Revisão de Literatura: crise hipertensiva no paciente adulto internado – uma revisão de literatura do manejo focando na segurança do paciente não crítico

Tempo de leitura: 30 minutos

Gabriela de Souza Marques
Residente de Clínica Médica do Hospital Sepaco

Resumo
A crise hipertensiva, definida por uma elevação aguda da pressão arterial acima de 180×110 mmHg, é muito estudada em ambiente extra-hospitalar. Porém, há pouca evidência quanto ao manejo desta em pacientes internados, embora a elevação da pressão seja um evento frequente em ambiente hospitalar, e seu manejo no cotidiano de profissionais de saúde. O objetivo deste artigo é oferecer uma revisão de literatura focada nesse manejo em pacientes não críticos. Como fluxograma de manejo inicial, é importante conferir a aferição da pressão com técnica adequada, embora o método não-invasivo possa subestimar a pressão sistólica quando alta. Após confirmação, deve-se investigar possível lesão de órgão alvo aguda, que, se presente, diagnostica emergência hipertensiva e esta habitualmente indica cuidados intensivos e anti-hipertensivos venosos. Caso contrário, é classificada como urgência hipertensiva. Neste caso, é importante investigar e tratar fatores precipitantes para elevação aguda de pressão (como dor, retenção urinária e abstinência), além de realizar nova aferição após repouso. Não há evidência de benefício no tratamento agudo da urgência hipertensiva, e alguns deles podem causar danos ao paciente, causando grande variação em protocolos. Consideramos que o ambiente hospitalar permite vigilância adequada da evolução do paciente, em especial o assintomático, permitindo priorizar estratégia espectante com segurança, podendo ajustar anti-hipertensivos de longa duração em certos casos.


Introdução
Crise hipertensiva ou hipertensão aguda são termos amplos, que se referem a quadros clínicos diversos, tendo eles em comum uma elevação aguda e importante da pressão arterial (PA), em níveis que a literatura geralmente classifica acima de 180mmHg de pressão arterial sistólica (PAS) e/ou 110-120 mmHg de pressão arterial diastólica (PAD) (1,2). Esses valores seriam importantes o suficiente para causar ou piorar lesões agudas de órgãos-alvo, gerando uma preocupação na equipe de saúde com o quadro do paciente. A maioria da literatura desenvolvida em relação a essa situação se refere a pacientes ambulatoriais ou em contexto de pronto atendimento (2,3).

A elevação da PA é comum dentre pacientes hospitalizados, sejam eles portadores de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), ou não. Em uma revisão sistemática de 2011, com estudos predominantemente europeus e americanos, a prevalência de hipertensão entre os pacientes internados ficou entre 50,5% e 72%, dos quais a maioria se manteve hipertensa no follow-up após alta (4). Dessa forma, inevitavelmente, profissionais de saúde encontrarão este perfil de paciente em suas práticas clínicas.

Dentro deste contexto, foi publicada em 2010 uma pesquisa com médicos residentes de clínica médica, medicina de família e cirurgia em três universidades dos Estados Unidos, na qual 80% dos entrevistados classificaram o controle da PA no ambiente hospitalar como importante ou muito importante, tratando-a a partir de em média PAS 161-170 mmHg e PAD 101-105 mmHg. A maioria manteria na alta a prescrição hospitalar de anti-hipertensivos modificada durante a internação, para níveis discordantes de PA do paciente enquanto internado (5).

Assim, este artigo objetiva revisar a evidência para o manejo de hipertensão arterial no paciente internado, e adaptar a evidência presente para o paciente extra-hospitalar e de pronto-socorro.

