Relato de Experiência: cuidados de fisioterapia em pediatria

Tempo de leitura: 34 minutos

Cíntia Johnston
Coordenadora do serviço de Fisioterapia do Hospital Sepaco


Resumo
Objetivo: Este artigo visa descrever os cuidados de fisioterapia em Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). Método: Trata-se da opinião de especialista com mais de 20 anos de experiência na atuação em UTIP na área de fisioterapia, assim como uma breve revisão narrativa da literatura. O artigo descreve a necessidade de: avaliação dos níveis de funcionalidade (prévio e atual) da criança; organização, análise e interpretação dos dados da avaliação; o estabelecimento de metas a curto, médio e longo prazo; o desenvolvimento de um plano de intervenção apropriado para que as metas sejam alcançadas; intervenções que possam ser efetivas nesta faixa etária; reavaliação da criança e dos resultados obtidos; discussão em equipe multiprofissional; a orientação da equipe multiprofissional, do paciente, dos cuidadores e da família. Resultados: A fisioterapia para a criança gravemente doente com alterações funcionais difere daquela estabelecida para pacientes adultos, pois trata-se de uma combinação dos cuidados de uma criança normal associada à melhor estratégia de intervenção para a reabilitação. A proporção de crianças com condições crônicas e/ou alterações funcionais internadas em UTIP está em crescente aumento e, portanto, é esperado que a necessidade de reabilitação/fisioterapia também aumente. Existe claramente uma discrepância entre a necessidade e a possibilidade de cuidados de reabilitação/fisioterapia em crianças internadas em UTIP no mundo, especialmente nos países em desenvolvimento. Conclusão: As morbidades relacionadas a Síndrome Pós-Alta Hospitalar (PICS) afetam uma proporção significativa de crianças que recebem alta das UTIs. Melhorar a compreensão das morbidades físicas, neurocognitivas e psicológicas após uma doença grave na população pediátrica é imperativo para projetar intervenções para melhorar os resultados em curto, médio e longo prazo de pacientes que recebem alta da UTIP no intuito de melhorar a segurança dos cuidados à criança gravemente enferma e, consequentemente, contribuir para a diminuição das morbidades após a alta hospitalar, visando a melhora ou manutenção da qualidade de vida. 


Introdução
Este artigo aborda o tema cuidados de fisioterapia para pacientes pediátricos em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), a fim de abordar o cuidado hospitalar em situações de média e alta complexidade. A complexidade e/ou gravidade clínica desse perfil de pacientes pode limitar os cuidados e intervenções da fisioterapia, mas não os excluem.

A proporção de crianças com doenças crônicas e/ou morbidades está aumentando (aproximadamente 50% em hospitais pediátricos) (1,2), cujas consequências não estão totalmente estudadas e identificadas, assim como os números reais não estão adequadamente estimados. Briassoulis et al. (3) analisaram uma amostra de 1.629 admissões consecutivas nas UTI pediátricas gregas (período de 1996 a 2001) e identificaram que 38% das crianças admitidas apresentavam comorbidades significativas. Cremer et al. (4), em um estudo transversal incluindo pacientes neonatais e pediátricos de 45 UTI (pediátricas e/ou neonatais), com exclusão daqueles no pós-operatório, identificaram uma prevalência de 67% de crianças em situações crônicas, mesmo na disponibilização de uma equipe de reabilitação. Os autores referiram que a alta prevalência indicada pode estar relacionada com a baixa frequência de prescrição de fisioterapia motora. Neste estudo, a doença de base predominantemente foi de crianças com displasia broncopulmonar, alto escore de gravidade (PIM, Pediatric Index of Mortality), uso de ventilação pulmonar mecânica (VPM) e tempo prolongado no leito.

A decisão clínica, nesses casos, envolve uma série de etapas inter-relacionadas, que capacitam a equipe multiprofissional a planejar os cuidados e as intervenções de prevenção e de reabilitação efetivas, compatíveis com a situação clínica do paciente, com as necessidades e metas da criança e de sua família (5).

É preciso ter em mente as etapas do processo de tomada de decisões para a intervenção/tratamento em UTI. Esta deve ser iniciada pela avaliação da criança, considerando todos os sistemas (neurológico, cardíaco, respiratório, entre outros), independentemente do paciente estar em respiração espontânea ou em suporte ventilatório. Em virtude de os cuidados ou intervenções de fisioterapia incluir a manipulação da criança de alta complexidade, devem ser avaliadas a estabilidade fisiológica e a interação desses sistemas independentemente da abordagem prevista ser de cuidados gerais (p. ex., posicionamento no leito), fisioterapia respiratória ou motora.

