contato de determinadas substâncias com a pele, por exemplo: plantas tóxicas, alimentos contaminados, produtos de limpeza, remédios, soda e inseticida. Podem causar: irritação nos olhos, garganta e nariz; salivação abundante; vômito; diarreia; convulsões; asfixia; tontura e sonolência. Em caso de intoxicações, o recomendado é identificar o agente causador da intoxicação e solicitar atendimento especializado (16).
Em caso de intoxicação, ligue: Disque Intoxicação 0800 7226601. Atendimento 24 horas (16).
TRAUMA
Em situações de trauma podem ocorrer escoriações, hemorragias, fraturas ou traumas fechados.
Escoriações: Antes de manusear qualquer lesão, lave as mãos com água e sabão, ou utilize álcool em gel, se disponível. Pequenos cortes, perfurações superficiais e escoriações devem ser lavados com água e sabão neutro ou soro fisiológico, limpando o local até desaparecer qualquer sinal de sujeira. No caso de lesões profundas e cortes mais extensos, deve-se encaminhar a criança para o serviço médico (16).
A fratura ocorre quando o osso perde sua continuidade. As fraturas podem ser: abertas ou expostas, quando a pele é rompida e é possível ver o osso; fechadas ou simples, quando a pele não se rompe (16).
Na presença de uma fratura, se possível, imobilize provisoriamente a região acometida na posição encontrada, para evitar a movimentação dos fragmentos ósseos; em caso de fraturas expostas e caso haja hemorragia, é necessário tentar controlá-la com um pano limpo, que deve ser colocado sobre o local e pressionado. Em seguida, transporte a criança para um pronto-socorro ou aguarde uma equipe especializada (1,16).
Não tente colocar o osso no lugar, pois isso pode agravar o quadro; lembre-se que fraturas na região das costas e pescoço necessitam de mais atenção, sendo que a movimentação só deve ser feita por profissionais especializados. Ligue para 193 (Corpo de Bombeiros Militar) ou 192 (SAMU) (16).
Hemorragia é o extravasamento de sangue provocado pelo rompimento de vaso sanguíneo. Dependendo da gravidade, pode provocar a morte em alguns minutos. O controle da hemorragia, portanto, é prioridade. Deve-se comprimir diretamente o local usando compressa com gaze ou um pano limpo. Pode-se fazer um curativo compressivo usando compressas ou faixas elásticas. Durante todo esse processo, deve-se manter a criança calma e acordada, não oferecer comida ou bebida e mantê-la aquecida (1,16).
Em casos de hemorragias nasais, deve-se manter a cabeça reta, comprimir com os dedos a narina que sangra e não assoar. Em se tratando de grandes hemorragias e/ou caso o sangramento não cesse, deve-se acionar o atendimento de uma equipe especializada. Ligue para 193 (Corpo de Bombeiros Militar) ou 192 (SAMU) (16).
AFOGAMENTO
Em caso de afogamento, o primeiro passo é retirar a vítima da água. O socorrista deve evitar entrar na água, de preferência, deve ser lançado para o indivíduo algo em que ele possa apoiar-se para boiar. Caso tenha que entrar na água, o socorrista deve ter cuidados para que ambos (a vítima e ele) não se afoguem: leve algum objeto em que a vítima possa se apoiar, pare 2 metros antes dela e lhe entregue o material de flutuação; aborde a vítima pelas costas e use seu braço dominante para nadar e o outro para segurá-la, mantendo sua cabeça fora da água (17,18).
Após retirá-la da água, coloque-a em decúbito lateral, mantenha-a aquecida e peça ajuda ligando para 193. Aspire as secreções do nariz e da garganta da vítima para deixar suas vias respiratórias desimpedidas e facilitar a respiração. Verifique a pulsação e a respiração da vítima. Se necessário, inicie imediatamente a respiração boca a boca ou a reanimação cardíaca. Siga as instruções dadas pelo atendimento do 193. Esse tipo de socorro deve ser feito preferencialmente por pessoa treinada (17).
Nunca tente salvar uma vítima de afogamento se não tiver condições para o fazer, mesmo que saiba nadar. É preciso ser um bom nadador e estar preparado para salvar indivíduos em pânico. Lembre-se que quase metade das pessoas que se afogam sabem nadar. Portanto, se não for apto para prestar o socorro, marque o local do afogamento e procure ajuda (17,18).
