Revisão de literatura: cuidados paliativos na população pediátrica
Victor Emmanuel Tedeschi Oliveira Pereira Pinto
Médico Residente em Pediatria no Hospital Sepaco
Resumo
A presença de uma doença ameaçadora da vida gera muito sofrimento para o
paciente, seus familiares e para a equipe que cuida. No contexto de pediatria,
esse sofrimento pode ser ainda maior frente à projeção dos pais de um futuro
para a criança que possivelmente nunca acontecerá, o que torna a inserção dos
cuidados paliativos nesse grupo de pacientes um desafio. O cuidado paliativo não
deve ser introduzido apenas no fim da vida, mas idealmente desde o diagnóstico
de uma condição ameaçadora à vida, cientes de que as necessidades do paciente
infantil são complexas e vão além do adequado controle de desconforto físico.
É de extrema importância que os profissionais de saúde e os gestores evoluam a
forma de pensamento sobre a abrangência do significado do cuidar, de forma a
oferecer uma abordagem mais digna de cuidados aos pacientes e às suas famílias
Palavra-chave: Cuidados Paliativos, Pediatria e Fim da Vida.
Introdução
As definições de saúde, doença, bem-estar e cuidados evoluíram em paralelo
aos avanços tecnológicos e morais da sociedade. Enquanto na Idade Média
os hospitais eram casas de repouso, lar de indesejados e doentes sem projeção
social, na segunda metade do século XX, passaram a ser centros de cuidados
de excelência, com tecnologias de ponta que propiciavam aumento de sobrevida
e melhora da qualidade de vida. No entanto, a mesma tecnologia que é capaz de
trazer alívio também pode ser responsável por prolongar a dor e causar mais
sofrimento. Entendendo que dor é uma percepção física e sofrimento é uma percepção
psicossocial, aliado ao conceito de que saúde não é mera ausência de doença e que
a definição de cuidar é maior do que a de curar, na década de 1960, a enfermeira
inglesa Cicely Saunders se dedicou aos cuidados de pacientes enfrentando o processo
da morte, sendo a precursora do que é atualmente entendido como cuidados
paliativos (1).
O termo paliativo é derivado do latim palliare e traduzido como abrigar e proteger.
Trata-se de uma filosofia derivada da medicina hospitalar que tenta preencher as
lacunas do atendimento de pacientes criticamente doentes (2), buscando não se
limitar a visão centrada na doença, com o objetivo de melhora da qualidade de vida,
diminuição do sofrimento e manutenção da dignidade. Cuidado paliativo é definido
pela Organização Mundial de Saúde como “uma abordagem que aprimora a qualidade
de vida dos pacientes (adultos e crianças) e suas famílias que enfrentam problemas
associados com doenças que ameaçam a vida, através de prevenção e alívio do
sofrimento por meio de identificação precoce e impecável manejo e tratamento de
dor e outros problemas, físicos, psicológicos e espirituais […]. Começa com o
diagnóstico e continua independentemente se a criança recebe tratamento
direto da doença” (3).
Essa forma de cuidado foi inserida na realidade brasileira muito recentemente – na
década de 1990 – e ainda enfrenta muitas dificuldades decorrentes do medo da
morte, fruto de uma visão centrada na doença e não no ser humano, na facilidade
de acesso às tecnologias prolongadoras da vida, além de medo de processos éticos
e civis (1, 4). Veio com o objetivo de educar que a morte é o destino de todos os seres
humanos e é um processo de evolução natural do adoecer. Contudo, quando o tema
abrange a população pediátrica, o cuidar que é ainda mais necessário se torna ainda
mais difícil, visto que esse grupo de pacientes é o centro de destaque da estrutura
familiar e enxergado como a possibilidade de conquista dos próprios ideais
paternos (4, 5).