O fisioterapeuta, como integrante da equipe multiprofissional, atua em diversas etapas da tomada de decisão, como na prevenção ou intervenção, no diagnóstico cinético-funcional, no diagnóstico diferencial, no prognóstico, na avaliação qualidade das intervenções e na implementação e avaliação de programas específicos, assim como nas orientações para a alta hospitalar e nos cuidados após a alta hospitalar. Desta forma, o objetivo deste artigo é descrever os cuidados de fisioterapia em Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP).

Aspectos da avaliação de fisioterapia da criança gravemente doente
A avaliação é um dos principais aspectos relacionados com o sucesso das intervenções a serem propostas. Em Terapia Intensiva Pediátrica, sugere-se avaliar a funcionalidade por meio da Escala de Estado Funcional Pediátrica (Tabela 1) (7), a qual auxilia a identificação precoce de alterações funcionais nesta faixa etária. As medidas de avaliação que auxiliam na detecção dos fatores de risco para alterações funcionais assim como para detecção do declínio funcional podem ser subdivididas de acordo com “o que” se pretende avaliar e com a faixa etária da criança, como por exemplo: Escores de Gravidade Clínica/Risco de óbito: PRISM, PIM 1,2,3 ou 4; Escores/Escalas para avaliação de respostas à estímulos externos: ECGM; Escores/Escalas para medida da funcionalidade global ou específica: MRC, FSS, General Moviments Score; Escala de Bayley; CIF; Escore/Escala de triagem: Escala de Denver; Questionários/Inquéritos de Qualidade de Vida: Health State UCIlity Index, Inventário Pediátrico (Pedi); Escalas que avaliam sinais de estresse pós-traumático: Escala de Impacto de Eventos Revisada das Crianças (CRIES-8); Inventário de TEPT; Escores/Escalas de Fadiga/Cansaço: Escala de Fadiga de Membros Inferiores Borg; Escala de Dispneia de Borg; Índice de Fadiga de Chalder, entre outros.

Tabela 1 – Versão brasileira da Escala de Estado Funcional para Pediatria

Prevenção e tratamento das complicações clínicas da criança gravemente doente
Aspectos relacionados com imobilidade e repouso no leito
São crianças com restrição da mobilidade aquelas submetidas à analgossedação, com lesão aguda de coluna espinal e gravemente enfermas, impossibilitadas de serem mobilizadas em virtude da instabilidade hemodinâmica. A restrição da mobilidade e a concomitante diminuição do estresse (nos tecidos e nas articulações) relacionada com a falta de exercícios físicos acometem potencialmente cada órgão e sistema do corpo, com efeitos profundos nos sistemas cardiovascular e neuromuscular. Os efeitos mais importantes da restrição da mobilidade são aqueles nos sistemas cardiovascular e cardiopulmonar, com consequente alteração do transporte de oxigênio (O2).

O posicionamento e a mobilização da criança têm efeitos importantes em sua função cardiorrespiratória e cardiovascular, o que determina uma melhora na capacidade de transporte de O2 (Tabela 2). Os efeitos da mobilização e do posicionamento da criança podem melhorar as trocas gasosas e diminuir a fração inspirada de oxigênio (FiO2) e o suporte farmacológico e ventilatório (7). Nesse contexto, são funções do fisioterapeuta avaliar, prescrever e realizar tais intervenções para otimizar as trocas gasosas e o transporte de oxigênio (O2). Vale ressaltar que esse papel se distingue daquele feito com frequência pela enfermagem, visto que esta rotina de posicionamento e mobilização, objetiva, principalmente, diminuir os efeitos adversos da imobilidade, que incluem as complicações pulmonares e alterações musculoesqueléticas.

Tabela 2 – Efeitos agudos da posição em pé e da mobilização no transporte de O2

Portanto, a restrição da mobilidade e suas consequências devem ser minimizadas. A mobilização e o posicionamento em pé devem ser maximizados para evitar as consequências negativas da imobilidade no leito, assim como o aumento do risco de morbidade associada a esses efeitos.