Definições
1) Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS)
A hipertensão arterial sistêmica se trata de uma doença crônica não transmissível, multifatorial e caracterizada por valores persistentemente elevados de PA (1). Esta é diagnosticada através de ao menos 3 medições ambulatoriais com técnica adequada em ao menos 2 visitas, com valores ≥140 mmHg de pressão sistólica e ≥90 mmHg de pressão diastólica. Valores diferentes são aplicados para medições por meio de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA), Monitorização Residencial da Pressão Arterial (MRPA) ou Automedida da Pressão Arterial (AMPA), visualizados na tabela 1 (1,3). Segundo dados de 2013 da Pesquisa Nacional de Saúde, 21,4% a 32,3% dos adultos brasileiros são portadores de HAS (1).

Tabela 1: Critérios para diagnóstico de
Hipertensão Arterial Sistêmica


PAS = pressão arterial sistólica
PAD = pressão arterial diastólica
MAPA = monitorização ambulatorial da
pressão arterial
AMPA = automedida da pressão arterial
MRPA = monitorização residencial da
pressão arterial

Porém, esses valores são focados no paciente ambulatorial e assintomático, para determinar tratamento e manter alvos terapêuticos a longo prazo, e evitar lesões de órgãos-alvo crônicas ou progressão de doenças cardiovasculares. O tratamento desses níveis não é feito imediatamente, mas, sim, em um prazo maior, normalmente com reavaliação em cerca de um mês. Quando se trata de um paciente com quadro agudo, internado, há fatores confundidores e também causadores de elevações transitórias de PA (3).

2) Emergência hipertensiva
Emergência hipertensiva é a associação de uma PA muito elevada com uma lesão aguda e/ou progressiva de órgão-alvo e/ou risco iminente de morte que exige intervenção rápida e agressiva para redução dos níveis pressóricos (1,2,6). O valor absoluto acima de 180/110-120 mmHg é o mais comum nesta classificação, porém a velocidade de aumento da PA também é importante na sua relação com o acometimento de órgãos-alvo, em especial cerebrovascular (um bom exemplo é a crise do feocromocitoma). Os órgãos-alvo mais comumente afetados são: cérebro, coração, retina, rins, grandes vasos e microcirculação (1,2). Na tabela 2, segue apresentação clínica da emergência hipertensiva (1,2,6).

Tabela 2: Apresentações clínicas de
emergências hipertensivas


PRES = posterior reversible encephalopathy syndrome
HELLP = hemolysis, elevated liver enzymes, low platelets

3) Hipertensão acelerada ou maligna
Trata-se de uma síndrome caracterizada por uma elevação grave da PA, muitas vezes com valores acima de 200/120 mmHg, associada à retinopatia avançada, bilateral e progressiva. Esta envolve alterações importantes no exame de fundoscopia, como hemorragias, exsudatos algodanosos ou papiledema, na maioria das vezes associados a sintomas visuais, como turvação (6).

4) Urgência hipertensiva
Esta é a elevação aguda da PA para níveis acima de 180/110-120, porém, sem sinais de lesão aguda e/ou progressiva de órgãos-alvo ou risco à vida. Geralmente são oligossintomáticas ou mesmo assintomáticas. Os pacientes podem apresentar cefaleia (predominantemente posterior), dispneia, tontura ou epistaxe como sintomas mesmo sem sinais de lesão de órgãos-alvo. A abordagem dessa síndrome já não é intensiva, e tende a priorizar a normalização gradual da PA ao longo de 2 a 7 dias (1,2,6).

Este termo foi definido por precedente histórico e opinião de especialistas, porém não há estudos que indiquem propensão de urgência hipertensiva progredir para emergência, ou que indique o nível de PA que é preocupante exigindo redução rápida (3).

5) Pseudocrise hipertensiva
Esta condição se caracteriza por uma elevação transitória da PA como resposta a um estímulo físico ou emocional, que se resolve após o tratamento deste estímulo (ansiedade, dor, vertigem, síndrome do pânico, etc). Pode assemelhar-se à urgência hipertensiva, sendo importante a exclusão desses fatores causais. A Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial também inclui nesta categoria os pacientes hipertensos não tratados ou mal controlados com elevação assintomática, provavelmente crônica, da PA (1).