Frente à relevância do tema, através de revisão de literatura, o presente artigo
buscou apresentar os principais conceitos sobre cuidados paliativos e sua relação
com o adoecer e a morte na população pediátrica, assim como revelar os principais
objetivos éticos e morais e demonstrar como ciência suas regras e protocolos de
elegibilidade nos cuidados dos pacientes.
Os cuidados paliativos na pediatria
Apesar de serem cada vez mais presentes na rotina do médico hospitalista
e de fazerem parte da grade curricular da maioria das faculdades de medicina,
os cuidados paliativos são envoltos por medo, confusão e angústia, seja pela
ilusão de que o médico é o responsável por todos os desfechos do paciente
e deve ser capaz de curar todas as enfermidades, seja pelo receio de causar
dor e descumprir o juramento de Hipócrates e as normas éticas da profissão.
Além disso, existe o temor legal de que qualquer fracasso terapêutico seja visto
como fruto de erro ou negligência, e mesmo por medo de expressar as emoções
humanas de maneira transparente para família e colegas (6, 7).
Muitas vezes é confundido com cuidado terminal, que se refere ao cuidado
próximo à morte, seja em horas, dias ou semanas (2). Há a falsa ideia de que
cuidados e morte são antagônicos, fruto de uma visão mais arcaica que está
presente até em profissionais de saúde com formação mais recente, o que pode
levar ao esquecimento de que a morte é o destino de todos os seres humanos
(2, 3). Apesar de tratar-se de um evento natural e esperado para pacientes sem
perspectivas de cura, a morte de uma criança é vista como a interrupção de uma
sequência esperada (3), e esse pensamento perigoso de valorização da extensão
da vida sem qualquer benefício pode transformar instrumentos de cura em sofrimento.
Confundem-se também cuidados paliativos com eutanásia, que é a antecipação
da hora da morte de formasuave e sem dor (2) e definida por Kovacs como a
compaixão que mata diretamente e tira qualquer outra possibilidade existencial (5).
A medicina paliativa tem como objetivo a ortotanásia, com o trabalho de diferenciar
cura e cuidado, respeitar o tempo de vida utilizando terapêuticas que sejam
proporcionais à fase de evolução da doença e permitir que a pessoa faleça quando
for a hora (1, 5).
O desconhecimento da correta definição influencia no erro em estabelecer
critérios corretos para iniciar os cuidados paliativos, sendo muitas vezes instituído
já em fases avançadas da doença e durante a internação hospitalar. Na realidade,
recomenda-se fortemente que essa abordagem seja oferecida pelo médico da
atenção primária, que muitas vezes é o profissional com maior vínculo com a
família, que conhece sua dinâmica, angústias e limitações (1, 6, 7, 8). Se o tema
paliativo já é um tabu para pacientes adultos e idosos; ao abordar lactentes,
crianças e jovens, tal inserção se torna ainda mais difícil, tanto por limitações
de ordem técnicas quanto socioculturais (6).
O número total de crianças com doenças crônicas e limitantes é visto como pequeno
em grande parte dos estudos. Um estudo conduzido na Inglaterra, Irlanda e Itália
demonstrou o número de doenças incuráveis nessa população na ordem de 10:10.000
(6). Outro complicador é que o espectro das doenças é heterogêneo e amplo,
envolvendo condições oncológicas, neurológicas, metabólicas, cromossomais,
cardiológicas e respiratórias, com duração e complexidades diversas, o que leva
também à pluralidade na necessidade de cuidados, com atenção particular na evolução
física, cognitiva e emocional (6, 7). Os limites éticos e legais também interferem no
correto manejo, pois, quando se trata do público infantil, os conceitos de liberdade
de escolha, respeito aos desejos do paciente e o seu direito à comunicação honesta
se contrapõem à referência legal do desejo dos pais ou tutores (2, 6, 7).