A mobilização (passiva, ativo-assistida, resistida) é utilizada pelos fisioterapeutas como por meio de diversos métodos para pacientes com uma ampla variedade de alterações, que incluem aqueles gravemente enfermos em UTI. Ela tem como objetivos melhorar a função respiratória (com otimização da relação ventilação/perfusão, aumento dos volumes pulmonares e melhora do clearance das vias respiratórias), diminuir os efeitos adversos da imobilidade e melhorar o nível de consciência, a independência funcional, o condicionamento cardiovascular e a condição psicológica (8). Neste contexto, é muito importante a mobilização precoce da criança, com início em até 72 horas após a internação na UTI. Visto seus benefícios globais na funcionalidade física e psicossocial (9,10).

Complicações neuromusculoesqueléticas
As crianças podem se apresentar na UTI com várias condições musculoesqueléticas de base, como resultado de um amplo espectro de causas. Os sintomas musculoesqueléticos podem se manifestar como condições potencialmente ameaçadoras à vida, como sepse, vasculite, lesões não acidentais e causas malignas, com frequência associadas a várias outras condições crônicas em pediatria, como doença inflamatória intestinal, fibrose cística, artrite e psoríase. O repouso pode determinar uma atrofia generalizada, mais evidente nos músculos antigravitacionais, como os gastrocnêmicos e o sóleos (11).

A avaliação do sistema neuromusculoesquelético deve ser específica para cada faixa etária. Na avaliação da criança que não está bem e apresenta dor localizada, é preciso caracterizá-la com uma possibilidade diagnóstica de artrite séptica ou osteomielite (12). A caracterização de um envolvimento multissistêmico é útil na identificação e necessidade de investigação de uma infecção grave ou doença maligna. Naquelas com dor difusa, as possibilidades diagnósticas são leucemia, neuroblastoma, artrite idiopática juvenil, lúpus eritematoso sistêmico juvenil, dermatomiosite e vasculite.

Uma grande variedade de doenças neuromusculares que acometem as crianças – que incluem alterações do sistema nervoso central, como paralisia cerebral e lesão de coluna espinal, alterações do neurônio motor (p. ex., atrofia muscular espinal), alterações do nervo periférico, como na doença de Charcot-Marie-Tooth, alterações da junção neuromuscular (p. ex., na miastenia congênita grave) e alterações das fibras musculares (p. ex., na distrofia muscular de Duchenne) – determina uma evolução com complicações musculoesqueléticas, das quais as mais frequentemente encontradas são as doenças neuromusculares (cifoescoliose, deformidade rotacional de ossos e displasia coxofemoral) (9-11).

A polineuropatia e a miopatia do doente grave têm sido descritas separadamente ou associadas. Bolton et al. (12) definiram a polineuromiopatia do doente grave como: “caracterizada como degeneração axônico primária das fibras nervosas motoras e sensoriais, acompanhadas por degeneração dos músculos esqueléticos como resultado de sua denervação”. Latronico et al. (8), definiram a miopatia do doente grave como: “miopatia primária aguda ocasionando fraqueza muscular e paralisia no paciente gravemente doente”.

Na UTI pediátrica, ambas as condições podem ocasionar uma morbidade significativa. Clínica e fisiologicamente similares em crianças e adultos, existe a necessidade de estudos prospectivos para caracterizar melhor a frequência, a história natural e o significado clínico da polineuropatia e da miopatia na prática pediátrica (10).

A fisiopatologia da polineuromiopatia do doente grave inclui disfunção mitocondrial, alterações na microcirculação, liberação de citocinas pró-inflamatórias, inativação dos canais de sódio nos músculos esqueléticos e aumento da expressão da calpaína. Vários são os fatores de risco para seu desenvolvimento no doente grave, como síndrome da resposta inflamatória sistêmica, sepse, hiperglicemia, corticosteroide, bloqueadores neuromusculares, aminoglicosídios, medicações, nutrição parenteral (hiperosmolaridade), imobilidade, aumento da gravidade da doença, Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), pancreatite e queimaduras, transplante de órgãos e asma (estes dois últimos podem ser fatores de risco em pediatria) (8,12).