ASPIRAÇÃO E ENGASGO
Se a obstrução for parcial e a criança conseguir falar e respirar parcialmente, estimule-a a tossir com o intuito de expelir o que está causando o engasgo (16).
Se a obstrução for total, poderá ser necessário executar a manobra de Heimlich: ajoelhe na altura da criança e a abrace por trás, feche a mão e a posicione com a parte do polegar acima do umbigo, execute compressões abdominais de baixo para cima, em “formato da letra J”, até que a criança consiga expelir o objeto ou perca a consciência (16).
Caso a criança fique inconsciente, inicie a reanimação cardiopulmonar até a chegada ao hospital ou do serviço de emergência: com a criança de barriga para cima em uma superfície rígida, encontre a posição no meio dos mamilos, apoie o dorso da mão na posição encontrada, sobreponha a outra mão e entrelace os dedos, iniciando as compressões (16).
Em bebês deve-se colocar a criança com a barriga para baixo em seu antebraço, sem que a mão tape a boca do bebê; deixe a cabeça do bebê mais baixa que o corpo e bata cinco vezes entre as escápulas com o dorso da mão e, em seguida, gire o bebê e faça a inspeção da cavidade oral; caso visualize algo, retire. Não faça buscas às cegas: é preciso cuidado para não introduzir ainda mais o objeto na garganta do bebê. Caso não visualize algo, ainda mantendo o bebê de barriga para cima e com a cabeça mais baixa que o tronco, efetue cinco compressões torácicas com dois dedos na linha dos mamilos, repita os procedimentos até a desobstrução ou perda da consciência (16).
Caso o bebê fique inconsciente: inicie a reanimação cardiopulmonar até a chegada ao hospital ou do serviço de emergência. Nos bebês, a compressão deve ser feita com dois dedos no tórax, na linha dos mamilos, faça as compressões torácicas até a chegada ao hospital ou do serviço de emergência. Ligue 193 (Corpo de Bombeiros Militares) ou 192 (SAMU) (16).
Prevenção dos acidentes domésticos
QUEIMADURAS
Tome cuidado na cozinha: Use as bocas de trás do fogão e certifique-se de que os cabos das panelas estejam virados para dentro, para não serem alcançados pelas crianças. Não segurar nem manusear líquidos quentes com uma criança no colo (1,6,8). A porta do forno quente é muito atraente para os bebês que podem querer se apoiar nela, ou se enxergar (1). Não deixe crianças se aproximar ou mexer em botijões de gás (7). Mantenha fósforos, isqueiros, álcool líquido, álcool em gel, objetos de vidro e cerâmica, facas e sacos plásticos fora do alcance das crianças. Cuidado no uso de toalha comprida na mesa de jantar! As crianças podem puxá-la e, se houver algo sobre ela, como líquidos e alimentos quentes, isso pode cair em cima dos pequenos e causar graves queimaduras (1,6,7,8).
Manter o ferro de passar roupa fora do alcance. Nunca deixar o ferro esfriando no chão (4).
Teste a temperatura da água do banho com o cotovelo antes de colocar o bebê na água (1,7,8). Se for usar banheira ou baldes e bacias, coloque primeiro a água fria, depois a quente para atingir a temperatura corporal, ou seja, 36°C. Mexa bem a água, experimente a temperatura com a região de antebraço (pele mais sensível, como é a do bebê). As chupetas, assim como as mamadeiras, precisam ser esterilizadas. Antes do uso, retire a água quente do interior da mamadeira (1).
Fogueiras, churrasqueiras, braseiros e fogos de artifício não são coisas para se deixar acessíveis às crianças de nenhuma idade. Nunca manipule substâncias inflamáveis com o bebê no colo ou por perto. Não tenha produtos tóxicos, inflamáveis, nem cáusticos em casa (1). Embalagens para álcool e fósforo são certificados pelo Inmetro, portanto só compre produtos que venham com o selo do Inmetro (2).
Lembre-se que também a exposição ao sol por tempo prolongado ou em horários depois das 10 horas da manhã e antes das 16 horas, além dos efeitos do calor e de desidratação, pode determinar queimaduras importantes (1).
O uso de álcool em gel só deve ser feito com a supervisão de um adulto e quando não for possível o acesso à água e sabão para higienização das mãos. Evitar usar álcool para limpeza doméstica habitual. Há produtos que o substituem, como o hipoclorito de sódio, que é um desinfetante de superfície eficaz contra o coronavírus e não é inflamável (2,6).