Com o avanço da tecnologia e a oferta de aparelhos de “suporte à vida” cada vez
mais sofisticados, há também uma tendência de prolongamento à vida de forma
artificial. Tais medidas aumentam a dificuldade em aceitar a terminalidade da vida
e fomentam a necessidade de discussão para o uso racional e discriminado de
tecnologias (1, 7). Em se tratando da população neonatal, os limites entre viabilidade
e futilidade são mais delicados (9). Dunn e Stirrat propuseram o limite da viabilidade
com 22 semanas e/ou 500g, considerando dados perinatais colhidos em pesquisa.
A comunidade científica aceita que a partir das 25 semanas há benefício em realizar
esforços para salvar a vida do recém-nascido; contudo, o período entre 23 e 24
semanas, conhecido como “zona cinzenta”, ainda é motivo de discussão (10). Um
estudo mostrou que 90% dos neonatologistas consideravam incertos os benefícios
de reanimar um recém-nato de 23 semanas e cerca de metade também o
consideravam para 24 semanas, enquanto que, para 25 semanas, 85% viam
benefícios e 25% dos entrevistados alegaram que iniciariam manobras de reanimação
se vissem critérios clínicos de elegibilidade mesmo sob a recusa dos pais (10, 11).
Tais achados demonstram a imprevisibilidade do curso de pacientes com
desenvolvimento tão imaturo na sala de parto. Há dados que demonstram
que os pacientes prematuros críticos que sobreviveram à sala de reanimação
falecem no curso hospitalar, o que levou Leuthner a afirmar que a avaliação
do neonato na sala de parto é especulativa e ajuda pouco no prognóstico, o
ideal seria que a decisão fosse tomada antes do parto, com uma equipe de
cuidados paliativos, o que diminuiria o sofrimento e a angústia da família (10, 11).
Indicações
Há critérios bem-definidos, mas pouco conhecidos, para a elegibilidade de início
da assistência. Envolve primeiramente o conceito de doenças limitantes à vida e
ameaçadoras à vida (6, 7). A primeira é a de que não existe esperança razoável
de cura e a morte prematura é altamente esperada, como na distrofia muscular
de Duchenne e na Trissomia do cromossomo 13 e 18; enquanto que a segunda
envolve morbidades que têm potencial de gerar a morte prematura, mas que
também podem ser curadas ou estabilizadas, como em doenças oncológicas,
deficiências neurológicas e lesões agudas que levam à necessidade de cuidados
intensivos. É importante definir que a doença terminal é quando a morte se torna
inevitável, tanto em doenças limitantes quanto em ameaçadoras (7). O conceito
de doença divide-se em cinco grupos, a saber:
Grupo 1:
Condições ameaçadoras em que o tratamento curativo é factível, mas pode falhar.
O paliativo e o curativo se misturam, e a importância de cuidados paliativos se
torna menor se houver remissão em longo prazo ou cura.
Grupo 2:
Condições em que a morte prematura é inevitável, mas que com o tratamento
apropriado existe possibilidade de melhoria de qualidade e aumento do tempo
de vida, como nos casos de fibrose cística.
Grupo 3:
Condições progressivas sem tratamento curativo disponível, exclusivamente paliativo,
como em doenças cromossômicas, distrofia muscular e erros inatos do metabolismo.
Grupo 4:
Condições não progressivas, irreversíveis, com necessidades complexas que
podem levar a complicações e morte prematura, como vistos em danos cerebrais.
Grupo 5:
Crianças que ainda não nasceram e possivelmente não apresentarão
chance de sobrevida ao nascimento ou viverão apenas por algumas horas.
O cuidado paliativo não deve ser introduzido apenas no estágio de fim da vida, mas
idealmente desde o diagnóstico de uma condição limitante ou ameaçadora à vida.