Para o diagnóstico diferencial da fraqueza muscular nos pacientes internados em UTI, pode ser utilizada a regra mnemônica MUSCLES – M = medicações (corticosteroides, bloqueadores neuromusculares [pancurônio, vecurônio], zidovudina, amiodarona), U = não diagnosticada (alteração neuromuscular não diagnosticada: miastenias, síndrome miastênica de Lambert-Eaton, miopatias inflamatórias, miopatias mitocondriais, deficiência de maltase ácida); S = espinal (doença da coluna espinal [isquemia, compressão, trauma, vasculite, desmielinização]), C= crítico (miopatia do doente grave, polineuropatia), L = perda (perda de massa muscular [miopatia do caquético, rabdomiólise]), E = eletrólitos (alterações eletrolíticas [hipopotassemia, hipofosfatemia, hipermagnesemia]) e S = sistêmica (doença sistêmica [porfiria, síndrome de imunodeficiência adquirida – AIDS), vasculite, tóxica, paraneoplásica]) (13).

Para a avaliação dos músculos, tem sido utilizada a escala do Medical Research Council, na qual são avaliadas as extremidades superiores (flexão do punho, flexão do antebraço e abdução do ombro) e inferior (dorsiflexão do tornozelo, extensão do joelho, flexão do quadril). O escore máximo é igual a 60 (quatro membros, máximo de 15 pontos por membro) e o mínimo igual a 0 (quadriplegia) (14).

O tratamento da polineuromiopatia do doente grave é essencialmente empírico e não existem terapêuticas específicas disponíveis. A identificação da doença é importante na seleção dos pacientes com risco de falência ventilatória na tentativa de extubação traqueal. Recomenda-se evitar a terapêutica com corticosteroide e bloqueadores neuromusculares quando possível. As intervenções de fisioterapia motora aumentam a velocidade de recuperação e evita as complicações funcionais da polineuromiopatia (10,14).

O prognóstico da polineuromiopatia do doente grave está relacionado diretamente com o prognóstico da doença de base, sendo muito variável. É observada uma recuperação lenta (de semanas a meses) na maioria dos pacientes adultos e pediátricos. A fraqueza profunda pode ocasionar alteração funcional significativa a longo prazo (13).

Alterações cardiocirculatórias
À semelhança de outros sistemas, o sistema cardiovascular pode tornar-se descondicionado com a inatividade. Ocorre aumento da frequência cardíaca mesmo em repouso, assim como após um exercício submáximo. O volume sistólico em repouso diminui, mas o débito cardíaco não se altera de modo significativo. A hipotensão ortostática pode ocorrer por uma dificuldade fisiológica do organismo em reajustar a resposta venosa quando na posição em pé. Em pessoas sadias, a resposta cardiovascular se perde após três semanas de repouso no leito. Podem ser necessárias três a cinco semanas de reabilitação para o organismo adequar as respostas compensatórias quando da alteração do posicionamento (15).

Pode ocorrer hipotensão ortostática depois da lesão de coluna espinal, cujos fatores predisponentes são perda do controle do tônus simpático, alteração da sensibilidade de barorreceptores, alteração dos músculos esqueléticos, perda do condicionamento cardiovascular, alteração do balanço de água e sal e multifatorial. A hipotensão ortostática é mais comum na criança tetraplégica do que na paraplégica, sendo uma condição não apenas evidente após o período agudo após a lesão, mas persistir em um número significativo de pacientes por muitos anos (18). A mobilização padrão durante a fisioterapia (sentar ou ficar em pé) pode induzir uma diminuição da pressão sanguínea e ser acompanhada de sintomas clínicos, em virtude da hipotensão ortostática (cefaleia, zumbido, fadiga, fraqueza muscular, síncope, visão borrada). A Tabela 3 (16) sumariza os efeitos cardiocirculatórios do posicionamento (supino para em pé) do paciente.

Tabela 3 – Efeitos agudos da posição em pé e da mobilização do paciente no transporte de oxigênio.

A avaliação da função autonômica cardiovascular é essencial como ferramenta para esclarecer a função do sistema nervoso autônomo em diversas condições clínicas, no desmame da VPM, as arritmias, a morte súbita inexplicável, os distúrbios do sono e hipertensão (10).
A análise da variabilidade da frequência cardíaca é o teste de função cardiovagal mais utilizado como índice da função cardíaca parassimpática. A variabilidade batimento a batimento da frequência cardíaca é predominantemente mediada pelo nervo vago, e a amplitude dessa variabilidade com a respiração é com frequência utilizada como medida da função autonômica. Utilizam-se, também, o desvio padrão do intervalo R-R no eletrocardiograma e a relação inspiração e expiração (relação I:E). Habitualmente, os testes na beira do leito para verificar essa variabilidade com respiração profunda são realizados na posição supina, em que o tônus vagal é maior. Geralmente, o teste é realizado com seis ciclos respiratórios (15).