Para prevenção de queimaduras elétricas: Usar protetores de tomada em todas as tomadas que não estão sendo usadas, manter aparelhos elétricos desligados das tomadas, dentro do possível encostar os móveis, escondendo as tomadas, manter fios fora do alcance das crianças, nunca deixar fios desencapados, evitar ligar vários aparelhos eletrônicos em uma mesma tomada e suspender o uso de benjamins ou extensões. Muitos aparelhos ligados no mesmo dispositivo podem causar curto-circuito; não deixe uma criança brincar com objetos metálicos que possam ser introduzidos em tomadas elétricas (1,2,6).
INTOXICAÇÃO EXÓGENA
De forma a prevenir o uso inadequado de produtos de limpeza, deve-se sempre ler e seguir as recomendações de uso nas embalagens dos produtos, evitar misturar produtos químicos, usar proteção nas mãos e olhos, garantir adequada ventilação do ambiente e guardar os produtos fora do alcance de crianças (19). Além disso, os desinfetantes para as mãos não devem ficar disponíveis para uso das crianças, sem supervisão, e as embalagens não devem ser atrativas de forma a gerar curiosidade nas crianças (4).
Mantenha os produtos de limpeza em seus recipientes originais para não confundir as crianças. Por alguns serem coloridos, elas podem pensar que é suco ou refrigerante e acabar ingerindo. Não reutilize as embalagens vazias para armazenar outro tipo de material; não dê o frasco vazio à criança como brinquedo, ela provavelmente levará à boca, o que pode causar intoxicação, mesmo que tenha uma pequena quantidade do produto (19).
Informe-se sobre quais plantas são venenosas para crianças. Se em sua casa houver alguma dessas espécies, remova-a ou deixe-a em local inacessível para as crianças (16).
Procure manter medicamentos, vitaminas, produtos de higiene e de beleza longe do alcance das crianças (1).
TRAUMA
Nunca deixe o bebê sozinho no trocador ou em locais altos, como na cama; essa costuma ser a primeira queda do bebê e, por ter a cabeça bastante volumosa em relação ao resto do corpo, ela chegará primeiro ao chão, podendo causar traumatismos cranianos e encefálicos graves. As escadas devem ser protegidas com barreiras fixas, como portões e grades, nas duas extremidades. O andador não deve ser usado, nunca, em nenhuma idade. Tanto ele prejudica o desenvolvimento e o andar da criança, como tem sido causa de graves acidentes com traumatismos cranianos significativos! Se você estiver carregando o bebê no colo, nas escadas e degraus, apoie-se sempre no corrimão. Evite pisos lisos, molhados ou escorregadios (1).
Coloque telas nas janelas, sacadas e vãos desprotegidos, como laterais de escadas. Não deixe objetos, cadeiras, sofás e outros apoios próximos desses lugares de risco, eles podem ser usados para escalar. Use protetores para os móveis com quinas afiadas, fixe à parede televisores e móveis que possam tombar sobre a criança. Não deixe toalhas ou tecidos pendentes nas mesas; a criança poderá tentar se apoiar neles e puxar tudo que está em cima da mesa ou do móvel por cima dela. Cuidado com superfícies molhadas e escorregadias que provocam o desequilíbrio e as quedas. O banheiro, pisos em geral e calçadas em volta de piscinas que estejam molhados devem ser proibidos para brincadeiras. Brincadeiras com água são divertidas, mas uma poça no meio do jardim pode esconder perigos, principalmente se estiver por lá há muito tempo. Cuidado com animais, mesmo considerados domésticos: as atitudes da criança e a invasão do território considerado pelo animal como seu podem desencadear ataques e grandes lesões (1).
Escolha brinquedos de locomoção, como triciclos, patinetes e skates, que tenham uma base segura que não tombem com facilidade e que suportem o peso da criança. Devem ser utilizados em locais apropriados, e sempre com os equipamentos de segurança, como capacete, joelheiras, tornozeleiras e cotoveleiras, independentemente do local, trecho ou tempo de uso. A exploração de lugares além da casa pode se tornar intensa, e as quedas de muros, lajes, árvores e brinquedos em parques é comum, portanto a orientação e a supervisão dos responsáveis são fundamentais (1,16).
Não permita o acesso da criança ou do adolescente a qualquer tipo de arma, branca ou de fogo (1).