Esta classificação é bem didática para o raciocínio clínico da hipertensão como resposta reacional a algum estímulo, porém é controversa na literatura. Ela não foi encontrada na Diretriz do ISH ou na do ESC, ou na maioria das referências dessa revisão, geralmente classificada juntamente à urgência hipertensiva (6,7).

Sugestão de uma estratégia de abordagem
A partir dos conceitos apresentados anteriormente, visamos sugerir uma estratégia / fluxograma de abordagem do paciente hipertenso durante a internação hospitalar (tabela 3), com base principalmente em literatura focada no paciente não hospitalizado, uma vez que não há diretrizes ou recomendações específicas para o paciente internado (3).

Tabela 3: Passos para avaliação de crise
hipertensiva em pacientes hospitalizados


PAS = pressão arterial sistólica
PAD = pressão arterial diastólica
PA = pressão arterial

6) Adequação da medida
Para iniciar a abordagem do paciente, é importante flagrar o aumento da pressão arterial, de forma que se deve seguir certos parâmetros para conseguir uma medida adequada. Caso esteja muito elevada, pode ser apenas um erro de aferição ou interferência externa (tabela 4) (1,6,7,8). Algumas das condições ideais de aferição são difíceis de se obter com pacientes internados, principalmente o ambiente calmo, a posição ideal, ou até mesmo a presença de manguitos de tamanho adequado para o paciente. Deve-se adaptar o melhor possível à situação do momento.

Tabela 4: Recomendações e técnica adequada de aferição da pressão arterial pelo método auscultatório ou oscilométrico

PA = pressão arterial
PAS = pressão arterial sistêmica

PAD = pressão arterial diastólica
FA = fibrilação atrial

Um estudo retrospectivo de 2013 conduzido em um hospital de Boston, com 852 pacientes, demonstrou que as aferições de pressão arterial pelo método oscilométrico tendem a ser discrepantes em relação ao método invasivo, principalmente na PAS, superestimada quando menor que 95 mmHg e subestimada quando maior que 95 mmH, enquanto a pressão arterial média (PAM) tende a ser mais consistente (9). Um ensaio clínico pequeno com 50 pacientes na Itália comparou as aferições do método invasivo com o oscilométrico e também com o auscultatório, após treinamento feito com os profissionais de enfermagem envolvidos para garantir técnica adequada. Mesmo assim, ambos os métodos invasivos tendem a superestimar a PAS quando está mais baixa e subestimá-la quando mais alta (10). Com este dado, principalmente considerando estudos com resultados semelhantes em pacientes cirúrgicos, a orientação da maior porção da literatura é dar preferência para uma medida de pressão arterial invasiva nos pacientes em que há evidência de emergência hipertensiva, assim como em outros pacientes graves (2).

7) Avaliação clínica de lesão de órgão-alvo
É essencial avaliar o paciente para evidências de lesões agudas de órgão-alvo, uma vez que, se presentes, o paciente passa a se encaixar na classificação de emergência hipertensiva, com critérios de gravidade e indicação de observação e manejo em ambiente intensivo (1,2).

Para realizar essa avaliação de forma efetiva, deve-se começar na anamnese, verificando a presença de sintomas compatíveis com emergências hipertensivas, como sonolência, tontura, convulsões, sinais focais, dor torácica típica, turvação visual ou dispneia. Deve-se seguir com exame físico direcionado para os sintomas presentes. Caso o paciente esteja assintomático, aferição de sinais vitais seguidas de um exame neurológico básico, ausculta cardíaca e pulmonar, palpação de pulso nos quatro membros, avaliação de presença de edema e palpação abdominal devem compor exame mínimo para esse perfil de paciente (1).

