Saúde mental infantil: aumento das preocupações com transtornos mentais em crianças

Tempo de leitura: 9 minutos

Patrícia Lebensold Mekler
Psicóloga. Coordenadora do
Serviço de Psicologia do Hospital e Maternidade Sepaco

Roberta Gomes Moretto Polonio
Psicóloga que atua na área de
Medicina Fetal, Unidade de
Cuidados da Mulher e UTI Neonatal do Hospital e Maternidade Sepaco

Em se tratando de saúde mental
infantil, é importante dizer que
uma política específica de saúde
mental para crianças e adolescentes
no Brasil se constituiu apenas no
século XXI, quando passou a ser
considerado o uso excessivo
da tecnologia no dia a dia das
crianças e adolescentes.

É importante ressaltar que
a saúde mental não está
exclusivamente ligada à
contemporaneidade
tecnológica; ela é uma
preocupação que existe
há muito tempo. No entanto,
o aumento significativo nas
tentativas e casos de suicídio
entre crianças e adolescentes
nos últimos anos trouxe mais
visibilidade a essa questão de
extrema importância.

Ainda existem poucas ações de
políticas públicas oficiais de
saúde mental infantil e juvenil;
a grande maioria das ações de
promoção, prevenção e cuidado
com a saúde mental estão
voltadas para a população adulta.

Nos últimos anos houve um
aumento significativo no número
de tentativas de suicídio que
culminaram com hospitalizações
e, dessa forma, passou-se a ter
uma atenção mais abrangente
no que diz respeito à saúde
mental das crianças e adolescentes.

Mundialmente, estima-se que
703.000 pessoas morrem por
suicídio por ano, com média de
80 suicídios a cada 100.000
indivíduos. A Organização
Mundial de Saúde (OM)
retrata que, em 2019, a cada
100 óbitos, aproximadamente
1,3 ocorreram por suicídio.

O Brasil está incluído entre os dez
países que registram os maiores
números absolutos de morte por
suicídio. Após a implementação
da notificação compulsória
em 2010, até 2016 o Brasil
notificou 176.266 lesões
autoprovocadas, sendo
27,4% tentativas de suicídio.
Os dados são alarmantes na
população de adolescentes,
sendo o suicídio a quarta
principal causa de óbitos
em jovens entre 15 e 19 anos,
de ambos os sexos,
concentrando-se em países
de baixa e média renda, em
uma proporção de 78% desse
total, sobretudo nos países
de maiores índices de
desigualdade social. Apesar
da formulação de políticas
públicas e reestruturação
da rede de atenção em saúde

mental, de 2006 a 2015 houve
aumento de 24% nos suicídios
de adolescentes em seis grandes
cidades brasileiras.

Diante desse quadro abriu-se
um espaço para maior atenção
e preocupação com a saúde
mental dos jovens, aumentando
também a preocupação dos
pais e da escola e, dessa forma,
a busca de informação e medidas
de cuidados estão sendo mais
efetivas. Ainda há muito o que
se falar, orientar e auxiliar, porém,
o estigma que cerca questões
relacionadas ã saúde psíquica
está diminuindo e permitindo,
assim, um cuidado integral, ou seja,
um cuidado biopsicossocial.

As questões da saúde mental
prejudicam o desenvolvimento
da criança/adolescente e podem
trazer consequências importantes
na vida adulta, que prejudicam
todo o entorno do sujeito como,
por exemplo, no trabalho, na vida
social e demais aspectos da vida
do indivíduo.

No Brasil, os maiores problemas
encontrados nessa faixa etária
incluem transtorno de conduta,
de atenção e hiperatividade,
ansiedade e depressão. Nos
fatores de risco para problemas
que envolvem transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade estão
incluídos: discórdia conjugal severa,
desvantagem socioeconômica,
família numerosa, criminalidade
paterna e transtorno mental da
mãe, Por outro lado, fatores de
proteção, como famílias menores,
pais apoiadores e estabelecimento
adequado de limites e regras,
também devem receber atenção.
Os transtornos emocionais, como
depressão e ansiedade, têm sido
associados a fatores como
exposição precoce a ambientes
incontroláveis, acúmulo de eventos
de vida adversos e ter um genitor
com transtorno, ou seja, podem
ter base genética, ambiental ou
ambas. Em qualquer questão
prévia relacionada que desencadeia
o adoecimento, o ambiente familiar
instável, incontrolável ou caótico
tem sido reconhecido como
prejudicial ao desenvolvimento
infantil.

A busca de informações, a divulgação
da existência de adoecimento
psíquico ainda na infância e juventude
abre espaço para que possa existir
um cuidado com essa população,
desmistificando o que permeia os
preconceitos relacionados ao
adoecimento mental.