AFOGAMENTO
Crianças com menos de 4 anos devem sempre estar usando um colete salva-vidas de tamanho apropriado. Nunca deixe a criança sozinha perto ou dentro em piscinas, praias ou outros lugares com coleções de água, ainda que naturais, mesmo com o uso de proteção com coletes salva-vidas (nunca boias ou outros equipamentos), sem a supervisão de um adulto; mesmo se tratando de crianças que sabem nadar, o risco de afogamento não desaparece. Evite o uso de brinquedos que boiam na água com a criança em seu interior, pois podem virar e a criança ficará submersa; mesmo uma criança maior, de 4 a 5 anos, não consegue desvirá-los. Evite brincar de empurrar, dar “caldo” dentro da água ou simular que está se afogando. Esvazie piscinas infantis após o uso e guarde-as longe do alcance das crianças. As piscinas ou coleções de água domésticas devem ter cerca de bloqueio em toda a sua volta, acima de 150 cm de altura, com portão mantido com trava de segurança (1,16).
Nunca deixe seu bebê sozinho na banheira. Cuidado quando for virá-lo para lavar suas costas – preste atenção para que o rosto do bebê não encoste na água e ele aspire essa água. Nunca deixe a criança tomando banho, principalmente na banheira, sem supervisão de um adulto (1,16).
A lavanderia deve ser proibida para bebês e crianças. Uma pequena coleção de água, de 2,5 cm de altura, mesmo em um balde ou bacia, pode causar o afogamento – não os deixe acessíveis ao bebê (16).
ASPIRAÇÃO E ENGASGO
Sempre verifique a certificação dos brinquedos, pois ela visa evitar possíveis riscos que, mesmo não identificados pelo público, podem surgir no uso normal ou por consequência de uso indevido do brinquedo. Assim, ao escolher brinquedos, considere a idade e a habilidade da criança e busque sempre o selo do Inmetro. Periodicamente, realize uma inspeção nos brinquedos das crianças para verificar seu estado e se eles não apresentam riscos aos pequenos (1,16).
Tenha certeza de que o piso está livre de objetos pequenos, como, por exemplo, botões, colar, brincos, bolas de gude, moedas, etc., pois, nessa fase do desenvolvimento, quase tudo que a criança pega vai à boca (1).
Nunca deixe um bebê mamando sozinho, nunca o alimente no berço ou deitado em carrinho. Mantenha sempre o bebê protegido das ações de crianças maiores. Elas podem, por exemplo, querer dividir seu alimento com o bebê, colocando pedaços na boca do pequeno (1).
Considerações finais
Os acidentes domésticos e as injúrias deles decorrentes têm aumentado em número e gravidade durante a quarentena, com uma percepção de especialistas de que representam uma ameaça maior à saúde e bem-estar das crianças do que a própria COVID-19. Devido às recomendações de isolamento social e ao funcionamento dos sistemas de saúde próximo à sua capacidade máxima, crianças que precisam de atendimento por situações graves não estão sendo levadas aos serviços de emergência, ou são encaminhadas com muito atraso em relação à ocorrência do trauma, tendo seu atendimento comprometido (20).
Todo pediatra deve orientar os pais e cuidadores sobre medidas de proteção aos traumatismos; além disso, tem a responsabilidade de participar dos debates atuais sobre o planejamento da reabertura das escolas, em conjunto com as famílias e os tomadores de decisões políticas, já que especialistas tendem à percepção de que os prejuízos da manutenção das crianças em isolamento domiciliar sobrepujam os riscos da COVID-19 (20).
A maioria dos traumas não intencionais é prevenível, basta que os responsáveis tomem providências antes que os fatos aconteçam, portanto, a melhor maneira de assegurar um ambiente saudável e seguro é a orientação e conscientização dos cuidadores (1,21).
Acidentes são evitáveis na maioria dos casos com medidas simples! Na infância a proteção é passiva, isto é, o adulto cuidador precisa saber dos riscos que estão à volta, bem como da capacidade física e mental de cada idade, para que possa oferecer um ambiente saudável e protegido, antes que algo de mal aconteça (1).
Referências bibliográficas
- Gama MAC. Prevenção de Queimaduras em Tempos de COVID-19. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Segurança. 2020. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22630b-NA_-_Prevencao_Queimaduras_tempos_Covid19.pdf.
- Bram JT et al. Where have all the fractures gone? The epidemiology of pediatric fractures during the COVID-19 pandemic. J Pediatr Orthop. 2020; 40 (8): 373-9.