Incluem-se nos critérios de eleição: episódios graves de hospitalização (pelo menos
três internações em seis meses, tempo de internação superior a três semanas sem
melhora clínica, internação superior a uma semana em unidade de terapia intensiva
sem melhora clínica), uso de dispositivos médicos de suporte avançado de vida e/ou
necessidade de três ou mais especialidades simultâneas; condições que ameaçam
a vida e causam dificuldade no manejo da dor e de outros sintomas; sofrimento
espiritual e psicossocial da criança ou família (exemplo: limitação financeira);
dificuldade em tomar decisões e antecipação de suporte especial durante o período
de luto (1, 6, 7).
Basta um critério de elegibilidade para ponderar o início dos cuidados, contudo, há
níveis de cuidados paliativos a serem ofertados. A abordagem paliativa pode ser
oferecida de forma integrativa por qualquer profissional de saúde lidando com
situações em que ela seja necessária, em especial as de baixa complexidade.
O cuidado paliativo pediátrico geral deve ser organizado por pediatras da atenção
primária ou hospitalares e por profissionais de outras especialidades, como oncologia
e neurologia, que possuam treinamento básico na área. Casos com demandas mais
complexas idealmente deveriam ser acompanhados de forma consultiva por
profissional paliativista especializado. O nível de cuidado é definido de acordo com
as necessidades específicas da criança e da família, e é mutável e dinâmico com o
tempo, além de ter a particularidade de não finalizar com a morte do paciente, sendo
necessário e desejável o contato com a família após o desfecho (7, 12).
O plano de cuidado deve abranger as necessidades físicas, espirituais e psicológicas
da criança e da família e deve respeitar as necessidades do time que prestará a
assistência, nesse sentido citamos educação técnica e de habilidades de comunicação,
trabalho em equipe, supervisão quanto à possibilidade de burnout e financiamento
adequado (7,8).
Manejo de sintomas
O manejo sintomático pode parecer óbvio na teoria, mas, quando envolvido
com cuidados paliativos, pode levar a receios e pudores por parte da equipe
apesar de as dosagens e os intervalos serem os mesmos recomendados para
o controle sintomático em situações fora desse contexto. Ao entrevistar os
familiares desses pacientes a respeito da qualidade dos cuidados prestados,
o mau controle da dor foi apontado como o principal problema (2, 12). Dor
e dispneia são mais bem controlados com o uso de morfina na dose de 0,1 a
0,3 mg/Kg a cada quatro horas, nas vias de administração oral, sublingual ou retal.
Agitação pode ser manejada com lorazepam 0,05 mg/Kg a cada quatro a seis
horas ou com haloperidol na dose de 0,01 a 0,02 mg/Kg a cada oito a 12 horas.
O uso de difenidramina é recomendado contra prurido na dose de 0,5 a 1 mg/Kg
a cada oito horas. Náuseas e vômitos com ondansetrona via oral ou endovenosa,
dose de 0,15mg/Kg de oito em oito horas, e o manejo de sialorreia deve ser
abordado idealmente com hiosciamina na dose de até 0,125 mg a cada quatro
horas em crianças de até 12 anos e na dose de 0,25 para as acima de 12 anos.
No controle convulsivo, a abordagem inicial se faz com diazepam de 0,3 a 0,5
mg/Kg a cada 4 horas por via retal (6, 7).
Na população neonatal, as medidas de conforto também incluem oferecer calor
e estimular o contato com os pais. A oferta de oxigênio pode ser realizada na
tentativa de melhorar o desconforto respiratório e preferencialmente por cânula
nasal. Os pais devem ser orientados de que se trata de uma medida não curativa
e que não existe benefício em escalonar o suporte ventilatório para medidas mais
agressivas (9). A percepção de dor é desafiadora devido à falta de confirmação verbal.