O guideline da ISH de 2020 orienta como investigação complementar mínima a realização de um eletrocardiograma (ECG), exames laboratoriais contendo hemoglobina, plaquetas, creatinina, sódio, potássio, desidrogenase láctica (DHL), haptoglobina, rotina de urina e proteinúria, associadas a fundoscopia (6), enquanto o do ESC de 2018 sugere ainda fibrinogênio e teste de gravidez para mulheres em idade fértil em acréscimo aos exames anteriores. Já o UpToDate sugere ainda acrescentar radiografia de tórax (7).

Porém é controversa a necessidade dessa análise completa em pacientes assintomáticos (11). Uma série de estudos observacionais conduzidos com pacientes ambulatoriais ou de pronto-atendimentos obtiveram baixa prevalência de pacientes com alguma alteração laboratorial ou de outros exames que resultassem em hospitalização, sendo a maioria dessas alterações crônica e/ou não relacionada ao pico hipertensivo. A principal alteração se deu em função renal (1,2,3,13).

Sugestão: como nessa revisão o enfoque é o paciente hospitalizado, na falta de estudos mais concretos sobre esse cenário, uma boa orientação é um screening mínimo com ECG e rotina básica laboratorial, com hemograma completo, função renal e eletrólitos. Em pacientes assintomáticos e oligossintomáticos, coletar esta rotina após a realização dos passos 3 e 4, confirmando a urgência hipertensiva.

Exames adicionais devem ser guiados para esclarecimento de dúvida clínica e para os fatores de risco específicos do paciente. Por exemplo, pacientes com eventos coronarianos prévios ou alterações suspeitas no ECG podem se beneficiar da coleta de marcadores de necrose miocárdica e pacientes com sintomas neurológicos ou oculares devem ter a fundoscopia realizada. Na suspeita clínica de emergência hipertensiva, sugerem-se exames guiados para a lesão orgânica suspeita, como Tomografia computadorizada de crânio em suspeita de Acidente Vascular Cerebral (AVC) (1,6).

8) Fatores precipitantes (“pseudocrise hipertensiva”)
Por diversas vezes, quando o profissional de saúde é chamado para avaliar um paciente com PA elevada, há algum fator causal específico. Dessa forma é importante observar no paciente se há algum fator precipitante modificável ou tratável (tabela 5). Um bom exemplo é o paciente com dor pós procedimento que apresenta uma elevação da PA reativa. No hospital, especificamente, é importante descartar abstinências, medicações ou excesso de fluido ofertado (1,2). Caso positivo, é importante tratar a causa e reavaliar o paciente após a terapia, observando se houve queda da PA.

Tabela 5: Fatores precipitantes para elevação aguda de pressão arterial

9) Nova aferição da PA após 20 a 30 minutos de repouso
Quando se analisa as condições para uma medição adequada da pressão arterial por métodos não invasivos, presentes na tabela 4, a ausência de sintomas, ansiedade e a necessidade de manter o paciente em ambiente calmo e confortável se destacam. Dessa forma, se o paciente não apresentar sinais ou sintomas compatíveis com emergências hipertensivas, é necessário realizar nova medida antes de pensar em tratar ou ampliar a investigação.

Em um ensaio de 2008 conduzido na Argentina com 549 pacientes apresentando urgência hipertensiva, 175 (31,9%) responderam a um período de 30 minutos de repouso de forma satisfatória, chegando a níveis pressódicos menores ques 180 mmHg de PAS e 110 mmHg de PAD, não necessitando de medidas adicionais (14). Peixoto, na revisão do New England Journal of Medicine de 2019, orienta realizar nova aferição após 20 a 30 minutos em repouso em local confortável e silencioso (2).