- Blank D, Waksman RD. A importância das injúrias por acidentes domésticos em tempos de COVID-19. Resid Pediatr. 2020; 10 (2):1-6.
- Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Segurança. Os acidentes são evitáveis e na maioria das vezes, o perigo está dentro de casa. 2020. Disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/os-acidentes-sao-evitaveis-e-na-maioria-das-vezes-o-perigo-esta-dentro-de-casa/.
- Brasil. Ministério da Saúde. Prevenção de acidentes com crianças e adolescentes. 2017. Disponível em: http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/acidentes-e-violencias/41894- prevencao-de-acidentes-com-criancas-e-adolescentes
- Rai NK, Ashok A, Akondi BR. Consequences of chemical impact of disinfectants: safe preventive measures against COVID-19. Crit Rev Toxicol. 2020; 50 (6): 513-20.
- Sociedade Brasileira de Pediatria. Crianças e Adolescentes Seguros. Publifolha, São Paulo, 2007, 336p.
- Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), Sociedade Brasileira de Queimaduras, ONG Criança Segura Safe Kids Brasil. Casa Segura, Criança Protegida – Prevenção de acidentes domésticos com crianças e adolescentes. 2020. Disponível em: https://sbqueimaduras.org. br/material/1627.
- Sociedade Brasileira de Queimaduras. Prevenir para evitar – Manual de prevenção de queimaduras. 2018. Disponível em: https://sbqueimaduras.org.br/material/1331.
- Blank D. Segurança no Ambiente Doméstico. In: Sociedade Brasileira de Pediatria. Tratado de Pediatria. 4. ed. Barueri: Manole; 2017. p. 71-4.
- Sociedade Brasileira de Queimaduras. Covid19 – Uso indiscriminado de álcool contra o coronavírus aumenta riscos de queimaduras. 2020. Disponível em: http://sbqueimaduras.org.br/noticia/sbqcovid19–uso-indiscriminado-de-alcool-contra-o-coronavirus- -aumenta-riscos-de-queimaduras.
- Food and Drug Administration (FDA). Coronavirus (COVID-19) Update: FDA continues to ensure availability of alcohol-based hand sanitizer during the covid-19 pandemic, addresses safety concerns. White Oak, Maryland: FDA; 2020. Disponível em: https://www. fda.gov/news-events/press-announcements/coronavirus-covid-19-update- -fda-continues-ensure-availability-alcohol-based-hand-sanitizer-during.
- Silva CAM et al. Agentes químicos para desinfecção de mãos e superfícies de contato no ambiente, na prevenção de contaminação pelo SARS-CoV-2 (Novo Coronavírus) responsável pela COVID-19. SBP; 2020. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22472e-NA_-_Agentes_Quimicos_desinfeccao_na_prevencao_COVID19.pdf.
- Chang A et al. Cleaning and disinfectant chemical exposures and temporal associations with COVID-19 – National Poison Data System, United States, Janeiro-Março de 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020; 69 (16): 496-8.
- Mendonça ML, Sociedade Brasileira de Pediatria. Queimaduras. 2014. Disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/queimaduras.
- American Association of Poison Control Centers (AACPP)/ National Poison Data System (NPDS). Hand Sanitizer. 2021. Disponível em: https://aapcc.org/track/hand-sanitizer
- McCulley L et al. Alcohol-based hand sanitizer exposures and effects on young children in the U.S. during the COVID-19 pandemic. Clin Toxicol (Phila). 2020: 1-2.
- Brasil. Secretaria Nacional da Família. Secretaria Nacional dos Direitos da criança e do adolescente, Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Prevenção aos acidentes domésticos & Guia rápido de primeiros socorros. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/abril/ministerio-publica-guia-de-prevencao-a-acidentes-domesticos-e-primeiros-socorros/SNDCA_PREVENCAO_ACIDENTES_A402.pdf.
- Szpilman, D. Afogamento na infância: epidemiologia, tratamento e prevenção. Revista Paulista de Pediatria. 2005; 23 (3): 142-53. Disponível em: http://www.spsp.org.br/Revista_RPP/23-27.pdf.
- Szpilman, D. Manual dinâmico de afogamento. Disponível em: http://sobrasa.org/biblioteca/Manual_emerg_aquaticas_2012_curso_dinamico.pdf.
- Salomon, FCR; Elias, FTS. Parecer: intoxicações por desinfetantes e produtos de limpeza usados na higienização geral contra COVID 19. Brasília: Fiocruz Brasília, 2021. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/46056.