Uma rede de cuidados representa
um aspecto de grande importância
nesse contexto. A rede de apoio
pode incluir a escola, o domicílio,
a igreja, o clube, o cinema, etc,
podendo ou não estar incluídas
as instituições de saúde. A ligação
efetiva dos usuários com essa
rede favorece a resolução de
problemas e contribui com o
processo de tratamento.

Como ajudar nossas crianças
e adolescentes?
Um dos fatores importantes é
poder identificar as mudanças
de comportamento, isolamento,
discursos mais pessimistas, a
falta de vontade de fazer atividades
que eram prazerosas e habituais.

O adolescente tem medo da opinião
alheia por uma desconfiança em
si mesmo e, nesse momento é
importante a escuta dos pais,
cuidadores e familiares, podendo
validar os sentimentos do adolescente
sem desqualificá-lo ou mesmo tentar
convencer do contrário. Uma escuta
acolhedora, sem julgamentos,
pode permitir ao adolescente um
espaço seguro para que ele possa
falar de si mesmo e de suas angústias
e, dessa forma, ouvir-se, podendo
“obter” informações de sua
personalidade que está em construção.

Os pais e responsáveis podem e
devem dar limites, ainda que tenham
receio de perder o afeto do jovem,
dadas às características dessa fase.
Porém, nesse momento, é preciso
não ser permissivo a todo custo
e estimular no jovem a necessidade
de se tornar independente, auxiliando
na tomada de decisões que não irão
trazer prejuízos, pois ele ainda não
está capacitado para tais situações.

Os adolescentes têm em seu
desenvolvimento o fato de não
gostarem tanto dessa aproximação
com os pais; ainda assim o contato
precisa ser realizado, de forma cautelosa,
sem ser invasivo e disponibilizar cuidado
e atenção sempre que preciso.
O fato de se serem cuidados os
ajuda a sentirem se bem.

Além disso, se faz imprescindível
a procurar ajuda médica e psicológica.
Lembrando que há um impacto em
toda a família e todos precisam de
cuidado, acompanhamento e psicoterapia.

A importância da psicoterapia precisa
ser bem entendida por toda família,
eliminando todo o estigma envolvido
em relação à saúde mental e à
necessidade de tratamento. Os pais
têm papel fundamental nesse
sentindo, quando conseguem visualizar
que a ajuda é necessária e efetiva.
Importante que se instrumentalize,
buscando informações através de
leituras, palestras, conversas com
especialistas para que, ao abordar
o adolescente, passe segurança
e confiança na proposta de tratamento,
que visará ao cuidado mental e
à qualidade de vida nesse período
turbulento.

A escola pode ter um papel importante,
tanto na prevenção quanto na abertura
de espaço para escuta e oportunidade
de orientação, através de palestras,
roda de conversas, discussões em
sala de aula, dar informações sobre o
tema, ajudar o adolescente a identificar
seus estados emocionais e assim poder
também buscar ajuda.

Psicologia infantil (Banco de
Imagens – Adobe Stock)

Referências bibliográficas

• Organização Mundial da Saúde
(2000a). Prevenção do suicídio:
manual para professores e
educadores Genebra: OMS. Recuperado
de https://www.who.int/mental_
health/prevention/suicide/en/
suicideprev_educ_port.pdf
Therezinha Cruz (Presidente do
Comitê de Adolescência, agosto
de 2005) Fonte:SOPERJ

• A saúde mental infantil na Saúde
Pública brasileira: situação atual
e desafios. Maria Cristina Ventura
Couto, Cristiane S Duarte, Pedro
Gabriel Godinho Delgado. Núcleo de
Pesquisa em Políticas Públicas de
Saúde Mental (NUPPSAM), Instituto
de Psiquiatria (IPUB), Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Disponível
em: https://doi.org/10.1590/S1516
-44462008000400015

• Jaen-Varas D, Mari JJ, Asevedo E,
Borschmann R, Diniz E, Ziebold C,
et al. The association between
adolescent suicide rates and
socioeconomic indicators in Brazil:
a 10-year retrospective ecological
study. Braz J Psychiatry. 2019;41(5):389
-95. https://doi.org/10.1590/151
6-4446-2018-0223

Sobre os autores

  • - Coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospital Sepaco
    - Membro da SBPH
    - Especialista em Psicologia Hospitalar pelo IDPC
    - Pós-Graduanda em Bioética pelo Instituto Paliar

  • - Psicóloga que atua na Medicina Fetal, Unidade Cuidados da Mulher e UTI Neonatal do Hospital Sepaco. - Pós-Graduada em Cuidados Paliativos pela Faculdade Unyleya de São Paulo