Sinais objetivos, como mudanças corporais (exemplo: rigidez do tórax, flexão), na
posição das mãos (exemplo: mão espalmada com dedos esticados e/ou fechamento
súbito da mão) e faciais (exemplo: fronte saliente, fenda palpebral estreitada, sulco
nasolabial aprofundado, lábios entreabertos e tremor de queixo), mesmo que
inespecíficos, podem auxiliar a equipe nessa avaliação. A observação exclusiva de
sinais vitais não é aconselhada, já que a frequência cardíaca e respiratória, a saturação
periférica de oxigênio e a pressão arterial também podem alterar mediante eventos
clínicos e desagradáveis sofridos pelo paciente não necessariamente relacionados
a estímulo álgicos (13). Na presença de dor, fentanil e morfina são opções
bem-estabelecidas (10).
A consciência da possibilidade da morte e o processo do luto
Cabe ressaltar que as necessidades do paciente infantil vão além do adequado
controle de desconforto físico. Crianças também têm sua espiritualidade, se
preocupam se suas vidas fizeram sentido e temem a solidão, passam pelos
processos de luto antecipatório, entendem e se preocupam com a chegada
da morte, além de se compadecerem com o sofrimento dos pais. É importante
entender que crianças veem a morte de diferentes maneiras, dependendo da
idade. Apesar da ignorância ao conceito de morte antes dos 2 anos, são sensíveis
ao meio e podem entender que há algo errado; já no período pré-escolar
compreendem o conceito, imaginando tratar-se de um estado passageiro,
reversível e que pode ser causado pelo pensamento, o que torna necessária a
explicação de que não é algo punitivo. Até os 12 anos de idade cria-se o
desenvolvimento maduro da morte e o ideal é permitir que o jovem participe
da tomada de decisões (4, 12). Há tendência em delegar os problemas
emocionais à família que já está fragilizada com as fases do luto, aumentando
a chance de morte por causas naturais e não naturais.
Crianças são tão vulneráveis ao luto quanto os adultos, têm a necessidade
e o direito de entender os conceitos de brevidade da vida, podendo vir a
sofrer com a ansiedade, o isolamento e o medo (5). Tanto os pais quanto
os pacientes pediátricos podem passar por diferentes estágios emocionais
frente às notícias difíceis, segundo a Dra. Kübler-Ross (5). Quando ocorre a
negação defensiva de um diagnóstico que lhes provocador, o profissional
deve acolher e respeitar o tempo que a família precisa para compreender
a gravidade clínica. Após a negação se instala a raiva pelo destino e diagnóstico,
que pode ser direcionada a qualquer alvo, como a Deus ou à equipe médica.
A raiva não é pessoal, é um mecanismo de defesa contra uma dor insuportável,
sendo esperadas dos cuidadores tolerância e escuta ativa. É possível que os
familiares desejem uma segunda opinião, buscando alguém que lhes diga o que
desejam ouvir, momento em que estão mais vulneráveis. Tanto o paciente quanto
o seu núcleo familiar podem se sentir deprimidos, e é papel dos profissionais
ajudá-los a racionalizar sobre o problema e a dar o suporte emocional de que
precisam. Permitir a expressão dos medos, raiva e ansiedade facilita a trajetória
para a aceitação.
A definição dos objetivos de cuidado
Os pais sentem apreciação quando envolvidos ativamente na tomada de decisão,
principalmente quando são abordados de forma honesta e empática (12). Envolver
os pacientes nesse processo pode ser mais simples do que o esperado, já que as
crianças tendem a ser diretas e honestas (7), porém pode existir desejo parental de
não fornecer as informações para os filhos com a ilusão de protegê-los (2, 6).
A primeira etapa do planejamento envolve identificar e incluir as pessoas que serão
as responsáveis por esse papel, sendo estas também as responsáveis por transmitir
informações referentes a diagnóstico, prognóstico e tratamentos possíveis aos demais
membros da família. A comunicação deve ser clara e adaptada ao nível de instrução
dos presentes (sem termos técnicos), sempre respeitando a quantidade de informações
que cada um tolera receber (2, 6). Os profissionais devem oferecer esperanças realistas
e compreender que a esperança da família é um recurso de enfrentamento necessário
para que eles tenham forças para seguir em frente (6, 12).