10) Determinação da estratégia de tratamento
A primeira etapa para definir uma estratégia de tratamento de uma crise hipertensiva é sua classificação. Por definição, uma emergência hipertensiva apresenta maior risco de morbimortalidade, de forma que o paciente deve ser internado em unidade de terapia intensiva (UTI) e receber anti-hipertensivo endovenoso. Os medicamentos mais usados e disponíveis em nosso meio são: a) vasodilatadores arteriais e venosos: nitroprussiato de sódio (usado na maioria das emergências hipertensivas) e nitroglicerina (mais usada em síndromes coronarianas); b) betabloqueadores venosos (principalmente o metoprolol e esmolol); c) hidralazina (vasodilatador de ação direta usado na eclâmpsia e evitada em outras situações pelo efeito imprevisível) (1,2,3,6,7).

O alvo terapêutico geralmente é reduzir a PAM em até 20 a 25% na primeira hora, e chegar a PA de 160 x 100-110 mmHg em duas a seis horas, alcançando a normopressão em 24 a 48h (redução excessiva e rápida da PA aumenta risco de mortalidade), embora não haja evidências que a redução da PA neste caso reduza a mortalidade desses pacientes. Excetuam-se situações especiais, como no caso de AVC isquêmico sem indicação de trombólise, no qual é preconizada a hipertensão permissiva a fim de manter perfusão cerebral, uma vez que o mecanismo de autorregulação se encontra desviado para uma pressão mais aumentada (1,2,12).

Já no caso de urgência hipertensiva, há poucos dados na literatura que suportem uma estratégia específica, havendo recomendações conflitantes sobre o uso ou não de anti-hipertensivos orais para o tratamento agudo, mesmo em contexto de pronto atendimento e, caso haja tratamento, se a resolução deve ocorrer em horas ou em até sete dias. Não há evidências que demonstrem benefícios na queda rápida na PA de pacientes sem emergências hipertensivas. O uso de nifedipina de liberação rápida já é proscrito há anos, devido a quedas acentuadas da PA para abaixo da capacidade de autorregulação, que podem gerar isquemia tecidual, principalmente no sistema nervoso central (1,2,3,6,8).

Uma coorte retrospectiva publicada em 2016 no Jama e conduzida em Cleveland com pacientes apresentando urgência hipertensiva, comparou desfechos MACE entre 852 pacientes que receberam alta para casa com os 426 referenciados ao hospital, sem diferença significativa entre eles (15). Outro estudo de 2015 comparou a estratégia de tratamento com anti-hipertensivo oral (primariamente clonidina) contra ausência de prescrição de anti-hipertensivos em pacientes com urgência hipertensiva, em pacientes predominantemente afroamericanos, sem diferença significativa entre os grupos nos desfechos de readmissão em pronto atendimento e mortalidade, de forma que não houve superioridade entre as estratégias (16). A clonidina foi associada em outros estudos à redução rápida e imprevisível da PA (8). Também é importante notar que médicos tendem a focar em redução de PAS em detrimento do valor da PAD, e a redução iatrogênica desta abaixo de 65-70 mmHg demonstrou aumentar o risco cardiovascular, principalmente se a PAD anterior à terapia era normal (3).

A maioria das literaturas indicam redução da PA com medicação oral, sendo as mais comuns captopril ou clonidina, em caso de risco iminente de evento cardiovascular (como em pacientes sabidamente portadores de aneurismas cerebrais ou abdominais) (8), ou em caso de sintomas causados pela hipertensão, sendo esta última indicação mais controversa (2,3). Nesse caso, o objetivo seria reduzir em 20 a 30 mmHg na PA em algumas horas (ou redução de 25-30% da PAM) (2,8). Nos demais casos, a orientação geral é introduzir / ajustar anti-hipertensivos de longa ação e solicitar retorno ambulatorial em até sete dias (1,2,3,6,8).