A prevenção e o tratamento precoce para a perda do condicionamento cardiovascular podem incluir mobilização precoce, exercícios de amplitude de movimento das articulações (ROM, range of motion), exercícios isométricos e/ou isotônicos de alongamento, posicionamento ereto na cama (se possível) e posicionamento em pé (quando apropriado) (10,14).

Alterações pulmonares
Pacientes gravemente doentes na faixa etária pediátrica, com ou sem alterações funcionais, necessitam de cuidados respiratórios em virtude de sua suscetibilidade a vários graus de morbimortalidade. As principais alterações respiratórias estão relacionadas com a fraqueza dos músculos (diafragma, intercostais e abdominais), ocasionada por repouso no leito e alterações nutricionais, e o modo de suporte ventilatório (ventilação controlada). As alterações resultantes da função respiratória que podem ser observadas são diminuição do volume corrente, do volume minuto, da capacidade vital e da ventilação voluntária máxima (17).

Quando possível, deve-se realizar medidas de prevenção, e não somente o tratamento de deformidades ou alterações funcionais. Complicações no sistema respiratório podem ser prevenidas por mobilização precoce (18), posicionamento no leito com cabeceira elevada entre 30 e 45°, depuração das secreções das vias respiratórias, exercícios com respiração profunda, vibração torácica mecânica, aumento do fluxo expiratório (para crianças com risco de hiperinsuflação pulmonar, p. ex., asma), estímulo à tosse e alongamento da musculatura respiratória.

Nas técnicas de drenagem postural, pode-se utilizar a posição prona, com significativa possibilidade de ser superior na melhora da oxigenação quando comparada à posição supina. Adicionalmente, em neonatos e crianças, pode melhorar a função respiratória e o facilitar o desempenho funcional a médio e longo prazo. Entretanto, é necessário o monitoramento cardiorrespiratório contínuo do paciente nas trocas dos decúbitos e durante a posição prona (19).

Uma das complicações respiratórias mais frequentes em pacientes pediátricos com doenças crônicas, especialmente aqueles com doenças neurológicas, é a aspiração de conteúdo gástrico para os pulmões. A aspiração crônica determina inflamação das vias respiratórias inferiores e aumento da quantidade de secreção. A depuração das secreções das vias respiratórias inferiores está frequentemente alterada nas crianças com alterações funcionais, em decorrência de tosse inefetiva resultante de fraqueza dos músculos respiratórios, das alterações da mecânica ventilatória e da parede torácica devido a cifoescoliose e limitação da deambulação. A drenagem postural padrão e a vibração torácica (20,21) auxiliam na mobilização das secreções das vias respiratórias periféricas para centrais, sendo posteriormente expectorada pela tosse.

A maioria das posturas/posicionamentos adotados na drenagem postural ou decúbito seletivo revela benefícios para a depuração das secreções das vias respiratórias; entretanto, o posicionamento em Trendelenburg não deve ser utilizado em crianças, devido ao aumento do risco de refluxo gastroesofágico e de alteração do fluxo sanguíneo cerebral (especialmente em recém-nascidos).

A internação de crianças com doenças no sistema respiratório é frequente em UTI pediátrica, entretanto, muitas vezes o comprometimento desse sistema pode ser uma complicação do uso prolongado da VPM invasiva, do posicionamento inadequado no leito, do tempo prolongado no leito e/ou de técnicas inadequadas de aspiração das vias aéreas. Crianças com doenças pulmonares crônicas (exemplos: asma, mucoviscidose), quando internadas em UTI pediátrica por agudização da doença, merecem cuidado especial, pois a aplicação de métodos inadequados de fisioterapia respiratória pode determinar piora do quadro clínico e até mesmo necessidade de ventilação não invasiva ou invasiva (21).

Geralmente, as crianças com doença pulmonar obstrutiva apresentam redução do pico de fluxo expiratório, com tendência ao aprisionamento de ar, obstrução das vias aéreas por secreção e redução do alongamento da musculatura ventilatória. Exercícios respiratórios com a utilização dos volumes pulmonares e o treinamento da musculatura respiratória melhoram as condições físicas e de alongamento dos músculos ventilatórios de crianças com asma e auxiliam na desobstrução das vias aéreas (20,21).