Com base no entendimento familiar das condições apresentadas, traçam-se
os objetivos do plano terapêutico, seja voltado para a possibilidade da cura
até uma meta focada exclusivamente em medidas de conforto. Durante todo
o processo, é fundamental respeitar as necessidades particulares da criança e
das pessoas que as amam, quais sejam: condições financeiras, crenças, nível
de instrução e condições de aprendizado de detecção de sinais e sintomas
importantes dentro do quadro clínico, aplicação medicamentosa e de cuidados.
O planejamento também inclui o compartilhamento de decisões presentes ou
futuras sobre uso ou descontinuação de técnicas de prolongamento da vida e
intervenções agressivas (7, 8). Por fim, é fundamental questionar sobre o
entendimento dos envolvidos sobre condição, prognóstico e plano de cuidados (7).
Os desafios para a oferta de cuidados paliativos pelo mundo
Além da avaliação das necessidades de ordem física, psicológica e espiritual, as
limitações técnicas e financeiras também influenciam na qualidade dos cuidados
paliativos oferecidos (6, 8). Em países em desenvolvimento, o investimento
público e privado nesse setor ainda é muito incipiente, contando com leitos
hospitalares insuficientes, poucos profissionais capacitados e horas formais
de ensino graduação de medicina sobre o tema insuficientes ou inexistentes,
dificultando, assim, o acesso ao melhor manejo. Países desenvolvidos, como
Estados Unidos, Inglaterra e Itália, possuem centros integrados de cuidado
paliativo que fornecem serviços e informações para hospitais regionais menores,
coordenando equipes médicas e multiprofissionais (enfermagem, fisioterapia e
psicologia). Um estudo coreano avaliou hospitais sem experiência com cuidados
paliativos pediátricos e buscou identificar fatores importantes para a introdução
dessa forma de cuidados nesses serviços e identificou o conhecimento da
dependência tecnológica do paciente, treinamento formal da equipe médica
e conhecimento da região e população tratada pelo hospital (8).
Condições externas também podem alterar a qualidade na oferta dos cuidados.
O grupo de cuidados paliativos regional de Friuli Venezia Giulia buscou analisar os
impactos que a restrição da circulação de pessoas e o fechamento dos serviços
causou para famílias durante a pandemia de coronavírus da síndrome respiratória
aguda grave 2 (SARS-Cov-2). Menos da metade das crianças (41.7%) conseguiu
continuar suas sessões de fisioterapia, enquanto que a maioria foi obrigada a parar
com suas sessões. Entre as que conseguiram continuar, 80% reduziram drasticamente
o número de sessões e, após a reabertura dos serviços, 81% foram capazes de retornar
às suas atividades. No entanto, apenas 54.5% conseguiram voltar na mesma frequência
pré-pandemia. Algumas famílias também cessaram completamente as visitas médicas
de rotina temendo a infecção, aumentando o desafio e a angústia em uma situação
já estressante (14).
É preciso destacar que “a morte do outro se configura como a vivência
de morte em vida. É a possibilidade de experiência da morte que não é
a própria, mas é vivida como se uma parte nossa morresse, uma ligada
ao outro pelos vínculos
estabelecidos” (2, 4).
Conclusão
Apesar de recentes na história da medicina, os cuidados paliativos se tornam cada
vez mais relevantes, com protocolos bem-estruturados e planejamento centrado no
acolhimento e no bem-estar biopsicossocial do núcleo paciente-família-cuidadores.
É de extrema importância que os profissionais de saúde e os gestores evoluam a forma
de pensamento sobre a abrangência do significado do cuidar, de forma a oferecer uma
abordagem mais digna de cuidados aos pacientes às suas famílias. São necessários
mais investimentos na área, em estruturação física e aperfeiçoamento de profissionais,
principalmente para a pediatria.
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