Sugestão: no paciente internado, há checagem frequente de sinais vitais, de forma que é possível visualizar a PA basal do paciente e a velocidade da subida. Feito isso, pode-se adotar uma postura mais conservadora pela facilidade de acesso ao paciente. Devido à falta de evidências em relação a esse cenário, não se deve realizar tratamento agudo com anti-hipertensivos orais de ação rápida, exceto em casos de pacientes com alto risco frente a pequenas variações (portadores de aneurismas ou dissecções arteriais, por exemplo). Pode-se ajustar o esquema de anti-hipertensivos de longa duração, caso o paciente esteja com aumento persistente nos valores de PA.

11) Acompanhamento após alta hospitalar
Uma grande preocupação no follow-up dos pacientes apresentando crises hipertensivas é o risco de apresentarem um novo episódio, com reospitalização. O STAT (Studying the Treatment of Acute HyperTension), estudo observacional com pacientes apresentando emergências hipertensivas, apresentou uma taxa de mortalidade em 90 dias de 24%, e 38% dos pacientes não neurológicos foram reospitalizados, sendo quase um terço por hipertensão (17).

Pacientes com crises hipertensivas, mesmo sem lesão de órgão-alvo aguda, têm um risco cardiovascular aumentado a longo prazo, mesmo se comparado com pacientes com níveis pressóricos similares no follow-up (18). Uma coorte de um ensaio randomizado de pacientes com Acidente Isquêmico Transitório (AIT) publicado no Lancet, avaliou 2006 pacientes e observou que uma PAS isolada acima de 180 mmHg assintomática aumentava o risco de AVC em 3 anos quando comparado com ausência de PAS acima de 140 mmHg (19).

Além disso, pacientes que apresentaram um ou mais episódios de urgência ou emergêcia hipertensiva devem, por muitas vezes, ser considerados suspeitos de hipertensão secundária, se nao houver fator precipitante para o aumento pressórico, uma vez que a HAS secundária é mais comum nesse grupo de pacientes (1,2,6,7,12).

Esses fatores orientam que um seguimento de qualidade, com bom controle pressórico de longo prazo e de fatores de risco, seja feito na alta hospitalar.

Porém deve-se tomar o cuidado, em especial, com a população idosa, de não assumir que a pressão arterial ambulatorial será semelhante à hospitalar, necessitando da mesma prescrição de controle. Em uma coorte retrospectiva de 2018, publicada no BMJ, a elevação de pressão arterial no paciente internado por causas não cardíacas era muito relacionada à intensificação da prescrição de anti-hipertensivos no momento da alta hospitalar, mesmo em pacientes previamente bem controlados (20). Em outra coorte com 4056 idosos publicada em 2019 no JAMA, a intensificação nesse mesmo perfil de pacientes resultou em maior risco de readmissões e efeitos colaterais graves em 30 dias, sem reduzir eventos cardiovasculares ou níveis pressóricos de forma significativa em um ano (21).

Dessa forma, é importante avaliar as condições da elevação da pressão arterial do paciente antes de intensificar sua terapia pós-alta. Elevações assintomáticas transitórias em pacientes idosos devem ser acompanhadas por cautela em relação a essas mudanças.

Considerações finais
A hipertensão e crise hipertensiva são bem estudadas em pacientes ambulatoriais e que visitam o pronto atendimento, embora ainda haja lacunas de conhecimento. Porém, no contexto do paciente internado, faltam estudos, em especial, que envolvam urgência hipertensiva e outras elevações transitórias da PA sem caracterizar emergência hipertensiva.

Considerando que o paciente está em um ambiente controlado e com facilidade no atendimento clínico, não há indícios que elevações de PA assintomáticas sejam indicações de tratamento imediato. Deve-se, assim, verificar o valor medido, analisar o contexto clínico do paciente e procurar fatores desencadeantes, determinar a PA basal e a velocidade de ascenção da mesma, antes de decidir por uma estratégia de tratemento. Priorizar estratégias conservadoras em relação a agressivas para evitar hipoperfusão e outros efeitos colaterais das medicações pode ser preferível. Também é importante programar seguimento de longo prazo desses pacientes.


Referências bibliográficas

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