A força de deflação é uma técnica padrão-ouro utilizada para examinar as características do fluxo máximo em crianças gravemente doentes intubadas. Aplicada manualmente por fisioterapeutas, essa técnica tem sido utilizada com o objetivo de aumentar o fluxo expiratório (denominada aumento do fluxo expiratório – AFE) e, assim, auxiliar na mobilização de secreção de crianças com ou sem suporte ventilatório, sendo considerada segura mesmo quando aplicada em até 48h após a extubação em recém-nascidos (20). Até então, não foram demonstradas complicações e/ou contraindicações para aplicação do AFE em pediatria. Entretanto, na prática clínica não está indicada para crianças em diálise peritoneal (com cavidade cheia – por risco de aumento da pressão intra-abdominal – PIA), com aumento da PIA e em pós-operatório cardíaco com toracotomia (20).

Crianças com doença pulmonar crônica podem evoluir com bronquiectasias, diagnosticadas em 4% dos pacientes com tosse crônica – a causa mais frequente em pediatria são as infecções virais, mas pode estar relacionada com uma série de outros diagnósticos (asma, tosse psicogênica, refluxo gastroesofágico, discinesia ciliar, entre outros). A tosse crônica (definida como tosse diária por mais de 3 a 4 semanas) é um dos sinais mais frequentes em crianças. São características dos sinais e sintomas de crianças com bronquiectasias a tosse crônica, a secreção nas vias respiratórias, a tosse não produtiva e a predisposição a doenças pulmonares agudas com acúmulo de secreção, situações em que é recomendada a fisioterapia respiratória e terapêutica medicamentosa (mucolíticos, broncodilatadores, anti-inflamatórios, antibióticos e, em casos mais graves, lobectomia). Entretanto, a recomendação de fisioterapia respiratória para esses pacientes é baseada na opinião de especialistas, podendo apresentar melhores resultados durante a exacerbação aguda da doença. É importante que os pacientes com doenças pulmonares crônicas recebam orientação e participem de um programa de prevenção, independentemente de estarem ou não na fase aguda da doença, para que as complicações da doença sejam evitadas (20).

Crianças sem tosse podem se beneficiar com a utilização de um sistema de insuflação-desinsuflação (p. ex., aparelho Cough Assit®). Com o emprego de uma máscara facial, o sistema dá início a uma pressão inspiratória mantida, seguida por uma pressão expiratória negativa, para mobilizar as secreções durante a exalação, método ao qual se denomina tosse mecanicamente assistida (21).

São intervenções de fisioterapia respiratória com frequência aplicadas em crianças com alterações respiratórias em UTI a mobilização (alteração da postura, exercícios passivos e ativos dos membros e terapêutica rotacional contínua), a vibração mecânica ou manual, a hiperinsuflação manual, os exercícios respiratórios (insuflantes ou desinsuflantes) e o treinamento muscular (treinamento dos músculos respiratórios e dos músculos periféricos) (20,21).

Considerações finais
A fisioterapia para a criança gravemente doente com alterações funcionais difere daquela estabelecida para pacientes adultos, pois trata-se de uma combinação dos cuidados de uma criança normal associada à melhor estratégia de intervenção para a reabilitação. A proporção de crianças com condições crônicas e/ou alterações funcionais internadas em UTIP está em crescente aumento e, portanto, é esperado que a necessidade de reabilitação/fisioterapia também aumente. Existe claramente uma discrepância entre a necessidade e a possibilidade de cuidados de reabilitação/fisioterapia em crianças internadas em UTIP no mundo, especialmente nos países em desenvolvimento.

As morbidades relacionadas a Síndrome Pós-Alta Hospitalar afetam uma proporção significativa de crianças que recebem alta das UTIs.  Melhorar a compreensão das morbidades físicas, neurocognitivas e psicológicas após uma doença grave na população pediátrica é imperativo para projetar intervenções para melhorar os resultados em curto, médio e longo prazo de pacientes que recebem alta da UCIP no intuito de melhorar a segurança dos cuidados à criança gravemente enferma e, consequentemente, contribuir para a diminuição das morbidades após a alta hospitalar, visando a melhora ou manutenção da qualidade de vida.


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Sobre o autor

  • -Coordenadora do Serviço de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Hospital Sepaco
    -Pós-doutorado em Pneumologia pela EPM/UNIFESP
    -Doutora em Saúde da Criança/Adolescente e Mestre em
    -Neurociências/Neurocirurgia pela FAMED/ PUC-RS